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Santiago

Praia: Crise e desorganização afectam vendedeiras do mercado do Platô

As vendedeiras do mercado do Platô continuam a queixar-se das consequências da pandemia, seca e guerra na Ucrânia, com reflexos na diminuição da procura dos seus produtos… Mas reclamam também da desorganização que se instalou desde a pandemia e revelam que começa a ser um pesadelo permanecer no mercado.

Nos dias que correm, o mercado histórico do Platô parece estar a viver longe dos seus melhores dias.
Isto é, como quase tudo em Cabo Verde, esse outrora barómetro da vida na capital continua a ressentir-se da “tripla crise”, como se convencionou chamar à pandemia da covid, seca e guerra na Ucrânia. Na sua maioria mulheres, algumas das vendedeiras, mais sintonizadas com a realidade e com o mundo, perguntam quando é que a guerra na Ucrânia, por exemplo, vai terminar, para poderem sair da “afronta” em que se encontram.

“As coisas já estavam em declínio antes da pandemia, mas, naquela altura, ainda se vendia bem, dava para viver, mas agora há dias em que não vendo nem um quilo sequer, é triste e desesperador…”, diz uma vendedeira, que reclama também da desorganização e falta de fiscalização no pelourinho do Platô.

“Antes eram verduras lá em baixo e aqui em cima eram só frutas, mas agora não, pode-se encontrar tudo lá em baixo, por isso os clientes já nem vêm ao primeiro andar”, acrescenta.

Quando questionadas sobre os preços que andam a praticar, as nossas entrevistadas respondem que é impossível baixá-los, sob pena de perderem dinheiro.
Ainda assim, revelam que neste momento produtos como a papaia e o tomate já começaram a ser vendidos a preços bem mais baixos do que há algumas semanas. Mas que mesmo assim, di-zem elas, os clientes continuam a reclamar dos preços.

“Andamos a comprar um quilo de batata-doce a 160 escudos, por exemplo, e o vendemos a 180. Na grande maioria dos produtos só conseguimos ganhar 20 escudos por cada quilo, o que obviamente não compensa. Todos os dias precisamos de transporte, compramos água para lavar as verduras, muitos clientes pedem por descontos e às vezes tiramos 10 escudos do preço, mas do que isso não conseguimos… É óbvio que o ganho não chega para cobrir todas as despesas no fim do mês”.

Uma outra situação constatada é que algumas vendedeiras que trabalham no mercado do Platô têm contraído dívidas para se manterem e manterem os respectivos negócios, que incluem o pagamento das “pedras”.
As mesmas alegam que se não houver alguma mudança acabarão, também elas, à semelhança de outras, por abandonar o mercado para irem vender na rua, de “balaio à cabeça”.

“Infelizmente tenho dívidas que contraí ao longo da pandemia para continuar a vender os meus produtos, as contas estão muito apertadas, caso estivesse sozinha, só com o que ganho neste mercado, seria impossível sobreviver… Dou graças a Deus que sou eu e o meu companheiro”, desabafa uma outra vendeira.

As nossas entrevistadas revelaram-nos que, para sobreviverem, procuram ajudar-se mutuamente, comprando umas às outras o que precisam para o seu consumo, procurando desta forma “desafogar” um negócio que há muito deu sinais de quebra.

“Temos feito uma espécie de ‘djunta mô’, fazemos negócio com as que trabalham na Sucupira e com as nossas colegas que trabalham aqui, nós que temos tentado garantir o fim de mês umas às outras”, diz uma das vendedeiras.

A revenda ou a troca de produtos entre as vendedeiras é uma prática antiga, mas intensificou-se após a pandemia, principalmente nos últimos quatro meses. Como alegam, a crise veio tornar a vida mais difícil para quem ganha o sustento no mercado do Platô.

Concorrência desleal ‘versus’ Ineficácia da fiscalização

A concorrência desleal foi um outro ponto que praticamente todas as entrevistadas desta reportagem tocaram. No geral, são categóricas ao afirmar que as que deixaram o mercado não deixaram de vender, simplesmente passaram a fazê-lo de forma ambulante, de “balaio à cabeça”, e algumas até em carros, pelos bairros.

“Antes não se via vendedeiras na rua ou em carros a venderem por toda a capital, pois tinha-se o mercado e a fiscalização municipal funcionava”, refere uma das nossas entrevistadas, para quem antes da crise pandémica a fiscalização municipal apertava o cerco mas que hoje em dia parece que “fecham os olhos” a situações do tipo.

“Não condenamos uma pessoa que compre nas vendedeiras que vendem na rua ou em carros; afinal, sempre é mais perto e, às vezes, mais barato. O que não aceitamos é a ideia de se ter mercados e a fiscalização municipal nada faz contra quem, contra a lei, vende na rua ou em carros. E todos sabemos que antes da pandemia o mercado estava
organizado e as vendedeiras na rua eram muito poucas”, realça outra.

Lembraram que quem continua no mercado paga por estar lá e as que deambulam pela cidade não. Estas, além de venderem os produtos mais baratos, vendem de tudo e fazem com que o cliente deixe de ir ao mercado, já que
encontra tudo “à porta de casa”.
O que pedem é uma uniformização do sector.

E os clientes?

Os poucos clientes que esta reportagem encontrou no mercado do Platô reclamaram dos preços e alguns até da qualidade dos produtos expostos. Mesmo num sábado, tradicionalmente dia de feira, o local mostrava-se pouco concorrido. Os poucos clientes, pelo que pudemos ver, mostravam-se exigentes na hora de abrir os cordões à bolsa.

“Antes eu vinha sempre ao mercado, os preços eram bons e a qualidade também, mas actualmente quase não venho, e quando venho apenas levo o essencial, e mesmo assim os preços estão puxados… Todas as vezes que aqui venho sou surpreendida pelos preços… No meu caso, a ‘visita’ é contada até aos centavos, porque a vida está cara para todos”, confessa uma das clientes.

No seu caso essa cidadã diz que tem andado a abastecer-se noutros locais. “Hoje em dia até as lojas chinesas têm verduras, normalmente, a melhores preços, ou então compro em vendedeiras ambulantes. Há produtos que chegam a ser 30 escudos mais baratos por quilo”, garante.

José Carlos Moniz, director do SEPAMP
“É tarefa difícil gerir o mercado do Platô”

O director executivo do Serviço Público de Abastecimento do Município da Praia-SEPAMP, José Carlos Moniz, disse ao A NAÇÃO que, das 534 bancas disponíveis no mercado do Platô, apenas vinte estão livres.

Questionado o porquê de muitas das “pedras”, como são conhecidas as bancas, se apresentarem desertas, aquele responsável alegou que isso se deve ao facto de as donas desses espaços preferirem ir vender na rua e que tem sido um desafio permanente “eliminar situações do tipo”.

“Gerir o mercado do Platô não tem sido tarefa fácil”, desabafou, a propósito dos problemas com que foi confrontado pelo A NAÇÃO.

Moniz afirma que várias mudanças já foram efectuadas para se ter um mercado organizado e para que as vendedeiras permaneçam no local, em vez de andarem pela rua.

Assim, o preço das bancas de 110 escudos diários passou para 510 mensais (cerca de 16 escudos dia), estabeleceu-se a divisão (verduras no rés do chão e frutas no primeiro piso), aperto das condições de higiene e segurança de todos os produtos, principalmente das carnes, entre outras medidas.

“Já existe um projecto, ainda à espera de financiamento, onde queremos transformar o mercado do ‘Cotxi Pó’, em Ponta Belém, num mercado logístico, abastecedor e de expurgo para o mercado do Platô. Essa será uma forma de organizar as actividades nos dois mercados, tornando o do Platô num mercado expositório e de venda, já que não
há espaço para armazenar produtos”, afirma.

A NAÇÃO tentou obter reacções também da Guarda Municipal sobre a fiscalização de vendedoras ambulantes, mas não foi possível. O problema é que a GM se encontra, no momento, sem um director e o coordenador regional, Ivanildo Lopes, diz não poder dar declarações sobre o assunto.

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