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Educação

Reitor da Lusófona: “Queremos resgatar o respeito e a credibilidade social, académica e científica”

Carlos Alberto Delgado assumiu, há um ano, a reitoria da Universidade Lusófona de Cabo Verde, uma das instituições de ensino superior mais problemáticas do país. Entende, mesmo assim, que a ULCV é credível, após passar por “uma refundação”. Em entrevista A NAÇÃO, Delgado diz que agora o foco é a internacionalização.

Está há um ano à frente da ULCV. Que Lusófona encontrou e que Lusófona temos hoje?

 Devo dizer que, quando fui contactado para assumir as funções de Reitor, hesitei pelo facto de saber, à partida, que a Lusófona estava a enfrentar dificuldades, com reflexo na imagem da própria instituição. Depois de alguma ponderação e com o apoio do Presidente da COFAC, que é a entidade instituidora da ULCV, aceitei o desafio.

Assumi as funções a 14 de Julho e a minha primeira missão foi criar as condições para a normalidade administrativa e académica da instituição. Nomeei, imediatamente, o Vice-Reitor, que aceitou o desafio para, juntos, organizarmos os polos da Praia e São Vicente. Começamos também por nomear e criar os órgãos académicos, normalizamos as relações com a Agência Reguladora do Ensino Superior, pois, ali, a Universidade tinha muitas questões pendentes.

Definimos um cronograma para resolução de todos os atrasos académicos com os alunos e traçamos uma estratégia das situações relacionadas com o salário dos professores, bem como as dívidas com terceiros. Tudo com o apoio e o compromisso firme da COFAC, em Lisboa.

Entre Julho e Novembro, do lado académico, conseguimos colocar as coisas a andar, ao ponto de termos iniciado o ano lectivo sem sobressaltos e em plena normalidade.

A partir de Novembro, com a entrada da nova administradora, e numa estratégia de equipa, foi possível imprimir uma nova dinâmica à resolução dos vários pendentes administrativos e financeiros, relacionados com os pendentes salariais e/ou outros atrasados, de entre eles, com o fisco, INPS e fornecedores.

Hoje, temos uma instituição organizada, credibilizada, com foco e com uma estratégia de futura, uma instituição de bem com todos e pronta para enfrentar os desafios do futuro. 


Não teve ou não tem medo de dar a cara por uma instituição que já esteve envolta em tantos problemas de foro financeiro e académico?

Não se deve ter medo de encarar as coisas. De facto, mesmo não tendo a dimensão real dos problemas, encarámo-los e estamos a resolvê-los. Todos, de um modo geral, professores, alunos e funcionários, estão a colaborar na refundação da instituição que almejamos ser e assumirmo-nos como uma referência para Cabo Verde.

Os problemas académicos já foram resolvidos. Os pendentes financeiros quase todos. Portanto, de olhos fitos na modernização e no futuro, queremos resgatar o respeito e a credibilidade, social, académica e científica, conquistadas em 2007!

A ULCV tinha um corpo docente sólido e altamente qualificado, engajado e competente, óptimas infraestruturas, ofertas formativas úteis e promissoras, a par de práticas pedagógicas inovadoras e ousadas. Estamos a constatar a vontade dos professores em querer regressar, pelo que estamos abertos às suas solicitações que nos estimulam e nos engrandecem.


Recuperar a confiança

Alunos de alguns cursos enfrentaram, num passado recente, vários problemas para concluir as suas formações, derivado a falta de aulas, notas congeladas, entre outros. Como pretende recuperar a confiança dos estudantes na instituição e atraí-los para o novo projecto?

Infelizmente, foram vários problemas enfrentados por alunos, a quem tivemos a oportunidade de pedir desculpas, em nome da instituição. Notas congeladas e cursos por concluir, havia vários anos. As aulas, em falta, foram repostas, as notas pendentes foram atribuídas, os exames encalhados foram feitos.

Para os outros casos, de alguns anos, produzimos um despacho e demos um prazo a todos aqueles que quisessem concluir o seu curso para contatar a Universidade. Muitos alunos, já desanimados, puderam terminar o seu curso e ter o seu certificado. Continuamos abertos para, caso houver outras situações, contatar os Serviços Académicos para resolver.


E a confiança dos docentes, após toda a questão a volta da falta de pagamentos?

Estamos também em fase de finalização das pendências com os docentes. Aliás, só depois da constatação de que hoje temos, de facto, uma nova universidade, é que alguns libertaram as notas dos alunos. Todos reconhecem esse esforço da instituição. Foram milhares de contos pagos aos docentes, ao longo desses meses. E fizemos mais: assumimos o desafio de não permitir que se criassem novas pendências, pagando religiosa e atempadamente, aos professores, todos os meses. Estamos a cumprir!

Com esta equipa, os professores recebem todo o final do mês, o mais tardar, até o dia 7 do mês seguinte. Creio que, neste momento, já não se coloca a questão de recuperar a confiança. A sociedade está a ver o trabalho, os alunos e os professores são testemunhas.


E a confiança das instituições do país?

A Universidade tinha dívidas com as instituições. Aliás, não é segredo, as Instituições de Ensino Superior, de uma maneira geral, não estão com boa saúde financeira, sobretudo no contexto actual. A ULCV fez um grande esforço para normalizar a situação financeira com as instituições. Milhares de contos foram desembolsados para pagar o fisco, o INPS e outros credores. 

Conheci muito bem a ULCV. Trabalhei como docente no segundo semestre de 2007 e, nos anos seguintes, exerci outras funções. Sei da boa credibilidade dos cursos, da boa gestão e da sua credibilidade institucional. É este o nosso desafio: retomar a credibilidade que detinha em 2007. E, creio, que já conseguimos. Os nossos desafios agora são outros: o de projectar a instituição internacionalmente, contribuir para a ciência no País e na diáspora, entre outros.


Uma nova Universidade

Fala em refundação. Ela consiste no quê?

 A refundação passa pela afirmação e pelo resgate da credibilidade, em primeiro lugar. Isto já está. Em segundo lugar, passa por criar as condições para projectar o futuro da Universidade. Paralelamente, e isto é muito importante, a normalização financeira, resolvendo os pendentes, em milhares de contos.  

A Universidade está a fazer uma remodelação e reestruturação profunda das suas instalações. São obras em milhares de contos, e mais: os alunos que vão, a partir de Outubro, estudar na Lusófona, vão ter mobiliário novo, equipamentos novos e modernos, sem falar de outras surpresas para o próximo ano lectivo, de entre elas, uma Política Social bem direccionada para aqueles que mais necessitam e projetada para responder aos desafios.

Uma outra acção estratégica da Universidade tem a ver com a sua Política Externa. Estamos fortemente engajados na Internacionalização da ULCV.


De que forma?

Já temos acordos de cooperação com a Universidade Nacional de Macau, com a ULHT (???) de Lisboa, e estão por assinar outros acordos de cooperação com a Universidade Nacional de Timor Leste, Universidade Nacional da Guiné Equatorial, Universidade de Parma, Itália, bem como com a ENAPP (???) de Angola, entre outras instituições internacionais.

 A nível nacional, temos acordos com vários municípios, com impacto directo na redução das propinas, com os dois Sindicatos de Professores, onde os docentes pertencentes a esses sindicatos gozam de descontos importantes nas propinas, com várias associações e outras instituições.


Projecto académico amnicioso

Qual é o projecto académico que a universidade oferece no momento?

O nosso projeto académico é ambicioso. Estamos a preparar o ano lectivo, de forma muito cuidada, desde o início do ano em curso. O facto de termos já homologado e publicado o calendário do ano lectivo 2022/2023 e termos já definida a nossa Política Social, são provas evidentes que demonstram a importância que estamos a dar ao futuro da instituição.

 O nosso projecto académico está ancorado nas estratégias de desenvolvimento de Cabo Verde, por um lado, e nos objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por outro. Nenhuma Universidade conseguirá viver no futuro se não tiver uma estratégia que tenha em conta esses pressupostos. Mais do que ter cursos de graduação, é preciso pensar o futuro. E aqui a Universidade Lusófona vai apanhar o comboio.

Vamos oferecer seis cursos para Licenciatura e um de Pós-graduação, a nível de Mestrado. Estou a falar de Licenciaturas em Gestão de Empresas; Contabilidade, Administração e Auditoria; Direito; Ciências da Comunicação; Gestão de Segurança, esta última muito procurada no mercado; Gestão da Saúde, que aparece como novidade em Cabo Verde, pois, somos a ùnica Universidade a conceber uma Licenciatura em Gestão da Saúde, com muitas saídas profissionais, e um Mestrado em Gestão de Recursos Humanos.

Para além dos cursos, foi criado o Gabinete de Investigação & Desenvolvimento, que conta com investigadores de Cabo Verde e de Portugal. Pretendemos incrementar a Ciência e contribuir, com projetos inovadores, para o desenvolvimento de Cabo Verde.

Foram definidas três Linhas de Investigação e pretendemos, como disse, nos próximos tempos, agarrar essa valência aproveitando as janelas de desenvolvimento de Cabo Verde e do mundo.


Uma questão que é transversal a todas as universidades do país tem que ver com as propinas em atraso dos seus formandos. A Lusófona, por várias vezes, já colocou este factor, como uma das causas dos seus problemas financeiros. Qual é o quadro actual na universidade?

A ULCV, tal como as demais instituições universitárias do país, defronta-se com o incumprimento dos discentes, no que tange ao pagamento das propinas, o que faz perigar a sustentabilidade da instituição. Gera-se aqui um ciclo vicioso, em que os estudantes não pagam, de forma continuada, por vezes, por mais de dois anos, e as universidades acabam por não honrar os seus compromissos junto aos professores e, sequer, ter capacidade para investir no sentido da melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem. Neste momento a dívida ultrapassa os dezoito mil contos!


Qual é a política adoptada para cobrar essas dívidas?

Consciente da fraca robustez financeira das famílias e, profundamente sensibilizada com o facto, a ULCV implementou uma estratégia de aproximação e comunicação, acompanhamento e monitorização da situação. Assim, os alunos têm sido recebidos, individualmente, pela administração e estimulados a apresentarem um plano de pagamento no sentido de estancar esta hemorragia. A um só tempo, o aluno inicia o processo de pagamento dos atrasados e esforça-se no sentido de honrar a propina mensal actual.

Preenchidos estes requisitos e a depender da celeridade com que os pagamentos ocorrerem, a ULCV favorece o aluno com descontos que vão dos 10 aos 25% do valor total em dívida.


Que planos de pagamento são disponibilizados?

Não é a ULCV que apresenta os planos. São os alunos que o fazem, de acordo com os condicionalismos reais e individuais. Estamos convencidos que seria contraproducente ser a ULCV a fazê-lo pois, eventualmente, estaríamos a impor-lhes condições que poderiam ser surrealistas, pelo que não as poderiam cumprir. Ao serem eles a propor o plano de pagamento, segundo as suas possibilidades, sentem-se mais responsabilizados e envolvidos no processo e, consequentemente, mais predispostos a cumpri-lo. Está a surtir efeito.


Qual é o peso das propinas na própria gestão da universidade e sua sustentabilidade?

Como em todas as instituições universitárias do país, as receitas provenientes do pagamento das propinas são a principal fonte de recursos da instituição.


Que acções considera serem estruturantes a nível do poder central e da tutela do ensino superior, para que as instituições de ensino não se veem sufocadas por falta de pagamento de propinas?

O modelo de gestão financeira das instituições de ensino superior versus a sua sustentabilidade, está inequivocamente esgotado. Independentemente do factor concorrência existente entre as universidades e por que também existe a Associação de Universidades Privadas, a ULCV, acredita que esta questão deve ser analisada, em bloco e à mesa, com o Governo.

Ganha, ainda, particular relevância e urgência quando, facilmente, se constata que a universidade e os institutos públicos de ensino superior, em menor escala, devido ao financiamento direto do orçamento de Estado, deparam-se com este mesmo constrangimento. Obviamente que a ULCV terá proposta a fazer neste sentido e no fórum próprio.

 

Biografia

Carlos Alberto Delgado é doutorado em Letras, com distinção, pela Universidade da Beira Interior. Conta com uma larga experiência a nível da docência, desde os níveis primários até ao ensino superior, tendo sido Diretor do Departamento de Ciências Sociais e Humanas e Reitor Interino da ULCV, entre 2009 e 2011.

Foi também deputado nacional, pelo Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV)

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 771, de 09 de Junho de 2022

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