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Economia

Pedra de Lume-Marina & Golf Resort: outro mega-empreendimento encalhado

Da série projectos “encalhados”, A NAÇÃO trata, nesta edição, do caso “Pedra de Lume-Marina & Golf Resort”, do Grupo Stefanina. A “marinar” desde 2004, esse mega-empreendimento, a erguer numa área de cerca de 1200 hectares, tinha um prazo de 12 anos para a conclusão das obras, mas nunca saiu do papel. Apesar disso, Stefanina nunca deixou de cobrar ingressos aos turistas que queiram visitar as antigas salinas naturais existentes no local.

Em Junho de 2007, numa cerimónia presidida pelo então primeiro-ministro, José Maria Neves, foi lançada a primeira pedra para a construção do Pedra de Lume-Marina & Golf Resort, um empreendimento turístico de luxo de grande monta.

Lançamento com muita pompa e circunstância

O turismo na ilha do Sal parecia ter entrado em velocidade cruzeiro e o que não faltavam eram projectos lançados, volta e meio, no meio de muita pompa e circunstância.

Com o Pedra de Lume-Marina & Golf Resort, o Grupo Stefanina, do ítalo-cabo-verdiano Andreas Stefanina, parecia querer elevar o seu standing na oferta dos seus produtos e serviços na ilha mais turística do país.

Esse mega-empreendimento deveria ser composto por um hotel de cinco estrelas com 100 quartos, um conjunto habitacional para mais de 3 mil habitantes, entre apartamentos e vilas, marina destinada a embarcações de recreio, campo de golfe e zona verde e agrícola.

A mega-estrutura anunciada deveria também incluir uma zona central de animação com restaurantes, lojas, bares, zona de lazer e um centro de medicina curativa, etc.

Obra deveria ser concluída em Junho de 2011

Conforme uma nota do Governo, na altura, a efectivação desse empreendimento teria um impacto positivo na melhoria da qualidade de vida dos moradores da Pedra de Lume, antigos trabalhadores das salinas, absorvendo 400 mil contos em acções de interesse comunitário que iria contemplar cerca de 100 famílias.

O projecto deveria ser edificado numa área de terreno de cerca de 1200 hectares que se estende ao longo do lado nordeste da ilha e deveria representar o maior investimento do Grupo Stefanina no país, orçado em 290 milhões de euros.

Bonito na maquete, a obra deveria ser concluída em Junho de 2011 – estamos em 2022 e até hoje nada.

Para variar, conforme um conhecedor desse processo, o “Pedra de Lume-Marina & Golf Resort” nunca saiu do papel e é provável que nunca saia.“Este projecto é extremamente complexo”, realça.

Atribuição de grande extensão de terrenos

“Houve muitas ilegalidades, para não dizer corrupção, na atribuição dessa grande extensão de terrenos, que inclui a localidade de Salina que é um bem público. O projecto não avançou e nunca vai avançar”.

Havia um protocolo assinado com o então presidente da Câmara do Sal, Jorge Pimenta Lima, em 2004, que tinha um prazo de validade 12 anos, e depois foi assinada uma convenção de estabelecimento com o Governo, que também “perdeu validade”.

Recentemente, em 2020, a Câmara do Sal, presidida por Júlio Lopes, assinou um outro protocolo com o Grupo Stefanina, que, também no entender da nossa fonte, “é vazio”, dado que não estabelece prazos e nem especifica o que irá ser construído nos terrenos em Pedra de Lume.

“É um protocolo assinado a nível de cavalheiros e não tem qualquer valor jurídico”.

Questionamentos sobre a propriedade dos terrenos

“Stefanina faz e desfaz, com a conivência de todos os governos de Cabo Verde”, diz a mesma fonte, segundo a qual esse grupo terá adquirido o terreno e os imóveis em circunstâncias “muito questionáveis”.

Supostamente, os terrenos foram adquiridos à Salins du Cap Vert, empresa que veio desde o período colonial, mas que, de acordo com o nosso interlocutor, “nunca teve a propriedade efectiva desses terrenos”. “Os terrenos foram sempre do Estado de Cabo Verde”.

A transação ora em causa indicia que terá havido “conivência” das autoridades públicas, nomeadamente, em sede do cartório notarial onde se celebrou a escritura pública, e “a prova disso é que essa escritura foi feita fora da ilha do Sal”, na cidade da Praia, ilha de Santiago, o que por si indicia que “havia intenções pouco boas” por parte das partes envolvidas na transação.

Desta forma, conforme o nosso interlocutor, Stefanina conseguiu pôr esses terrenos em seu nome, quando quem, supostamente fez a transmissão dos terrenos, “não tinha propriedade” e, ainda por cima, “veio com projectos megalómanos que nunca saíram do papel”.

O certo é que, de 2004 (altura em que que foi assinado o protocolo entre a Câmara do Sal e o Grupo Stefanina) à presente data, não houve investimentos em Pedra de Lume e o seu processo está “totalmente bloqueado”, porquanto “não há um metro quadrado de terreno em Pedra de Lume, nomeadamente, para a expansão urbana”.

Pedra de Lume-Marina & Golf Resort: Sem perspectivas de arranque

Contactado pelo A NAÇÃO, António Cabral, colaborador da Turinvest, do Grupo Stefanina, afirmou que o projecto “Pedra de Lume-Marina & Golf Resort” está em “stand by”. O mesmo justifica o atraso com a covid-19, mas este Jornal recordou-lhe que o protocolo assinado com a Câmara do Sal, em 2004, estabelecia um prazo de 12 anos para a conclusão das obras.
Protocolo de 2020 não estabelece prazos

“Esse protocolo já está ultrapassado, porquanto já foi rubricado um outro em 2020 com o actual presidente da Câmara do Sal (Júlio Lopes)”, contrapôs Cabral sem deixar de reconhecer, porém, que este último protocolo realmente não estabelece qualquer prazo de execução das obras.

Perguntado se há uma perspectiva para o arranque dessa mega-construção, António Cabral respondeu que “a intenção é arrancar o projecto logo assim que houver condições financeiras para o efeito”.

Havia um outro projecto imobiliário da Turinvet denominado “Alto Mondeo”, também na ilha do Sal, que ficou igualmente por concluir. Orçado em cerca de 300 mil contos, segundo a mesma fonte, o empreendimento foi executado pela Caixa Económica por não pagamento de dívidas.

E, finalmente, em relação à construção de um hotel em Chã de Areia, na cidade da Praia, pelo Grupo Stefanina, António Cabral informa que o terreno foi vendido à Sogei, uma prática corrente, em que os terrenos vão mudando de proprietário em proprietário, quase sempre, de forma especulativa.

Afinal, entre o prometido aquando do lançamento da primeira pedra e a realidade quem se lembra do que foi dito vários anos depois, no meio de pompa e circunstância, regada com muitos discursos de ocasião? 

Compra legal dos terrenos ou “expediente”?

A propriedade dos terrenos de Pedra de Lume, local onde, um dia, o Grupo Stefanina prometeu construir um mega-empreendimento imobiliário e turístico, sempre esteve rodeado de controvérsia.

Acesa disputa entre CM do Sal e Andreias Stefanina

Os autarcas Basílio Ramos, Jorge Pimenta Lima e Jorge Figueiredo chegaram a manter uma acesa disputa com Andreias Stefanina, tido durante muito tempo como o empresário que ditava os negócios na ilha do Sal.

Por aquilo que A NAÇÃO pôde apurar, a Salins du Cap Vert vendeu ao Djadsal Turinvest, do Grupo Stefanina, a empresa, os imóveis e os terrenos em Pedra de Lume (sem ser proprietário destes) a 21 de Janeiro de 1999.

Face à oposição da então Câmara do Sal em permitir ao comprador o registo dos terrenos, o Djadsal Turinvest publicou no jornal A Semana, de 15 de Setembro de 2000, a Justificação Notarial, aludindo-se como legítimo dono dos terrenos.

Caso esse “expediente” não fosse contestado por ninguém, essa operação notarial haveria de permitir a Stefanina fazer o registo na Conservatória do imóvel.

Apercebendo-se da jogada, a Câmara do Sal entregou a sua contestação, em finais de Outubro, perto da data limite para o efeito, 3 de Novembro. Com isso, o processo de posse dos terrenos a favor daquele empresário ficou automaticamente bloqueado.

Diante disso, o Djadsal Turinvest entrou com um processo no Tribunal da Comarca do Sal contra o Município – Ação Ordinária n° 12/2001.

Novamente, o Município contestou a Ação Ordinária, mantendo a questão em fogo brando. Isso tudo na gestão do edil Basílio Mosso Ramos.

Entretanto, em 2004, as duas partes terão chegado a um acordo, traduzido num protocolo devidamente assinado, na gestão do então presidente da Câmara, Jorge Pimenta Lima. Só que a Turinvest não cumpriu nem 10% do acordado, isto é, nem do Protocolo de 2004, nem da Convenção de Estabelecimento assinado com o Governo, ambos já caducados.

A Câmara liderada por Jorge Figueiredo, de 2004 a 2016 (três mandatos), manteve com o empresário italiano o mesmo tipo de disputa, sem contestar, porém, o não cumprimento das obras e dos prazos.

Novo protocolo assinado em 2020

Em 2020, a edilidade de Júlio Lopes volta a assinar um novo protocolo com o Grupo Stefanina “sem qualquer cláusula de reversão, montante a ser investido, nem prazo de execução”.

Este novo protocolo, conforme a fonte do A NAÇÃO, “é nulo” também, porquanto incide sobe uma Zona de Desenvolvimento Turístico Integral (ZDTI) e, logo, a Turinvest “não tem competência para transmitir esses terrenos, que devem servir para edificar projectos turísticos relevantes, para projectos de expansão urbana”.

“Só com a intervenção do Estado, isto é, do Governo de Cabo Verde, é que pode haver a desanexação desses terrenos, por forma a permitir a sua cedência ao município, para efeitos de expansão urbana”, enfatiza o nosso interlocutor, sublinhando que não se consegue construir absolutamente nada, porque todo o território está, supostamente, nas mãos de um “latifundiário chamado Turinvest”. DA

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 762, de 07 de Abril de 2022

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