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A educação em Cabo Verde, qual o caminho a seguir?

Por: Ednilson Fernandes*

Segundo as palavras de um grande filósofo, que na minha modesta opinião é um dos vultos fundamentais do pensamento universal, de nome Aristóteles: A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces. Nesse sentido, a questão que se coloca é o seguinte. Será que o governo cabo-verdiano, através das políticas Educacionais implementadas por intermédio do Ministério da Educação, estará disposto a tais sacrifícios em prol de um bem maior independentemente do sabor dos frutos?

Para responder ou tentar responder a esta questão, penso que temos de fazer um flashback, recuando ao passado para melhor compreender o presente e tentar perspetivar o futuro.

Apesar de se reconhecer o trabalho que os sucessivos governos fizeram e continuam a fazer em prol da Educação desde a independência de Cabo Verde, em 5 de julho de 1975, a sensação que fica é que se fez muito pouco, de forma muito lenta e com políticas completamente desajustadas da nossa realidade social e económica, para um país que tem como a sua maior riqueza os recursos humanos.

Também é verdade que foram construídas muitas infraestruturas, tais como jardins infantis, escolas primárias e liceus, que vieram resolver o grande flagelo social que era o deslocamento das crianças e jovens do seu meio familiar com o intuito de irem estudar para longe de casa, do campo para a cidade ou de uma ilha outra ilha. Para além da separação familiar, esta situação provocava grandes constrangimentos económicos aos pais, uma vez que a educação, como todos sabemos, fica cara. Sim, passámos de três liceus, sendo o mais antigo o liceu de São Nicolau, e os outros dois Praia e São Vicente, para passarmos a ter liceus em todos as ilhas de Cabo Verde.

A primeira pergunta que fica é se a construção das infraestruturas escolares (jardins infantis, escola primárias, liceus, etc.) e a sua massificação acompanharam a qualidade do ensino implementado no pós-independência? Sobre isso, tenho muitas dúvidas. E penso que tais questões só poderão ser respondidas por quem é de direito neste caso, quem tem a pasta do dito Ministério da Educação ou por quem ensinou e ensina nos dias de hoje. Uma vez que eu, como simples observador, tenho as minhas dúvidas! Sou do tempo em que os professores, que para mim foram e serão sempre uns heróis, tinham a arte e o engenho de nos ensinar sem manuais e, mesmo quanto estes existiam, eram de fraca qualidade. Na maioria das vezes, tinham de escrever os textos nos quatros e nós copiarmos para os cadernos, isto ainda em pleno ano 2002, na época em que eu estava a terminar o liceu. Lembro que a falta de livros nas livrarias era um problema gritante. E pelo que consta, ainda é um grande problema para os nossos estudantes, principalmente os do ensino superior, como demonstraremos mais adiante. A pergunta que fica é o que têm feito as autoridades competentes para combater esta deficiência que teima em persistir no tempo?  Porque a verdade é que parece que este problema e a sua resolução nunca foi uma prioridade dos sucessivos governos, já que tal solução exigiria um investimento avultado.

Somos hoje um dos países do mundo com mais universidade por metro quadrado e, no entanto, com uma taxa elevadíssima de jovens formados desempregados, muitos com o ensino superior concluído e com o décimo segundo ano concluído, isto, já para não falar dos milhares com formação profissional.

A questão que fica é se se justifica esta construção de edifícios da educação em quantidade, ou se devemos investir mais na qualidade do ensino e das pessoas que ensinam, uma vez que existe claramente um défice nestas questões?

Não há dúvidas dos ganhos conseguidos depois da independência em 1975, tendo em conta todas as dificuldades que o país enfrentou e tem enfrentado ao longo dos anos devido à inexistência de recursos naturais. O que tem nos valido é a nossa resiliência perante as adversidades e, principalmente, a vontade colocar o nosso país na senda dos países com alta taxa de aproveitamento escolar e, claro, não podemos nunca esquecer-nos dos apoios internacionais que muito têm contribuído para o nosso desenvolvimento.

O que cimenta a capacidade dos estudantes cabo-verdianos, mesmo tendo em conta todas as lacunas e a adversidades estruturais do ensino em Cabo Verde, é a grande taxa de sucesso académico dos estudantes na diáspora, o que é uma prova clara de que muitas vezes as dificuldades do meio onde se nasce e cresce pode ser um facto determinante no sucesso dos indivíduos. Neste caso, para os estudantes cabo-verdianos no estrangeiro, esta situação tem sido determinante no sucesso dos mesmos, senão vejamos: apesar de a nível da preparação ter as suas lacunas, nomeadamente no que diz respeito aos materiais de estudo tais como livros, materiais multimédia e mesmos bibliotecas ricas em obras literárias, quando ingressamos no ensino superior conseguimos superar as mesmas. E isso, comparativamente com os restantes países dos PALOP, tem-nos colocado na liderança a nível do aproveitamento.

O grande problema e desafio do governo e nomeadamente do ministério da educação é tentarem encontrar uma forma de, depois de formados, conseguir que o país beneficie da contribuição desses profissionais que, muitas vezes, não regressam ao país por falta de oportunidade de emprego na terra natal, assim como dos que estão a ser formados no próprio país nas muitas Universidade existentes hoje.

Aliás, outra pergunta que gostaria de fazer ao senhor ministro da educação é se num país tão pequeno como é o nosso se justifica o facto termos o maior número de universidade por metro quadrado e se este número tem correspondido a parâmetros de qualidade, ou se é apenas mais um negócio ou uma forma de alguns indivíduos ganharem dinheiro?

O meu medo é que passe a acontecer aquilo que aconteceu com algumas universidades aqui em Portugal, em que a formação, a boa formação académica, deixou de ser prioridade, em prol do comércio de diplomas para indivíduos cujo objetivo é unicamente terem um certificado de conclusão do ensino superior sem saberem como, desde que tenham dinheiro para pagarem as propinas.  E quem vai pagar esta fatura no futuro são as entidades empregadoras destes indivíduos e o país, como é obvio. E se forem políticos, o povo, como sempre.

Sim, o povo, porque num país como o nosso, onde a meritocracia é uma miragem e a cultura de nepotismo é uma realidade, facilmente um indivíduo que compra o diploma passa à frente de um “Joãozinho” que teve de se separar da família para ir estudar noutra ilha à custa do endividamento dos pais, que desejavam para o filho um futuro melhor, mas que na hora “H” o veem ser  preterido em favor do “Manel”, cujo diploma foi obtido de forma obscura mas que é menino bem ou sobrinho do ministro “X”. Cabe ao ministério da educação fiscalizar estas práticas obscuras de forma a garantir uma maior transparência no mercado laboral.

Sobre este assunto, Sr. Ministro da Educação, que tem feito a sua tutela para combater o flagelo que representa as falsificações de diplomas?

Se não for pedir muito, gostaria de saber a sua opinião em relação ao caso dos “indivíduos” funcionários da Assembleia da República sobre a falsificação dos diplomas?

É que estas falcatruas desmotivam os que se sacrificam para se formarem honestamente e mancham as instituições de ensino do país. Como se já não bastasse o facto de reinar a prática de favores na contratação de funcionários para as instituições públicas e quem anda a queimar as pestanas ainda tem de lidar com batoteiros que ocupam cargos sem qualquer mérito.

Sem querer maçar muito o Sr. Ministro da Educação, gostaria de saber qual é o papel do seu ministério no controlo das capacidades pedagógicas dos professores universitários das nossas instituições de ensino, já que os mesmos têm influência direta na formação dos nossos jovens para o mercado do trabalho.

Existe algum plano em colaboração com as escolas para controlar o abandono escolar cada vez mais precoce, assim como programas de combate à delinquência infantil e gravidez precoce? Sim, porque este papel é também da responsabilidade do seu ministério.

Sr. Ministro da Educação, tenho a noção de que o seu trabalho tem um quê de agridoce, por isso, por agora, ficarei apenas pelas interrogações mencionadas.

E como é costume nos meus desabafos, gostaria de terminar com a seguinte citação de Paulo Freire que penso ser assertiva: Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.

*Jovem Kareka Ragaladu Anikulapo.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 784, de 08 de Setembro de 2022

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