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Política

Deliberações ilegais na CMSV: Inspecção aponta possibilidade de dissolução dos órgãos

Por não se ter reunido, legalmente, durante este ano de 2022, a Câmara Municipal de São Vicente pode ser dissolvida. Esta é uma das conclusões da inspecção realizada a essa edilidade, que considera nulas as deliberações das sessões convocadas tanto pelo edil Augusto Neves (MpD), como pelos vereadores da oposição (UCID e PAICV).

A acção de averiguação dos factos relacionados com as reuniões da Câmara Municipal de São Vicente (CMSV), efectuada pelos Serviços de Inspeção e Auditoria Autárquica, do Ministério da Coesão Territorial, e da Inspeção Geral de Finanças, concluiu que, durante o ano de 2022, aquela edilidade “não realizou efetivamente nenhuma sessão”.

Inexistência de sessões da Assembleia Municipal

À luz do artigo 134º dos Estatuto dos Municípios, isso constituiu uma “ilegalidade grave”, suscetível de gerar a dissolução deste órgão municipal, nos termos da lei.

O relatório dessa inspecção, a que A NAÇÃO teve acesso e que já é do conhecimento dos visados, considera ainda que a inexistência de sessões da Assembleia Municipal para apreciação do relatório das actividades e das contas de gerência da CMSV constitui, ao abrigo do referido artigo do Estatuto dos Municípios, igualmente, uma “ilegalidade grave”.

Só que neste caso, isso possa ser justificado pelo facto de a edilidade mindelense “não ter cumprido” com os trâmites legais desses instrumentos como determina a lei.

Ou seja, grosso modo, detectada a anomalia, esses documentos devem ser submetidos à Câmara Municipal, antes de serem apreciados pela Assembleia Municipal.

Sessão de 30 de Dezembro é “irregular”

Em relação às reuniões consideradas nulas, a inspecção concluiu que a sessão agendada para 30 de Dezembro de 2021 foi “irregular”, uma vez que o e-mail pelo qual o vereador Albertino Graça (PAICV) foi convocado faltava uma letra e, “consequentemente, a convocatória enviada no e-mail não chegou ao seu destinatário”.

Já em relação à sessão ordinária de 2 de Janeiro de 2022, o relatório começa por dizer que, apesar da “incongruência” na convocatória quanto à indicação do número da sessão, como vigésima (ao invés de primeira), “a convocatória era válida, na medida em que anunciava expressamente o dia e os pontos a serem tratados na reunião”.

Ainda em relação a essa mesma reunião, a inspecção estranhou algumas situações que reconheceu, todavia, “não constituírem ilegalidades”, mas “são anómalas” ao funcionamento da Câmara Municipal.

Aqui, em causa está o facto de essa reunião ter sido convocada para um Domingo, o que levou alguns vereadores a solicitarem a sua alteração para o dia seguinte (Segunda-feira), ou então para Quinta-feira, que é o dia, segundo as actas, em que normalmente se realizam as sessões da CMSV.

Para além disso, no entender dos inspectores, não se justificou a urgência para convocar sessão da Câmara Municipal num Domingo, tanto assim que nem se comunicou ao pessoal de apoio, porteiro, técnico das gravações, etc., para estarem presentes.

O relatório diz que, segundo o e-mail da secretária municipal, Elisangela Soares, a mesma foi informada por Norina Morais Santos, que secretariou a reunião, que a ausência do pessoal de suporte técnico se deveu ao facto de o presidente da Câmara (Augusto Neves) ter considerado que não havia necessidade de tal comunicação.

No entanto, apesar de essa reunião ter tido quórum exigido para funcionar, as deliberações nela tomadas pelos quatro dos nove membros da CMSV (neste caso todos do MpD) “não tem efeito legal”, porquanto “não teve quórum deliberativo exigido”, ou seja, “seria necessá- rio que pelo menos cinco membros tivessem deliberado”.

Consequências da nulidade das deliberações

Conforme o referido relatório da acção de averiguação, a não realização de reuniões de 27 de Janeiro a 5 de Abril de 2022, prejudicou o normal funcionamento da Câmara Municipal. Por causa disso, não foram tomadas deliberações consideradas importantes, tais como a análise do relatório das actividades e a aprovação das contas de gerência de 2021.

Também não foi analisada e nem aprovada a proposta de concurso para aquisição de equipamento de transporte, de bens e serviços e de obras de requalificação.

Ficou igualmente por analisar a abertura do concurso de recrutamento e aprovação da composição do júri do concurso para a seleção de pessoal técnico dirigente.

Ficou ainda por deliberar a abertura de concurso de recrutamento e aprovação do júri do concurso para seleção de pessoal técnico dirigente e assuntos relacionados com os recursos humanos, nomeadamente a atribuição de subsídios, aposentações, concessão e prorrogação de licenças sem vencimento.

Ilegalidade grave

A equipa de inspecção relata ainda que na reunião de 19 de Abril de 2022, o presidente e os três vereadores do MpD abandonaram a sala de sessões antes da aprovação da ordem do dia, ou seja, antes do início dos trabalhos.

Ainda de acordo com a mesma fonte que cita preceitos legais, a ordem do dia de cada reunião é aprovada pelo órgão colegial no início da sessão.

“Não havendo aprovação da ordem do dia, não houve início efectivo da reunião”, entendem os inspectores.

O relatório esclarece, entretanto, que o abandono da reunião, antes do início da mesma, pelo Presidente da Câmara Municipal e todos os três vereadores do MpD, constitui um incumprimento do estatuído na alínea d) do artigo 5º Lei nº 14/IV/91, de 30 de Dezembro, onde é determinado o dever de eleitos municipais de participar em todas as reuniões ordinárias e extraordinárias do respectivo órgão.

“O incumprimento reiterado deste dever implica a perda de mandato nos termos da alínead), nº 1 do artigo 59º do Estatuto dos Municípios”, refere a inspecção.

Também a continuidade dessa reunião no dia 19 de Abril de 2022, por parte dos vereadores da UCID e do PAICV, após a saída do Presidente da Câmara e dos vereadores do MpD, no entender dos inspectores, “não tem enquadramento legal”.

Face a isso, entenderam os inspectores que essa reunião só poderia ser considerada válida, se a ordem do dia tivesse sido aprovada em plenário. Em consequência disso, as deliberações tomadas nessa reunião são também elas consideradas nulas.

“Em suma, relativamente às reuniões da Câmara, conclui-se que, durante o ano de 2022, a Câmara não realizou efetivamente nenhuma sessão o que, à luz do artigo 134º do Estatuto dos Municípios, constitui uma ilegalidade grave, suscetível de gerar a dissolução deste órgão municipal, nos termos da lei”, conclui o relatório dos Serviços de Inspeção e Auditoria Autárquica, do Ministério da Coesão Territorial, e da Inspeção Geral de Finanças.

Ainda que salomónico em vários dos seus aspectos, o relatório vem, de certo modo, esclarecer o braço-de-ferro entre Augusto Neves e os vereadores da UCID e do PAICV, que juntos detêm a maioria da vereação. Este facto tem levado esse edil a entender que não lhe cabe sujeitar-se aos ditames dessas duas forças políticas, dado que foi ele e o MpD que venceram – ainda com maioria relativa – a Câmara Municipal de São Vicente.

Deliberações devem ser declaradas nulas por Augusto Neves

A equipa de acção de averiguação dos factos relacionados com as reuniões da CMSV recomenda o presidente dessa edilidade, Augusto Neves, a declarar nulidade das deliberações tomadas na reunião do dia 2 de Janeiro de 2022, com a inobservância do quórum deliberativo exigido por lei.

Do mesmo modo, deve também declarar a nulidade das deliberações tomadas nas reuniões realizadas apenas com os vereadores da UCID e do PAICV.

Num prazo máximo de 10 dias, a partir da data do recebimento desse relatório, que foi entregue na CMSV no dia 24 de Agosto, Augusto Neves deve disponibilizar ao Serviço de Inspeção e Auditoria Autárquica, do Ministério da Coesão Territorial, as informações que comprovem a implementação das recomendações.

A equipa de inspecção apela à CMSV no sentido de retomar a normalidade na realização das reuniões, nos termos do estabelecido no Estatuto dos Municípios e que seja resolvida a questão das deliberações tomadas nas reuniões realizadas durante este ano, principalmente no que tange à aprovação do relatório de actividade e contas de gerência dessa autarquia.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 783, de 01 de Setembro de 2022

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