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Economia

TACV, uma “retomada” cheia de incertezas

Imagem: inforpress

A TACV/CVA retomou as operações com um voo proveniente de Lisboa, tendo primado, uma vez mais, pelo atraso. A companhia, ao que tudo indica, está a ser obrigada a operar com aviões ineficientes e descontinuados, o que representa elevados custos para a tesouraria da empresa. A “aventura” chamada TACV, ao que tudo indica, continua.

Os accionistas da TACV estiveram reunidos esta quarta-feira, 29, na Cidade da Praia, em assembleia-geral extraordinária, para a apreciar e deliberar sobre o plano de retoma e estabilização da companhia para 2022-2023. Até ao fecho desta edição, nada havia transpirado sobre o encontro, durante o qual as partes – o accionista Estado e os demais donos da transportadora – iriam pôr as cartas sobre a mesa para o novo arranque da TACV, analisando as contas, por enquanto antigas, entre outros aspectos.

Esta assembleia geral aconteceu dois dias depois de a TACV ter efectuado o seu primeiro voo Lisboa-Praia-Lisboa, depois do rompimento das relações com o parceiro islandês – Loftleider Icelandic – que muito contribuiu para atolar companhia cabo-verdiana de bandeira no buraco negro de dívidas.

A realização do referido voo, custasse o que custasse, impunha-se como uma questão de honra para o Governo, em particular o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva, que se havia comprometido a retomada das operações até Dezembro. 

Com mais de três horas de atraso em relação à hora de chegada prevista, inicialmente, o anunciado voo de retoma da TACV- Cabo Verde Airlines aterrou no Aeroporto Internacional Nelson Mandela, na Praia, por volta das 21h45, de segunda-feira, 27. Por coincidência no dia em que a TACV – cuja denominação chegou a ser riscada do mundo dos vivos para dar lugar à CVA, Cabo Verde Airlines – completou os 63 anos de existência.

Com procedência de Lisboa, esse voo que foi ecfetuado por um Boeing 757-256 da companhia Prestige, de nacionalidade espanhola, transportou um total de 121 passageiros, sendo três na classe executiva. No regresso a Lisboa o avião levou apenas 16 passageiros a bordo – informação que não convinha publicitar.

Aliás, há quem suspeite que alguns dos 121 passageiros vindos de Lisboa para Praia viajaram à boleia para ajudar a compor a “propaganda” do Governo. 

Mas por ora um dos problemas que se colocam com esta retomada é o tipo de aeronave que a TACV alugou para voltar a voar. Ou seja, contratou o Boeing 757-256, em regime de wet lease, um avião ineficiente e pouco confortável para os passageiros e descontinuado. 

O consumo de combustível desse aparelho é 30% superior a aparelhos modernos, que, segundo um entendido no assunto, estavam disponíveis para prestar serviços à TACV.

Aliás, A NAÇÃO teve acesso a uma proposta da Air Horizont, com sede em Palma de Mallorca, Espanha, que pretendia fornecer um Boeing B737-700 com configuração económica de oito assentos e 124 assentos e operação da aeronave sob o AOC da AirHorizont, assim como a assunção total dos riscos operacionais e comerciais da operação desta aeronave e sem riscos comerciais para a exploração e comercialização das capacidades do lado da CVA.

A mesma empresa propôs-se, ainda, iniciar as operações com três rotações semanais para Lisboa e duas semanais para Paris e a expansão do planeamento de voos em função da demanda da utilização da capacidade dos voos. “Caso um aumento na demanda de assentos se torne aparente no curso da operação, a aeronave usada pode ser actualizada para Boeing B737-800 ou Airbus A321-200” – lê-se no mesmo documento.

Imposições legais do lado da Agência de Aviação Civil (AAC), na Praia, conforme uma fonte bem posicionada, impediram que essa proposta “vantajosa” para a TACV vincasse. É que, segundo o nosso interlocutor, o Boeing 757 foi imposto pela AAC que “não está capacitada para certificar outros tipos de avião”.

Dívidas antigas

Fora isso, a TACV/CVA tem dívidas com a IATA e por isso não pode vender bilhetes actualmente através da IATA Clearing House. Conforme uma fonte deste jornal, esta é a razão pela qual os bilhetes do voo de retoma do dia 27 terem sido vendidos através da página www.caboberdeairlines.com com pagamento através da rede nacional Vinti4.

Ademais, os voos da CVA não estão disponíveis nos chamados GDS (Global Distribution System), como Amadeus, Travelport, Galileo, Sabre, utilizados por agências de viagem e OTAs (Other Travel Agencies) como OPODO, Expedia, etc.

“Por essa razão as agências de viagens nacionais não têm acesso a venda de bilhetes da CVA até agora. Penso que a CVA irá disponibilizar um site de vendas para agências de viagem nacionais, visto não, poderem vender bilhetes através da IATA. Isso significará que não será possível a combinação de voos com outras companhias aéreas, ou seja, escalas com outras companhias aéreas não serão possíveis”, conclui a mesma fonte.

Festa e novas promessas

Os passageiros do voo de segunda-feira, que mais pareceu um voo inaugural de uma nova companhia, foram recebidos por uma equipa da TACV liderada pela sua presidente, em que não faltaram brindes aos primeiros passageiros para recordação desta viagem depois de 19 meses de paragem.

Sara Pires explicou que o voo chegou com três horas de atraso, porque um dos membros da tripulação testou positivo à covid-19, o que obrigou a mudança de toda a equipa do voo. “Não estávamos a contar com este imprevisto que nos obrigou a mobilizar uma nova tripulação a partir da Espanha para poder trazer o avião”, justificou.

Entretanto, contrariamente ao que foi anunciado, o voo de amanhã, 31 de Dezembro, não vai ser realizado, ficando para 03 de Janeiro. A inexistência de passageiros suficientes, a par de outros constrangimentos, estará nas razões dessa decisão.

A retoma dos voos da TACV, segundo Sara Pires, foi fruto de um “esforço enorme” da equipa que dirige, conjuntamente com a da AAC nos últimos dois meses e meio.

“No dia em que a TACV comemora 63 anos quisemos presentear os nossos passageiros, aqueles que depositaram confiança na companhia e adquiriram bilhete para virem no primeiro voo da companhia”, frisou Sara Pires, acrescentando que “estamos muito gratos aos cabo-verdianos e, também, aos estrangeiros que escolheram hoje viajar com a TACV”.

“Abrimos as vendas na segunda-feira, 20 de Dezembro, às cinco da tarde, e tivemos 127 bilhetes vendidos, o que corresponde a uma taxa de ocupação superior a 65 por cento. Isto é de louvar”, indicou.

Esta afirmação de Sara Pires é, no entanto, desmentida para quem está acostumado a trabalhar com o sector, mormente neste período do ano. “Não se vendem 127 passagens em menos de uma semana para uma rota 85% étnica como Lisboa-Praia, por mais baratas que as passagens sejam. O cabo-verdiano que queria vir a Cabo Verde passar o Natal/Fim de Ano já tinha os seus planos e passagens compradas há pelos menos uns seis meses. Para uma rota com estas características as vendas acontecem a longo prazo e compras espontâneas são raras, só casos urgentes”.

Retomando as promessas de Sara Pires, em Fevereiro, consoante a evolução da pandemia e num quadro de maior certeza, TACV prevê introduzir voos para São Vicente e Paris, na França.

Instada para quando o aparelho será tripulado por uma equipa cabo-verdiana, Sara Pires deixou transparecer que isto pode ocorrer dentro de dois ou três meses. “Estamos todos desejosos que os nossos tripulantes possam estar a operar”, sublinhou, acrescentando que devido aos 19 meses de paragem “é preciso fazer o refrescamento de toda a tripulação, que é um processo longo e moroso”.

Enfrentar a TAP

Grosso modo, a “retomada” dos voos da TACV teve um impacto positivo junto da opinião pública nacional. A ideia é que diante da reaparição da transportadora cabo-verdiana a portuguesa TAP e outras companhias acabem por abaixar as tarifas que vinham praticando em relação a Cabo Verde.

Entretanto, passada a satisfação do momento, resta saber se esta é realmente uma retomada da TACV, no verdadeiro sentido da palavra, ou se tudo não se trata de mais uma encenação que acabará por nos conduzir a mais uma frustração colectiva, a custo dos largos milhares de contos dos contribuintes queimados nesta aventura aeronáutica.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 748, de 30 de Dezembro de 2021

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