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Santiago

Praia: Vale do Palmarejo uma comunidade que se sente esquecida

Dificuldades várias fazem parte da vida da maioria dos moradores da comunidade do vale do Palmarejo Grande, no município da Praia. Falta de água, saneamento básico e de acessibilidade têm sido alguns dos problemas no meio de vários outros. A Câmara Municipal tem em curso um programa de construção habitacional para ajudar quem vive nessa pequena parcela da Praia.

Localizada no vale entre o Palmarejo Grande e a Universidade de Cabo Verde (UNI-CV), como todos os bairros nascidos de forma espontânea, a comunidade aí existente reclama de quase tudo: estradas, saneamento bá- sico, água canalizada, electricidade, entre outros problemas.

Ouvidos pelo A NAÇÃO, alguns moradores dizem que se sentem excluídos e até esquecidos, apesar de a sua zona situar-se perto de um dos bairros mais nobres da cidade, o Palmarejo Grande, tendo por perto o campus da UNI-CV.

Ainda por cima, as consequências da pandemia, seca e guerra na Ucrânia vieram agravar, ainda mais, a situação de vulnerabilidade em que os moradores do vale do Palmarejo Grande se encontravam.

De acordo com a idosa Justina, há 23 anos residente nessa zona da Praia, o bairro ainda “não tem nada” e conta que desde que aí se estabeleceu só viu aumentar o “número de casas” e o “descaso das autoridades” em relação aos que aí vivem.

“Não temos uma estrada em condições, não temos saneamento, nem água, a electricidade e as nossas casas ainda são clandestinas. Não temos uma escola e a nossa juventude está esquecida. Quando chove, isto é um caos. Apenas por altura das campanhas eleitorais é que os políticos aparecem a prometer mudanças na comunidade, depois, nunca mais aparecem.”

O desemprego e a pandemia

Já para Jussara, uma jovem de 25 anos, nascida na mesma localidade, um dos maiores problemas de quem aí vive se prende ao emprego jovem, sem esquecer a falta de água canalizada, estradas e energia eléctrica, entre outros males.

“A nossa comunidade, infelizmente, continua a ser um assentamento clandestino. Temos muitos jovens desempregados, não temos um espaço de lazer, uma praça, por exemplo. Há jovens, aqui, que cortam lenha para fazerem carvão ou que fazem pastéis e outros tipos de salgados para vender. Uns criam animais e outros vão à lixeira à procura de algum sustento. Aqui o rendimento é precário, precisamos de formação, ou de algo que nos ajude a conseguir um emprego melhor”, afirma.

Jussara diz que ela e os demais jovens da comunidade se sentem abandonados pelas autoridades. “Sabem que a comunidade existe, só que preferem não auscultar os nossos problemas e continuam a referir-se à zona como sendo somente um lugar de criação de gado”.

Associação para o Desenvolvimento Comunitário de Palmarejo Grande

“Uma comunidade que ainda enfrenta muitas dificuldades”

Ana Paula Carvalho, presidente da Associação para o Desenvolvimento Comunitário de Palmarejo Grande (ADCPG), admite que a zona e os seus moradores enfrentam diversas dificuldades. Isto porque, como alega, ainda há muito que fazer, principalmente a nível de acessibilidade e legalização da comunidade.

Em meio a tantas dificuldades, e tendo em conta que a tendência é apontar o que falta, esta activista social prefere indicar o que de bom já se fez, tanto mais que ainda há projectos que estão em linha, à procura ou à espera de financiamento. “A comunidade cresceu, principalmente nos últimos anos, e é complicado para a Associação conseguir ajudar todas as pessoas”, afirma.

Como diz também, com esforço da ADCPG e apoio dos diversos parceiros tem-se conseguido cestas básicas, roupas e outros tipos de ajuda.

“Já fizemos diversas campanhas de limpeza na comunidade. Com ajuda dos nossos parceiros já reformamos casas, reformamos o jardim infantil, construímos casas de banhos e a escada que dá acesso à comunidade, trouxemos feiras de saúde, durante a pandemia fizemos campanhas de sensibilização e distribuição de máscaras e de álcool em gel. Apesar das muitas dificuldades, temos conseguido dinamizar a comunidade”, aponta, lamentando que a participação não seja maior.

Em relação aos jovens, Ana Paula afirma que a ADCPG procura criar-lhes condições para que tenham formações profissionalizantes, mas que nem sempre os próprios jovens “têm sabido aproveitar as oportunidades”.

“Através dos nossos parceiros já conseguimos bolsas para diversos tipos de formação, mas a verdade é que os jovens não têm sabido agarrar as oportunidades. Uns começam e não terminam, e outros se recusam simplesmente a ir às formações”, explica.

“Depois”, acrescenta com pesar, “é fá- cil reclamar que não há isto, não aquilo, mas quando aparece a adesão e os resultados ficam aquém do esperado. Não pode ser”.

A ADCPG foi criada desde 2004 pela própria Ana Paula Carvalho, sua presidente desde então, e outros moradores, com vontade de fazer a diferença. Num meio dominado pela pobreza a sobrevivência, como parece óbvio, não tem sido fácil. “Mesmo assim, vamos fazendo o que podemos”, conclui a presidente da Associação para o Desenvolvimento Comunitário de Palmarejo Grande.

Quando questionada sobre como têm vivido em meio a esta “tripla crise”, Jussara afirma que tem sido uma tarefa extremamente difícil, mas que têm levado “um dia de cada vez”, como é norma entre os mais desfavorecidos da nossa sociedade. Dito doutro modo, com a subida dos preços e o baixo rendimento, Jussara diz que se não fossem as cestas básicas e outras ajudas que vêm de diversas instituições, teria sido “ainda mais complicado” enfrentar os efeitos da pandemia, por exemplo.

“Durante o pico da pandemia muitas famílias, aqui, passaram por sérias dificuldades, ao ponto de não terem o que levar ao lume. Foi triste, mas, graças às ajudas, conseguimos e continuamos a conseguir sobreviver. Somos uma comunidade vulnerável e precisamos de mais apoio, precisamos que as autoridades olhem para nós”, sublinha.

O alcoolismo na camada jovem

O alcoolismo é outro problema do vale do Palmarejo Grande. Para Josimar, um jovem de 36 anos e morador do bairro há 15, a par dos problemas acima referidos, o alcoolismo, principalmente entre os jovens, é algo que também salta à vista. Neste caso como consequência da falta de emprego e descrença num futuro melhor.

“Aqui não há nada para fazer, não há trabalho, não existem espaços de lazer e entretenimento, a vida está cada dia mais difícil e os jovens acabam encontrando na bebida uma forma de escape”, afirma o nosso entrevistado.

Câmara quer combater construções ilegais no vale do Palmarejo

Em Outubro passado a Câmara Municipal da Praia, presidida por Francisco Carvalho, disponibilizou 19 lotes de terreno a famílias vulneráveis do bairro do Vale do Palmarejo para a construção habitacional, de modo a combater a construção clandestina no município. Esses lotes não podem ser vendidos e as famílias têm um prazo de dois anos para construírem as suas habitações.

Francisco Carvalho considerou, na altura, de grande importância essa iniciativa, que se encontra no projecto “Praia Para Todos”, lema da sua gestão.

A CMP, para além de ceder os terrenos, disponibilizou também técnicos da área de Arquitetura e Engenharia para acompanharem a execução das obras, além de projectos aprovados e isenção do pagamento de taxas de licença de construção.

Em contrapartida, os futuros moradores terão de pagar uma renda num período de dez anos (entre 3800 e 4800 escudos) que, segundo Francisco Carvalho, faz parte de “um contrato que está adaptado às condições económicas das pessoas”.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 809, de 02 de Março de 2023

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