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A categoria juventude e seus equívocos analíticos em Cabo Verde

Por: Redy Wilson Lima

Na semana passada cumpriu-se mais um ritual de comemoração do Dia Internacional da Juventude, numa semana marcada pela convocação de uma manifestação contra o Estado da Nação pela Rede de Associações Comunitárias e Movimentos Sociais da Praia, atualmente a maior agremiação de associações e grupos informais juvenis e comunitários no país. O lema da manifestação foi retirado na sabedoria de Nha Nasia Gomi – Sima Nu Sta Nu Ka Podi Fika –, reproduzido pelo rap de Hélio Batalha e PCC. 

Um inquérito do Afrobarometer realizado entre os anos de 2019 e 2021 a jovens de 34 países africanos indicou que a juventude africana reconhece os ganhos significativos no sistema educacional e consequentemente no seu sucesso escolar. Contudo, indicam que estes ganhos não se têm traduzido na estabilidade laboral e salarial, sendo por isso a criação do emprego consideradas como a questão mais crítica na agenda política juvenil do continente. No caso cabo-verdiano, embora 48% dos jovens inquiridos mostraram satisfeitos com estes ganhos, apenas 13% consideraram como positivo o desemprenho do Governo na criação do emprego e só 15% entenderam que institucionalmente se tem feito alguma coisa para responder as suas necessidades. É de salientar que das 38 recomendações apontadas no estudo Perfil da Juventude Cabo-verdiana, realizado no ano de 2019, apenas 5 foram parcialmente implementadas.   

Há mais de uma década que pesquiso as dinâmicas juvenis na cidade da Praia e os vários estudos que tenho realizado por todo o país permitiu-me ampliar esta pesquisa e tomar consciência de três equívocos analíticos que estão na base da desadequação das ações e políticas pensadas para a juventude. O primeiro prende-se com a insistência em tomar a juventude como uma categoria homogênea, ignorando a diversidade de género, classe, região, etnia ou religião que constitui o universo juvenil. Institucionalmente tem-se construído identidades, culturas e expetativas comuns aos jovens e no domínio da representação, são vistos como uma panaceia – remédio para todos os males e motor do desenvolvimento. Entretanto, os que não se enquadram nesta representação social são tomados como um problema social. Estes são normalmente identificados como jovens territorializados nas margens, não privilegiados e associados a frustrações, impulsividade, revolta e dados a manifestações do desvio e da delinquência. O que não se percebe é que esta representação sobre a juventude é ela própria uma forma de violência cultural ou simbólica sobre esta camada populacional.

O segundo, que surge na sequência do primeiro, está relacionado com a existência de uma suposta subcultura juvenil (ou urbana), buscada na perspetiva sociológica clássica da juventude denominada como corrente geracional: que a toma como um conjunto social cujo atributo é o de ser constituído por pessoas pertencentes a uma dada fase de vida, prevalecendo a busca dos aspetos mais uniformes e homogéneos que caraterizam essa fase de vida – aspetos que fariam parte de uma cultura juvenil, específica, portanto, de uma geração definida em termos etários. Embora exista uma corrente oposta, a classista, de matriz marxista, que a toma como um conjunto social diversificado, em que perfila diferentes culturas juvenis derivado de diferentes pertenças de classe, situações económicas, parcelas de poder, interesses, oportunidades ocupacionais, etc., tenho analisado a juventude a partir do conceito circuito juvenil. Como adianta José Magnani, em vez de colocar ênfase na condição de jovens, que supostamente remete a diversidade de manifestações de um denominador comum, com este conceito estou a privilegiar a sua inserção na paisagem urbana por meio da etnografia dos espaços por onde circulam, onde estão os seus pontos de encontro e ocasião de conflito e os parceiros com quem estabelecem relações de troca. Esta opção enaltece, por um lado, a sociabilidade e não tanto as pautas de consumo e estilos de expressão ligadas à questão geracional, típico das culturas juvenis e por outro, a permanência das regularidades, em vez da fragmentação e do nomadismo, mais enfatizados na perspetiva das chamadas tribos urbanas, por mim utilizado inicialmente. É importante referir de que mais de que reproduzir conceitos, é necessário conhecer o contexto em que determinados conceitos foram produzidos. Os termos subculturas juvenis (ou urbanas) surgem com a Escola de Chicago nos anos de 1920, retomada nos anos de 1970 pela Escola de Birmingham e serviu para designar jovens desviantes (ou com espírito de resistência) da classe trabalhadora, preferencialmente da população imigrante (e não branca), tomados como vândalos e delinquentes. A mesma narrativa utilizada na cidade da Praia (também no Mindelo e em São Filipe) da era colonial e pós-colonial para designar a população camponesa migrada.

Este segundo equívoco conduz-nos ao terceiro, que é a relação entre jovens – preferencialmente os ditos “jovens periféricos” – e delinquência. É fato de que entre 2007 e 2018, 56,1% dos crimes registados pela PN tiveram jovens de 16 a 30 anos como autores (63,8% crime contra a propriedade e 51,2% crime contra pessoas). Que entre os anos de 2012 e 2018, 59,3% dos homicídios e 57,7% dos crimes sexuais tiveram como autores jovens dos 17 a 30 anos. Que a população carcerária é jovem, com uma idade média de 32 anos, sendo que metade tem menos de 30 anos. Contudo, é importante ressaltar que as vítimas são também jovens, o que nos remete para o perfil demográfico cabo-verdiano que é jovem. A idade média do cabo-verdiano é 29,18 anos e 35,9% da população do arquipélago tem entre 15 e 34 anos. Sendo assim, embora seja preocupante o número de jovens envolvidos em atividades delinquentes, há que ter em conta que o problema da criminalidade em Cabo Verde não é um problema juvenil, mas antes um problema social.

A antropóloga moçambicana Alcinda Honwana usa o termo geração waithood para descrever a situação de suspensão entre a adolescência e a idade adulta que os jovens africanos têm experienciado porque lhes faltam empregos estáveis capazes de lhes proporcionar autonomia e liberdade. Esta termo é por ela utilizada para explicar a frustração juvenil que levou à adesão de jovens nos recentes protestos de rua no continente africano. Igualmente, como resultado do que chamo de segregação de acesso às oportunidades e à homogeneização e inflação das expetativas juvenis possibilitado pelo primeiro equívoco, serve para explicar a adesão dos jovens nos gangues de rua e no crime organizado, bem como a adesão das jovens nas teias da exploração sexual.

Desta feita, entendo que para uma melhor adequação das políticas públicas da juventude e não para a juventude, há que ter em conta, em primeiro lugar, o carácter heterogéneo da categoria juventude, que deve ser pensada no plural. Em segundo lugar, deixar de pensar o jovem a partir do paradigma de carência e da perigosidade, que deve ser substituído para o paradigma da potência. Em terceiro lugar, tomar a juventude como uma questão e não como um problema. Por fim, em quarto lugar, pensando na promoção da paz, investir seriamente na construção de uma política colaborativa de segurança comunitária juntamente com as associações locais e com o que designo de organizações de rua – grupos de jovens que se situam entre gangues e movimentos sociais, hoje bastante ativos no associativismo juvenil e comunitário.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 781, de 18 de Agosto de 2022

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