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Que alternativas para o financiamento do déficit orçamental constante da proposta do Orçamento Geral do Estado para 2022?

Por: Armindo Duarte*

Em 2020, a economia mundial foi duramente fustigada pela epidemia do Covid-19, com origem em Wuhan, China (dezembro de 2019), que rapidamente se espalhou por todo o mundo, transformando-se numa pandemia a nível global (primeiro trimestre 2020). Esta grande crise provocou grandes recessões económicas em quase todos países do mundo, tendo por consequências, altas taxas de desemprego, aumento substancial dos déficits orçamentais e da dívida pública, lançando o mundo na maior crise sanitária, económica e social, desde a Grande Depressão de 1929. 

A economia caboverdiana não conseguiu fugir à esta crise mundial, registando uma forte recessão económica na ordem dos 14,8% em 2020, um déficit orçamental de cerca de 9,1% do PIB e uma dívida púbica que atingiu os 155,9% do PIB.

Visando combater os efeitos da Covid-19 e mitigar os efeitos nefastos da crise sanitária, económica e social, o governo de Cabo Verde apresentou uma proposta de Orçamento de Estado para 2021, tendo por objectivos combater a pandemia, proteger os empregos, os rendimentos e as empresas.

Com base nas medidas constantes do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o ano 2022, estima-se que a economia cresça entre 6,5% e 7% em 2021, que o déficit orçamental atinja os 13,7% do PIB e que a dívida pública alcance o patamar dos 156,8% do PIB.

A proposta orçamental do OGE-2022 para o ano 2022, apresentada pelo senhor Ministro das Finanças, é de 72.737.478.235$00 (setenta e dois mil milhões, setecentos e trinta e sete milhões, quatrocentos e setenta e oito mil e duzentos e trinta e cinco escudos cabo-verdianos), tendo como prioridades quatro eixos fundamentais, a saber: garantir sucesso no combate a pandemia da Covid-19, a recuperação económica, a sustentabilidade orçamental e a defesa da inclusão social.   

De acordo com proposta orçamental acima referida, a economia do país deverá crescer 6% em 2022, estima-se que o déficit orçamental atinja os 9,8% do PIB e prevê-se que a dívida pública alcance os 150% do PIB.

Em paralelo, o governo prevê arrecadar 60.815.162.734$00 (sessenta mil milhões, oitocentos e quinze milhões, cento e sessenta e dois mil e setecentos e trinta e quatro escudos cabo-verdianos) em Receitas Orçamentais Totais em 2022. Da mesma forma, o governo prevê despender o montante de 72.737.478.235$00 (setenta e dois mil milhões, setecentos e trinta e sete milhões, quatrocentos e setenta e oito mil e duzentos e trinta e cinco escudos cabo-verdianos) em despesas orçamentais totais.

Efetuando uma análise aritmética simples do OGE-2022, constata-se que o governo prevê um déficit orçamental de 11.922.315.501$00 para 2022 (diferença entre receitas totais e despesas totais). Isto quer dizer que as receitas orçamentais totais são manifestamente insuficientes para cobrir as despesas orçamentais totais, ou seja, prevê-se a economia do país, não gerará riqueza suficiente em 2022 para cobrir as nossas necessidades expressas no OGE-2022. Não podendo a nossa economia gerar recursos suficientes para financiar as nossas despesas de financiamento e de investimento, o país necessitará, como é óbvio, de recorrer a financiamentos, tanto de natureza interna, como externa, para podermos ter um orçamento equilibrado em 2022 (Despesas Totais = Receitas Totais).    

É aqui que reside o busílis da questão: Que alternativas é que o governo de Cabo Verde tem para financiar o déficit orçamental?

Na minha modesta opinião, o governo dispõe de três instrumentos para resolver o problema de financiamento do OGE-2022, a saber:

renegociação do serviço da dívida externa (capital+juros);

aumento do tecto do serviço da dívida interna; e

aumento dos impostos.

Relativamente ao primeiro ponto renegociação do serviço da dívida externa (moratória do serviço da dívida e condições de alívio), apraz-nos informar que os nossos credores externos, ou seja, governos de países estrangeiros, estão também a sofrer os efeitos da crise mundial, têm praticamente os mesmos problemas que estamos a enfrentar, designadamente, contração/desaceleração da atividade económica, altas taxas de desemprego, destruição do emprego, restrições a nível da criação do emprego, pelo que a tarefa não se afigura fácil. Entretanto, com o despoletar da crise sanitária provocada pela Covid-19, a grande maioria dos países do mundo, com destaque para os mais desenvolvidos, adoptaram/implementaram medidas tanto de natureza fiscal (grandes programas de estímulo à atividade economia por parte dos Ministérios das Finanças) como monetárias (adopção de políticas monetárias acomodatícias, aliado ao programa de compra de ativos por parte dos Bancos Centrais), assentes na injeção de muita liquidez na economia, visando combater os efeitos da Covid-19 na economia e estimular a atividade económica.

Tendo em conta o forte impacto que a pandemia do Covid-19 teve na atividade económica, os países da União Europeia suspenderam as regras de déficit orçamental e da dívida pública de não superiores a 3% e 60% do PIB, respetivamente (critérios de Maastricht), pelo menos, até 2023, que poderá ser estendido para além deste prazo, caso, nessa altura, as economias ainda não estiverem recuperadas da pandemia do Covid-19. Finalmente, a Comissão Europeia aprovou há alguns meses, um “Plano Marshall” para a União Europeia, tendo como grande objectivo a recuperação da Europa depois da crise da Covid-19, o denominado Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), vulgarmente denominado de bazuca europeia. Pelas medidas acima referidas, constata-se que nestes países estão reunidas as condições financeiras para a recuperação, desde que a Pandemia não atrapalhe suas estratégias de crescimento e de recuperação económica.

As medidas acima referidas, abrirão uma janela de oportunidade para o governo de Cabo Verde, no sentido de renegociar o serviço da dívida externa, pois, os credores, com certeza, estarão abertos para concederem à Cabo Verde tal pretensão pois, os estímulos acima referidos, que irão perdurar, pelo menos, até 2023, irão, com certeza, constituir uma almofada financeira, que os ajudará a combater a crise e impulsionar suas economias e, e última instância, ajudar as economias menos desenvolvidas nas suas estratégias de saída da crise e consequente retoma económica. 

Cabo Verde é considerado um país com grande credibilidade internacional, país onde a democracia funciona, um país que respeita os direitos humanos. Estes atributos constituem ativos intangíveis do país, que bem geridos, abonam a favor do país, ajudando a alcançar o objectivo pretendido.

As pessoas poderão indagar: mas a renegociação do serviço da dívida externa não poderá pôr em causa a sustentabilidade da dívida pública?

Não podemos ter a pretensão de ser mais papistas que o Papa. Se a grande maioria dos países do mundo, com grandes recursos, suspenderam as regras do déficit orçamental e da dívida pública, com maioria de razão de ser, Cabo Verde pode, também, enveredar por este caminho. Ademais, são as próprias organizações multilaterais do mundo (FMI, Banco Mundial, ONU, etc), que defendem a suspensão das regras acima referida, neste período de crise da pandemia do Covid-19, chegando ao ponto de defenderem o perdão parcial ou total do serviço da dívida dos países em desenvolvimento por parte dos países desenvolvidos, sobretudo, para os mais endividados, tendo em conta o forte impacto que a Covid-19 teve nessas economias. 

Relativamente a segunda alternativa proposta para a resolução do problema em análise, aumento do tecto da dívida, é algo que não se afigura fácil, tendo em conta que exigirá, de acordo com a Lei de base do orçamento, uma maioria qualificada de dois terços. À este nível, o governo deverá encetar negociações com a oposição com assente parlamentar, sobretudo com o PAICV, por forma a se chegar à uma plataforma de entendimento e resolver-se o problema do financiamento do déficit orçamental. Tal opção requererá criatividade, muito arte de negociação e sobretudo cedências. Penso que as negociações acima referidas já deveriam ter sido efetuadas, antes da apresentação da proposta orçamental para 2022, por forma a que no momento da discussão do mesmo, ter-se uma proposta concreta, com a anuência dos partidos da oposição.  De referir que a oposição parlamentar (PAICV e UCID) já manifestaram que estão abertos para uma discussão nesta matéria, tendo o presidente da UCID, inclusivamente reiterado, que prefere esta solução a um aumento do IVA de 15% para 17%. Mãos à obra.

Finalmente, a proposta de Aumento do IVA de 15% para 17%. Penso que esta deveria ser a proposta de último recurso a ter cabimento no OGE-2022 (quando estivessem esgotadas as restantes opções), pois, a adopção desta medida, irá, com certeza, deteriorar, ainda mais, o poder de compra das pessoas, sobretudo das classes mais desfavorecidas, irá criar dificuldades às empresas, que poderão ver seus volumes de negócios cair, por falta de poder de compra dos consumidores. Como se costuma dizer na gíria popular, o IVA é um “imposto cego”, em última instância, quem paga o IVA é o consumidor final, pois, com o aumento do IVA, as empresas, irão com certeza, repassar o aumento do custo dos produtos e serviços para os consumidores.

Na atual conjuntura e, atendendo ao pouco tempo que falta para a discussão e aprovação da proposta de OGE-2022, tanto na generalidade, como na especialidade, penso que a nossa proposta iria, prioritariamente, para a opção Aumento do Tecto da Dívida, seguida da Renegociação do Serviço da Dívida Externa (que poderia ser a primeira opção, caso, as autoridades, atempadamente, tivessem encetado as necessárias negociações com os nossos credores externos sobre esta problemática) e, em última instância, o aumento do IVA de 15% para 17%, apesar de ser transitório, pois, não devemos esquecer que durante este período de crise houve um aprofundamento das vulnerabilidades sociais, assente na destruição de vinte mil postos de trabalho e no aumento do nível da pobreza. Aumentar o IVA significa deteriorar, ainda mais, o poder de compra e as condições de vida das pessoas, sobretudo das camadas mais desfavorecidas da sociedade. 

Recomendações

A economia de qualquer país é feita de ciclos. Os ciclos económicos de expansão da atividade económica, alternam-se com ciclos de contração da atividade económica. Atendendo ao facto de o nosso país ser um país pequeno, arquipelágico, que importa praticamente o que consome, com poupança interna manifestamente insuficiente para suprir as necessidades de funcionamento e de desenvolvimento, a recomendação vai no sentido do país ter de constituir, no futuro, almofadas financeiras (buffers financeiros) em períodos de grande crescimento económico, para quando chegar crises, o país estar preparado e ter poupança suficiente para resolver os problemas relacionados com choques, tanto de natureza origem interna ou externa. O fundo soberano de emergência (criado pela Lei nº. 61/X/2019 de 29 de julho, com um capital inicial de 10 milhões de euros, prevendo-se que inicie as suas atividades em 2022), caso seja devidamente capitalizado, poderá desempenhar um papel crucial neste processo, tendo em conta que está concebido para fazer face a choques desta natureza.   

Finalmente, recomenda-se que deve existir haver pactos de regimes entre os partidos políticos, por forma a que se mantêm inalteradas as políticas em setores sensíveis, como são os casos da educação, saúde, segurança social, habitação social, etc, setores onde as políticas públicas não devem mudar, independentemente dos partidos que estiverem no poder. O país agradece!

Praia, 24/1/2021

*Economista

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 743, de 25 de Novembro de 2021

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