PUB

Economia

“Conseguimos respeito, reconhecimento e consideração para as mulheres empresárias” – Eunice Mascarenhas

Eunice Mascarenhas está de saída da Associação das Mulheres Empresárias de Cabo Verde e da Diáspora (AMES&CD). Dez anos depois, em entrevista ao nosso online, a empresária diz ter o sentimento de missão cumprida e elenca uma série de ganhos alcançados, entre eles o facto de a associação ter conseguido alcançar o “respeito, reconhecimento e consideração para as mulheres empresárias”. Contudo, alerta que, devido à conjuntura, o próximo ano será “um grande teste para o país no seu todo”. A empresária abraça agora novos desafios e avança que é candidata às eleições da CCS.

Que balanço faz dos 10 anos à frente da AMES-CV?

Foram quase 10 anos de muita intensidade e de muito amor dedicado à causa. Neste espaço, não será possível demonstrar toda a vivência de integração do grupo que lideramos. Todos os elementos integrantes e algumas sócias foram vitais para que hoje esta entrevista fosse possível. Para cada uma dessas admiráveis empresárias, terei uma gratidão eterna, por terem-me permitido essa experiência. Sou o que sou hoje, graças a muitas que estão nos bastidores, um muito obrigado a todas as mulheres que estão próximas, nas ilhas ou na diáspora pela confiança.

Mas digo-lhe que, numa conjuntura de inexistência de sensibilidade do associativismo e do voluntariado no país, sem recursos técnico/administrativo ou financeiros, deixamos a situação financeira da AMES&CD perto de um milhão de escudos.

Fazemos um balanço grandemente positivo porque conseguimos motivar a equipa que nos acompanhou durante estes anos. Conseguimos que as sócias se engajassem, apesar de acharmos que podia ter havido mais adesão.

Sem recursos financeiros e sem grande cumprimento no pagamento das quotas por parte das sócias, conseguimos desenvolver mais de 85% dos objetivos traçados no nosso plano estratégico.

Conseguimos transmitir o nosso empenho e o nosso amor a causa, e com isso fazer o efeito contágio a todos que nos rodeavam. Estendemos o nosso abraço a todas, apostamos em fazer e em mostrar que é possível a união.

Mas nem tudo foram rosas, foi necessário o dispêndio de muitas horas dedicadas à causa, no entanto, reconhecemos que tivemos menos sucesso em algumas questões.

 

Quais?

A questão institucional onde até ao momento não conseguimos ter uma sede própria para a AMES&CD, não conseguimos angariar fundos para implementação de uma cooperativa de transformação de alimentos para as mulheres que se encontram na apanha de areia no Tarrafal, não conseguimos avançar com a parceria com o governo na proposta apresentada de gerir a questão da formalização e acompanhamento das mulheres que se encontram no informal, mas, em contrapartida, e com a vontade e empenho de todas, realizamos grandes atividades de forma que hoje, a AMES&CD tem um reconhecimento à nível nacional, na nossa diáspora e internacionalmente.

 

Que legado esta equipa deixa?

Criamos uma marca. O nosso principal foco num primeiro momento, foi apresentar-nos a sociedade cabo-verdiana. Era necessário que todos conhecessem que as mulheres empresariais já tinham uma representação local em Santiago, depois a nível nacional e na nossa diáspora. Focamos a trabalhar a imagem corporativa e a comunicação da AMES&CD, com campanhas publicitando as nossas atividades, folhetos informativos; criação da página no FB e o site da AMES&CD; criamos cartão de sócias da AMES. Hoje são poucos os que ao verem o logo da AMES&CD, não saibam do que se trata. Elaboramos o regulamento interno, depois, fruto de solicitação de várias mulheres empresárias nas outras ilhas para alargar a AMES para AMES&CD fizemos a Revisão dos Estatutos.

Capacitamos mulheres com formações e seminários longe do ambiente do seu habitat normal para que assim ficassem livres das lides referente a gestão familiar e abrasassem o conhecimento.

Para o melhoramento do ambiente de negócios, estivemos sempre persistentes na angariação de informações e apresentação de propostas, interrogamos e apresentamos propostas aos governos, revindicamos, quando fomos excluídas, até fazermos parte do sistema, hoje, conseguimos também fazer parte do CA da FIC, assim como as outras organizações empresariais

Realizamos um estudo sobre o perfil das mulheres empresárias de Santiago onde resultaram informações interessantes, deixamos linhas gerais para que esse estudo seja alargado para outras ilhas do país.

O objetivo desse estudo foi ajudar o executivo do país, na definição de eixos estratégicos para o desenvolvimento empresarial focado nas mulheres empreendedoras e empresárias.

Durante a pandemia, não ficamos paradas no estado de emergência, realizamos outro estudo sobre o impacto da Covid no tecido empresarial cabo-verdiano. Um estudo que contou com a parceria das outras organizações empresarias do país.

 

O combate ao sector informal, também foi um foco da vossa gestão?

Sim. Fizemos ações de sensibilização das mulheres que se encontram no sector informal para se formalizarem, mostrando-lhes as vantagens da formalização das suas empresas.

Para nós, sempre foi claro a necessidade do alargamento da base tributária para que se criem condições para que cada empresário pagasse menos impostos, apresentamos propostas várias aos governos.

Mas, nem sempre foi possível ganharmos nesta luta de interesses antagónicos entre o público e o privado, mas sempre estivemos firmes e conscientes do que o caminho seria distante e os primeiros passos tinham que ser iniciados.

Percorremos o caminho com a consciência clara de que não seria fácil, porque o país ainda está repleto do machismo nos homens e nas mulheres. Mostramos que somos capazes de trabalhar com zero no orçamento inicial.

Na linha do empoderamento feminino, realizamos em parceria com os serviços públicos, nomeadamente, o Ministério do Desenvolvimento Empresarial, Embaixada dos EUA, FME&CPLP e a TCV, um programa de TV, com 35 episódios sobre informações necessárias ao sector empresarial, onde reservamos um espaço para a apresentação de empresas lideradas por mulheres no país. O programa Minutos AMES&CD. Uma ação que deu boa visibilidade à marca AMES&CD.

Realizamos workshops com temas variados para capacitar e levar informações às mulheres empresárias, apresentamos propostas para o orçamento do estado, a fiscalidade, o financiamento a questão da alteração da lei laboral, negociamos com as instituições financeiras. Apresentamos propostas diversas aos governos e, até à chegada da Covid, fomos sempre chamadas a pronunciarmo-nos em alguns pareceres de assuntos importantes afetos ao sector empresarial.

Apresentamos propostas para projetos conjuntos com as ilhas da macaronésia (Madeira, Açores, Canarias e CV), participamos em visitas empresarias diversas. Criamos programas como o open day para formação e informação com as nossas associadas e mulheres no geral, criamos um outro programa com grande impacto, onde, anualmente, levamos grupos de mulheres para passarem 3 ou 4 dias em outra ilha ou outro país, para conhecerem in loco, a dinâmica de gestão existente nas grandes cadeias empresarias. Assinamos protocolos para parcerias.

Sempre que necessário, fomos com as empresárias, aos serviços públicos e aos dirigentes ou governantes, para tentar resolver questões que prejudicavam as suas empresas, falo, por exemplo das instituições bancárias, da DGCI, aos ministros ligados às áreas de negócios das sócias necessitadas, aos serviços da alfandega, ao IGAI, realizámos formações para as mulheres que não tinham outro meio de sobrevivência senão a apanha de areia nas praias do Tarrafal.

Juntamos mulheres empresárias da nossa diáspora para troca de experiências e ver possibilidades de parcerias.

Enfim, foram anos de aquisição de experiências e vivências próximas aos empresários, de um modo geral. Possibilitou-nos conhecer a realidade do sector em diversas frentes, em várias áreas de atividade e nas dimensões de várias empresas.

 

Se tivesse que elencar três ganhos alcançados, o que apontaria?

Podemos destacar três grandes ganhos: 1º o engajamento dos elementos dos órgãos sociais da AMES&CD e sócias, no geral, pode parecer estranho, mas conseguir criar essa motivação nos empresários que nunca têm tempo disponível, é uma grande vitória. Muito empenho por parte delas e muita motivação.

O 2º ganho, foi sem dúvida, a aceitação da AMES&CD na esfera de alguns órgãos de informação e decisão. A visibilidade da associação levou que o país criasse um sentimento de respeito, reconhecimento e consideração para as mulheres empresárias. Hoje, apesar de ainda não temos atingido a igualdade no sector empresarial formal, começamos a ser vistas como pessoas que podem fazer negócios de qualquer nível.

O 3º ganho foram os vários projetos acima elencados que realizamos. Mas, temos que conseguir implementar as recomendações do secretário geral da ONU, que disse, aquando o dia 8 de março, que “Os países com mais igualdade de género têm um maior crescimento económico. As empresas com mais mulheres na liderança têm uma melhor produtividade. Os acordos de paz que incluem mulheres são mais duráveis. Parlamentos com mais mulheres promulgam mais legislação sobre questões sociais fundamentais, tais como saúde, educação, combate à discriminação e de apoio à criança”.

Neste momento, em que condições se encontra o empresariado feminino em Cabo Verde?

Nos resultados económicos e empresarias, no ambiente de negócios, nos custos de fatores existentes no país, no aumento galopante dos preços, nos aumentos dos direitos alfandegários, na contração do mercado, na falta de matérias primas por que o mundo passa neste momento, e todos os outros factores atrelados a realidade empresarias, não existe género.

O empresariado feminino, assim como o masculino, encontram-se a debelar e a reinventar novas formas de fazer os negócios, pois, a Covid foi, e continua a ser, um fenómeno para o qual o mundo não estava preparado.

O sector do turismo ficou bastante afetado, assim como os eventos, os artistas etc… Foi feliz e racional o orçamento do estado de 2022 manter 10% do IVA para o sector. Manter os apoios como o lay off para a cadeia do turismo. Pois, neste momento, que se esperava com grande expectativa, o retorno do turismo, temos assistido noticias de retorno de medidas de fechamento nos mercados emissores do país, e, essa vaga, de certo, chegará ao nosso país.

Daí a importância de continuarmos a incentivar a vacinação e a utilização de mascaras e ter os cuidados sanitários recomendados. Mas, o povo destas ilhas sempre foi resiliente, e nós, empresários, somos fruto dessa resiliência, daí que termos continuado sempre presentes, não abandonamos o país, não abandonamos os nossos recursos humanos.

 

Principais desafios do empresariado feminino para o futuro?

O nosso futuro imediato é o ano 2022, onde de momento se discute a aprovação do orçamento do estado. O próximo ano será um grande teste para o país no seu todo, mas à semelhança da “Revolta di Ribon Manel” onde “homem ku faka, mudjer machado, meninos tudo tá djunta pedra”, temos que nos unir para juntos vencermos essa nova realidade que, assim como nos mostra a história do país, sempre fomos ultrapassando os constrangimentos com firmeza e determinação.

O sector empresarial forte é a única solução para o país. É importante continuarmos a ser rigorosos na implementação de medidas sanitárias impostas, pois, a covid irá continuar no nosso convívio, não vai desaparecer. Depois, temos de desenhar estratégias para tentar ultrapassar esse período de auxiliação da pandemia para não fecharmos as nossas empresas ou negócios, prepararmo-nos para o período pós moratórias.

Inovar, fazer parcerias, e procurar outras oportunidades de negócio, pois, diz-se que em cada crise, nascem grandes negócios e grandes empresários. É necessário termos uma liderança forte de representatividade do sector empresarial ao mais alto nível. Elementos que conheçam fortemente o sector e as várias realidades e dinâmicas empresariais existentes como o das mulheres, jovens, pequenas, médias e grandes empresas porque o tempo não comporta fazer ensaios e sim ter ação.

 

Já sabe quem a vai substituir na AMES?

Sabe, como disse no início da minha entrevista, o cabo-verdiano não foi formado para disponibilizar algum do seu tempo para dedicar-se ao voluntariado, somos individualistas, reflexos do factor ilhéu. A situação causada pela pandemia Covid veio desmotivar ainda mais a classe empresarial que acha que não vale a pena se associar às organizações. Muito complicado! Mas indo direto à sua questão, informo que a AMES&CD está de momento num período de eleições internas e pacíficas. A equipa que vier a ser eleita, terá sempre o meu apoio. Vamos aguardar.

PUB

PUB

PUB

To Top