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Cabo Verde nos caminhos de Pelé

Por: José J. Cabral

Afinal, a relação de Edson Arantes de Nascimento, Pelé, com Cabo Verde era antiga. Começou com ele menino ainda, em Santos, cidade portuária do Brasil, que acolheu emigrantes deste arquipélago desde o início do século XX. O astro maior do futebol mundial, que esta semana foi dado à terra, aos 82 anos, e que inúmeros admiradores tinha em Cabo Verde, terá sido levado para o Santos Futebol Clube por um cabo-verdiano, Waldemar de Brito, conforme conta José J. Cabral, nesta colaboração a pedido do A NAÇÃO.

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O que levaria Pelé a se lembrar destas minúsculas ilhas e a oferecer à ilha de São Nicolau uma réplica da camisola 10 de Santos Futebol Clube, da coleção de merchandising do Museu Pelé autografada pelo Rei, com um simbólico “Bôa Sorte, São Nicolau de Cabo Verde. Pelé”? Na origem desse gesto, está um outro, ocorrido em 1969, protagonizado por Eugénio Pedro Ramos, ex-baleeiro, natural de Queimadas, em São Nicolau.

Bem antes da avalanche de jovens cabo-verdianos, sobretudo de São Nicolau, que se verificou no início dos anos sessenta, rumo ao Brasil, aquele país já acolhera outros chegados a bordo de barcas baleeiras americanas. 

É o caso do nosso Eugénio que, em 1925, vamos encontrar na cidade do Recife, de onde segue para Salvador da Baía, para, tempos depois, voltar a ressurgir, agora como guarda-freios de “bondinho elétrico”, no Rio de Janeiro, e, a partir de 1929, fixar-se na cidade de Santos, no estado de São Paulo, estabelecido no bairro de Macuco. Nesta cidade, o sanicolaense, entre os destemidos, embarca como fogueiro em rebocadores do porto de Santos para transportar carvão de Santa Catarina (sul do Brasil), na travessia da costa brasileira assolada por barcos e submarinos alemães, que perigavam a navegação naquelas águas.

Mas, não terá sido só pela coragem, que, Eugénio Pedro Ramos, agora conhecido por Cabo Roque, entraria para a história. O Carnaval que lhe entrara no sangue ainda em São Nicolau, onde assistia a desfilies dos grupos “Ladeiristas” Piabaixanos”, “São Joanistas”, convertê-lo-ia numa das figuras mais lendárias da maior cidade da Baixada Santista.

Em 1946, depois de se ter casado com uma mulata de nome Inês, Eugénio torna-se cabo da primeira Escola de Samba da cidade, a X–9, juntamente com a esposa, que passa a ser a madrinha do bloco. Começa a se formar, assim, a lenda do “Cabo Roque e da Tia Inês”, uma dupla que vai marcar o carnaval santista durante décadas, e fixaria para a história o nome do Cabo Roque como “O Condestável”, honra que se deveu, ao facto de, em 1946, ter com a sua esposa adotado na pequena, mas acolhedora casa, a Escola de Samba X-9, na qual ficaria definitivamente incorporado um místico e maravilhoso ciclo, que a consagraria como um verdadeiro reduto de bambas e relicário do samba.

Eugénio Pedro Ramos (Cabo Roque), como escreveu um jornalista local, era “cabo” três vezes: cabo-verdiano por nascimento, cabo-fogueiro da marinha mercante por profissão e cabo-do-samba. Juntamente com a “Tia Inês”, sua esposa, dedicou a vida à Escola de Samba X- 9, chegando muitas vezes a tirar dinheiro do próprio bolso para levar a escola para a avenida.

Cabo Roque e esposa Tia Inês Foto: extraída de http://www.x9paulistana.com.br/nossa-madrinha/

Pelas mãos do nosso Cabo-Roque, a escola de Samba X-9 agraciou, em 1969, aquele que viria a ser o rei e maior futebolista de todos os tempos, Pelé, que 50 anos depois retribuiu o gesto, agora à ilha onde nasceu o “Condestável” da Escola de Samba de seu coração, com um “Boa Sorte, São Nicolau de Cabo Verde”, autografado de seu punho, numa camisola N.º 10 do Santos Futebol Clube, idêntica à que jogava e se trajou para receber a distinção (como mostra a imagem).

Pelé recebe da Escola de Samba X-9, um certificado, entregue pelo seu Fundador e Pioneiro, Cabo Roque, juntamente com o Marechal do Samba, J. Muniz Jr. O Rei fazia-se acompanhar do dirigente do Santos Futebol Clube à época, Athiê Jorge Coury. Foto: Acervo de Jota Muniz Jr. Extraído de www.facebook.com/X9APioneira/

Pelé fotografado em 2020 Santos com a Camisola que ofereceu a São Nicolau. Réplica camisola SFC Fotos: Pepito

Outros cabo-verdianos no caminho de Pelé

Em seu blog numa rede social o cabo-verdiano de São Nicolau José Augusto do Rosário, que chegou a Santos nos anos 60, deu conta do encontro que teve com Pelé quando este cursava Educação Física naquela cidade.

Especula-se que Waldemar de Brito, o homem que levou Pelé para o Santos, assim como o seu irmão Petronilho de Brito, o verdadeiro inventor do lance de “bicicleta”, eram filhos de cabo-verdianos radicados em Santos. Entre outras fontes, consta o Sr. Pedro de Freitas, cabo-verdiano de São Vicente, proprietário de um jornal em Santos e que chegou a entrevistar Petronilho de Brito.

Pelé também jogou muitos anos com um jogador argentino chamado Ramos Delgado, filho de um cabo-verdiano de São Vicente, o qual chegou a ser bicampeão mundial. Esse jogador, conhecido por “El Negro”, foi o único negro capitão da selecção Argentina até hoje.

Afonso Cabo Verde, o Mecânico de Pelé

Uma notícia publicada esta esta semana pela imprensa brasileira, a propósito do falecimento e exéquias da estrela maior do futebol, dá conta da afinidade de Pelé com outro cabo-verdiano, o mecânico Afonso de Santo Antão, que cuidava das viaturas dele.

Afonso, o Mecânico de Pelé

Emigrado no Brasil há 46 anos, este nosso conterrâneo conta que desde Cabo Verde que acompanha Pelé e que foi por este jogar pelo Santos Futebol Clube que se tornou, ainda na sua terra natal, fã e adepto do Santos. Para ele, “Pelé é eterno” e a sua alma agora “está com Deus”.

Para este “cabo-brasileiro”, há dois homens que ele não pode esquecer: Pelé e Eusébio, jogador moçambicano com mais de 700 gols e que morreu em 2014. 

Afonso exibiu uma medalha com o rosto de Pelé, que ele diz ter recebido do próprio Pelé. Além disso, no dia da homenagem ao jogador, no Estádio Vila Belmiro, ele usava uma camisa autografada pelo ex-futebolista, que  segundo conta, foi-lhe oferecida por Zoca, irmão de Pelé. “O mundo inteiro agradece o Pelé de joelhos, ele conquistou tudo, eu falo do Pelé, não do Edson. O que ele fez para o Brasil foi imenso”, diz. 

O cabo-verdiano explica que trabalhou para Pelé e a família desde os 15 anos.  As duas Mercedes que Pelé teve foram as que ele mais trabalhou. “As Mercedes eram as que davam mais trabalho, poucas vezes precisavam de manutenção, mas quando vinham, era problema. Vinham do Guarujá, além dos carros, inúmeras vezes resgatei o pai do Pelé no Acapulco com o carro quebrado”, comenta, rindo. 

Ele conta que teve uma relação próxima com a família de Pelé. “Conheci a mãe dele, o Edinho (filho de Pelé), que vinha sempre na oficina, quando jogava no Santos. O irmão e o pai também, já visitei o túmulo deles no Memorial e agora pretendo visitar o túmulo do Pelé também”, pontua. Para Afonso, Pelé o fez torcer pelo o Santos desde Cabo Verde.

Motivos para dizer que Cabo Verde esteve presente nos caminhos do rei Pelé, motivo também para, na hora de partida, desejar-lhe muita luz no caminho.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 801, de 05 de Janeiro de 2022

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