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Cultura

Noelisa Santos: Dançar é mais que dançar

Queila Fernandes

Noelisa Santos, 37 anos, é bailarina, coreógrafa, professora e empreendedora. Natural de São Vicente, aos 13 anos emigrou para Holanda, juntando-se à mãe que já lá vivia. De regresso ao país-natal, resolveu abrir a escola de dança que leva o seu nome para transmitir o que sabe.

Mãe de dois filhos, Noelisa Santos vê-se a si própria como pessoa dinâmica e sonhadora, que, aos poucos, foi realizando os seus sonhos.

Menina ainda, com os tios e amigos, aprendeu as danças tradicionais de Cabo Verde, além da passada, zouk, quizomba, entre outros géneros.

No liceu, juntamente com as amigas, chegou a ter um grupo que imitava as “Spice Girls”, célebre banda inglesa que fez muito sucesso nos anos 1990.

Paixão pela dança desde pequena

No entanto, apesar já ter a paixão pela dança desde pequena, Noelisa diz que o seu interesse aumentou depois de ter assistido um programa de TV.

“Um certo dia, eu estava a ver o programa ‘So you think you can dance’ e fiquei maravilhada, ao mesmo tempo, senti que era isso que eu queria ou deveria fazer, dançar!”, confessa.

“Foi um sentimento natural, puro instinto. No dia seguinte, fui à biblioteca procurar livros sobre a dança, dava-me imenso gosto de ler sobre os estilos diferentes, as suas origens e técnicas”, ficando pasma ao dar-se conta que havia pessoas que dedicavam tanto tempo à prática e à escrita dessa arte, algo que não imaginava.

“Para nós, em Cabo Verde, a dança é simplesmente dançar. Jamais imaginei que havia todo um estudo, uma ciência por trás da dança. Então, via ví- deos de dança na TV e imitava, praticava as técnicas, e me imaginava dançando no palco…”

Formações na Holanda, Senegal e China

Na Holanda, aos 19-20 anos, a entrevistada do A NAÇÃO formou-se em ballet clássico, dança contemporânea e moderna, afro-jazz, sapateado, danças urbanas, além de canto e teatro durante quatro anos, na Albeda Dans College. Juntou a isso vá- rias outras formações.

No Senegal, por exemplo, passou pela L’Ecole des Sables, em danças tradicionais africanas, dança contemporânea e acogney technique. E, na China, fez danças tradicionais orientais.

Aos 24 anos, Noelisa Santos decidiu regressar para a sua terra natal para realizar o sonho de abrir uma escola de dança em Cabo Verde. Aqui, como diz, “as coisas foram acontecendo…”

Isto é, começou a ministrar workshops de dança durante o verão, trabalhando com alguns grupos e dançando com dançarinos locais. Fez várias outras actuações, nas ruas, nos bairros, nos palcos mais concorridos, numa palavra, “queria muito partilhar o conhecimento que tinha adquirido lá fora”.

Dia Internacional da Dança em branco

Na passada sexta-feira, 29 de Abril, assinalou-se o Dia Internacional da Dança, uma data instituída pela UNESCO em 1982.

Noelisa Santos conta que, em Dezembro passado, fez três castings para descobrir dançarinos de vários estilos, com vista a criar uma companhia de dança, a Companhia de Dança Contemporânea do Mindelo, e que um dos primeiros projectos seria uma apresentação agora, no Dia Internacional da Dança. “Infelizmente, isso acabou por não acontecer por falta de recursos”, lamenta.

O projecto, como diz, encontra-se adiado, para assim que as condições estiverem reunidas, de modo a realizá-lo como deve ser. Pois, assegura, “o mesmo envolve muita produção”.

“É muito bom sentir que o nosso trabalho é apreciado”

Com isso, a “notícia” foi se espalhando e começou a procura pelas suas aulas de dança, sobretudo as de ballet, até então, inexistente em São Vicente.

“É muito bom sentir e saber que o nosso trabalho é apreciado”, diz neste balanço do que tem sido a sua vida, como mulher e dançarina.

Em 2013, fundou a sua escola de dança, mas foi em 2017 que oficialmente criou a Escola de Dança Noelisa Santos, onde ensina vários tipos de dança, de crianças de três anos a adolescentes e adultos.

A escola situa-se ao lado da Copa (estrada que vai para o Monte Sossego), no largo da praça do Camião.

“Este ano optei por aulas mais personalizadas, com turmas limitadas, para poder dar mais atenção aos alunos”.

Dança tradicional

Para Noelisa Santos, a dança tradicional cabo-verdiana é muito rica e está longe de ser algo tão fácil como muitos pensam.

É por isso, aliás, que gostaria que as danças fossem estudadas com mais profundidade, as técnicas codificadas, entre outras valências. Ao mesmo tempo, entende que se trata de um desafio, dado que “as nossas danças são livres e espontâneas”.

Nisso, afirma que felizmente já temos pessoas qualificadas, com um vasto conhecimento das nossas danças, como são os casos de António Tavares e o Manu Preto.

Cita estes dois mestres porque são pessoas com quem já teve a oportunidade de trabalhar ou conviver em forma de partilha de conversas e ideias.

“Sei que o grupo Estrelas de Cabo Verde tem feito um trabalho contínuo em torno das danças tradicionais, em forma de aulas e concursos, e consegue atrair sempre muitos espectadores. Portanto, interesse existe”.

E mais: “A dança e as artes, em geral, estão em constantes transformações, renovações, reciclagem, fusões, enfim, acho que ainda haverá uma grande revolução/ evolução em torno das danças tradicionais de Cabo Verde. Poderia ajudar muito se nas escolas fossem ensinadas, desde o ensino básico, as nossas danças tradicionais como disciplina. Pois faz parte de nós como povo, é a nossa história a ser ensinada”.

Menos dançarinos

Do ponto de vista de Noelisa Santos, o número de dançarinos diminuiu bastante nos últimos anos. Por trás disso, acredita, estará o pouco investimento feito no sector, tendo em conta a popularidade que esse género chegou a ter no passado, particularmente São Vicente, a ilha que mais conhece, onde chegaram a co-existir vários grupos de danças.

“Em São Vicente há pouco investimento neste sector, além disso, há uma determinada altura em que os jovens, dançarinos ou não, têm de ir à procura de uma vida melhor. Talvez esteja aqui a explicação desse retrocesso; depois de algum tempo, as pessoas cansam-se. Tenho visto muitos bons dançarinos, com quem já trabalhei, a irem para as outras ilhas dançar em hotéis, por exemplo, e outros deixam de dançar, simplesmente, ao encontrar um emprego ‘normal’”.

Mas, felizmente, embora com menos entusiasmo, há também  “novos dançarinos” a surgirem e que apresentam uma ideia mais fixa e desenvolvida do que é a dança e que procuram meios para viver dessa paixão.

“Muitos querem mesmo fazer formação em dança, mas, infelizmente, financeiramente não é fácil, pelo contrário, é muito difícil”, conclui.

Lousiene Lima

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 767, de 12 de Maio de 2022

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