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Sociedade

Responsabilidade parental: Há pais que abandonam o trabalho para não pagar pensão aos filhos

Uma magistrada ouvida pelo A NAÇÃO garante que o não pagamento de pensão alimentícia e prestação de cuidados aos filhos nem sempre está associado à falta de recursos. Há casos, inclusive, de pais que abandonam o trabalho ou dissipam os bens, para não terem como pagar a pensão alimentícia do filho.

“Temos casos de pais que se colocam em situações de impossibilidade de cumprimento da pensão alimentícia. A exemplificar, caso de pessoas que preferem abandonar o trabalho ou dissipam os seus bens para não terem como pagar a pensão alimentícia do filho”, avançou ao A NAÇÃO, uma magistrada habituada a lidar com conflitos parentais.

Esta consideração surge da campanha para a responsabilização parental, lançada, esta quarta-feira, pelas Aldeias SOS e que prevê, entre outras medidas, a privação de liberdade para pais que se recusam a cuidar dos filhos.

No que respeita à pensão alimentícia, a juíza explica que, em situações de incumprimento, existe a possibilidade de proceder à execução da quantia em dívida, que, inclusive, pode ser feita diretamente do vencimento ou salário do pai ou na conta bancária do obrigado, caso seja titular de conta bancária.

o executado for pessoa que receba rendas, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, pode ainda ser feito o desconto nessas prestações, obedecendo à lei processual civil, no que concerne à penhora de direitos, de acordo com o artigo 141º, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Evolução para foro criminal
Quando o progenitor possui condições para fazer a prestação de alimentos, e, mesmo assim, não o fizer, o caso pode ser relegado ao foro criminal, conforme estipulado no artigo 142º do ECA.

Neste sentido, explica a nossa fonte, o Código Penal, no seu artigo 284º, prevê que “quem estiver obrigado a prestar alimentos, tenha condições para o fazer e não cumprir a obrigação, pondo efetivamente em perigo a satisfação das necessidades fundamentais do alimentado, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias”.

“Na mesma pena incorre quem, com intenção de não prestar alimentos se colocar na impossibilidade de o fazer, criando o perigo previsto no número anterior”, acrescenta, no seu nº 2, referindo-se, por exemplo, a pessoas que preferem abandonar o trabalho para não terem que pagar a pensão alimentícia do filho.

Consequências para a criança
Apesar desta possibilidade de privação de liberdade, a magistrada salvaguarda que, nestes casos, equaciona-se igualmente os efeitos que produziria em cada uma das partes envolvidas.

“Se, para os pais, nos afigurar ser mais gravoso ir para o foro criminal e aplicar-se em consequência uma pena de prisão ou de multa, para a pessoa do filho afigura-nos revestir caráter mais gravoso e penoso, já que deixaria de receber a prestação alimentícia, pelo facto do seu progenitor ficar impedido de trabalhar e assim auferir um salário que lhe permita cobrir as despesas do filho”, explica.

Prisão pode ser “contraditório”
A mesma fonte reconhece que há ainda margem para ajustes na legislação actual, para melhorar a acção da justiça nestes casos, como defendido pelas Aldeias SOS, mas salvaguarda que a privação de liberdade pode se revestir de um “carácter um pouco contraditório”, tendo em conta os interesses da criança.

“Do próprio conceito de responsabilidades parentais resulta que os poderes deveres que cabem aos progenitores são desempenhados no interesse dos filhos. Por outro lado, ao progenitor deve ser salvaguardado o direito de visita, pensando o legislador não só no convívio dos pais para com o filho, mas no convívio do filho com os seus progenitores. O direito ao convívio não é só dos pais, mas também e principalmente dos filhos”, fundamenta.

Portanto, no seu entender, privar os progenitores de liberdade pelo incumprimento dos seus deveres e obrigações é privar também o filho do pai. “Acho que não é o que se pretende pelo superior interesse do menor”, defende.

Segundo disse, concordaria com a privação de liberdade como uma medida de última “ratio” e a ser utilizada com prudência, por forma a não causar um trauma psíquico na criança.

“Antes desta medida poderia se sugerir outras medidas ou outros mecanismos mais eficazes para fazerem os pais cumprirem os seus deveres que não prejudicariam o menor”, sugeriu.  

“Dispositivos legais contornados”
No que respeita às críticas das Aldeias SOS, segundo as quais dispositivos legais têm disso contornados, baseando-se, sobretudo, na fixação de pensão alimentícia, sem que haja uma fiscalização o para o seu cumprimento, a magistrada diz que “tem-se decidido em conformidade com a lei”.

“Já respectivamente ao seu cumprimento, muitas vezes conta-se com o bom senso dos progenitores, porque há casos de pais incumpridores que não possuem bens que sejam passíveis de penhora, o que torna difícil a nossa tarefa na acção executiva”, explica a nossa interlocutora.

Poder e responsabilidade parental
O termo de responsabilidades parentais foi retirado da recomendação Nº R (84), sobre Responsabilidades Parentais, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, da Convenção sobre os Direitos da Criança (arts. 18º e 27º, nº2), da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança, assinada em Estrasburgo em 25 de janeiro de 1996, e dos artigos 26º e 36º, nºs 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa.

As Responsabilidades Parentais são definidas como conjunto de “poderes e deveres, cujo exercício competirá, conjunta ou repartidamente, consoante os casos, a ambos os pais, para as desempenharem no interesse dos filhos, em ordem a assegurar o seu apropriado sustento, saúde, segurança, educação e administração de bens”.

Em Cabo Verde, não obstante algumas alterações legais, diz que, ao contrário de Portugal, se manteve o termo “poder paternal”, que produz os mesmos efeitos, contando também com os mesmos sujeitos.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 770, de 02 de Junho de 2022

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