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Educação

Docente Universitária: Proibição de falar crioulo não é eficiente na aprendizagem do português

A professora universitária Elvira Reis posiciona-se contra o facto de a Escola Portuguesa de Cabo Verde proibir ou desincentivar o uso do crioulo fora da sala de aula, entre os alunos, dentro da escola. Em entrevista ao A NAÇÃO, a mesma adverte que isso não é “eficiente” para a aprendizagem do português, como também inibe a criatividade e condiciona o desenvolvimento cognitivo das crianças. Nesse sentido, insta o Estado a defender os direitos humanos linguísticos.

Doutora em Educação e Desenvolvimento Humano, Elvira do Reis é uma das docentes ligadas à petição para a mudança da política linguística em Cabo Verde, que defende a oficialização do crioulo e do seu ensino, assim como a sua padronização.

Confrontada pelo A NAÇÃO sobre a polémica levantada em torno do não uso do crioulo na Escola Portuguesa a mesma é categórica:

“Não concordo, pois esta foi a atitude imperialista fundamentada na lógica de uma língua, um império”, começa por dizer, afirmando que a lógica dos nossos dias, é outra e oposta.

“É de adição de línguas e não de subtração; de valorização das competências plurilingues firmadas na educação para a diversidade linguística, onde a proibição de uso de línguas não combina com a educação”, analisa.

Mais línguas, maior integração

Na óptica dessa docente, “quanto mais línguas o sujeito domina, maior a sua capacidade de integração social e de realização pessoal”. Todavia, prossegue, “de acordo com as teorias modernas de aquisição da linguagem, é inegável que o crioulo cabo- -verdiano é a base do repertório linguístico e a língua mais representativa do cérebro da maioria das crianças cabo-verdianas, visto ser a que foi naturalmente estabilizada”.

Por isso, argumenta que proibi-las de usar o crioulo, nos intervalos, “é inibir a sua criatividade e condicionar o seu desenvolvimento cognitivo”. Porque, como explica, esta é, “na maioria das vezes, a única gramática completamente estabilizada no seu repertório, carecendo apenas de explicitação por via da alfabetização”.

Interpelada se esta medida da escola portuguesa é efectivamente eficiente para a uma boa proficiência dos alunos em língua portuguesa ou é um mito, mais uma vez, é cirúrgica ao dizer que não.

“Se assim fosse, os cabo-verdianos seriam bons falantes da língua portuguesa, pois esta foi a estratégia utilizada ao longo do período colonial e, ainda hoje, depois da independência, em muitos contextos”, explica.

Estratégias não passam pela proibição

Reis defende que “as estratégias modernas e eficientes de sensibilização para a aprendizagem de uma língua não passam pela proibição de uso de outras”, mas sim, pela “mobilização e boa gestão do repertório linguístico do aprendente”, isto é, “um conhecimento das línguas que a criança já tem no cérebro e uma reflexão profunda sobre como tirar melhor proveito dos seus conhecimentos linguísticos prévios para o ensino e a aprendizagem da língua alvo, ou seja, que se quer ensinar”.

Passa, também, por “aumentar a exposição à língua alvo e diversificar intencionalmente os contextos de uso e de prática desta língua, sem que isto interfira com a liberdade da criança de se socorrer da sua língua materna para exprimir o que, devido às limitações da língua portuguesa que ainda está a aprender, não consegue exprimir nesta língua”.

Estado deve defender direitos humanos linguísticos

Questionada ainda sobre o facto de apesar de ser uma escola portuguesa, em território nacional, o Estado não deveria ter uma política mais definida no que diz respeito à língua materna, insta o mesmo a ter outro posicionamento.

“O Estado deve lutar contra todo o tipo de preconceito e, esta medida, para além de ser preconceituosa, fomenta o desenvolvimento de atitudes, igualmente, preconceituosas que, neste caso, podem desenvolver desde a tenra idade”, pois, como justifica, “essas crianças, não podendo utilizar a sua língua materna para brincar, criar e recriar o seu imaginário linguístico durante os intervalos, pode crescer, associando a sua língua materna a algo ilegal, prejudicial e, por isso, proibido”.

Isto porque, continua, “como defende Claude Hagège, todos os métodos de ensino de uma língua fundamentam-se no poder dos seus efeitos na criança.”

“E se as crianças brincassem em inglês ou em francês? Seriam igualmente proibidas, ou isso seria um motivo de orgulho?”, questiona.

Elvira Reis alerta ainda que cabe ao Estado “defender os direitos humanos linguísticos” e que a medida “viola esses direitos no seu artigo 3.º, ponto 2” da Constituição.

Perfil

Elvira Gomes dos Reis é doutora em Educação e Desenvolvimento Humano com investigação em Educação Linguística e foco na diversidade linguística enquanto fator de desenvolvimento humano, pela Universidade de Santiago de Compostela – Galiza.

Entre outras competências é Mestre em Didática de Línguas especialidade Ensino do Português Língua Não Materna, pela Universidade de Aveiro e Licenciada em Ensino do Português, pela Universidade Aberta de Lisboa.

No ensino superior em Cabo Verde, tem leccionado Unidades Curriculares das áreas de Língua Cabo-verdiana, Língua Portuguesa, e Linguística Cabo-verdiana e Linguística portuguesa, Educação Bilingue, Educação para a diversidade linguística e Metodologia de Ensino do Português.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 785, de 15 de Setembro de 2022

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