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Cabo Verde e a sua identidade Africana

Por: Eveline Almeida

Muitas vezes os Cabo-verdianos questionam-se sobre o ser ou não ser Africano, alguns até acreditam ser absurdo esse questionamento, uma vez que é bastante claro que Cabo-Verde pertence ao continente Africano e é reconhecido mundialmente por ser um país Africano. Aqui perguntamos se é legitimo ou não esse sentimento partilhado por vários cidadãos das nossas ilhas, que não se identificam como Africanos, bem como, se é legitimo ou não aqueles que se identificam como tal.

É bastante desafiador abordar esse assunto, que é muito sensível ao povo das amadas ilhas. Confesso que é preciso uma dose a mais de ousadia e valentia para tentar falar de tal tema, que a meu ver é um tabu na nossa sociedade e  é certamente um tema que gera bastante polémica, controvérsias e por vezes até uma certa agressividade s por parte de muitos dos nossos compatriotas. Torna-se ainda mais complexo abordar tal tema, quando não temos muito conhecimento antropológico, histórico, geográfico e político entre outras dimensões relevantes.

 No entanto, esta é a visão de uma Cabo-verdiana que pouco entende sobre as áreas humanas, que não conhece todos os países Africanos, nem as suas culturas, e nem sequer todas as ilhas de Cabo Verde nas suas variedades culturais. Esta é a visão de uma Cabo-verdiana consciente de que nada sabe, consciente da complexidade do tema, e pertencente à geração do Milllennial. Esta visão é baseada unicamente na minha experiência, nos meus valores e sem qualquer tentativa dogmática de proclamar a verdade “absoluta”, portanto assumo que nem todos irão partilhar dessa visão, contudo acredito que ao escrever esse artigo também estarei a aprender bastante sobre a minha origem e identidade.

Do pouco que aprendi, nesses meus poucos anos de vida, geograficamente Cabo Verde é um país que pertence ao grupo dos países africanos, constituindo assim os 55 países africanos que se distribuem em 5 regiões, as quais dividem o continente africano segundo características semelhantes, sejam essas geográficas, políticas, econômicas ou sociais, mais alguns territórios não reconhecidos”. Desses 55 países oficialmente reconhecidos 6 países são insultares, isto é, territórios independentes que não possuem fronteiras terrestres. Cabo Verde pertence ao grupo de África Ocidental e faz parte dos países insulares. Esta subdivisão da África tem por base as antigas fronteiras coloniais. O Tratado de Berlim (1884-85) definiu as zonas de influências das potências ocidentais no continente Africano (seja Portuguesa, Francesa, Inglesa, Alemã etc.) e foi aí que se determinou a ocupação do território africano e a sua divisão e definição das fronteiras africanas que até hoje permanecem. Esta divisão não levou em conta a cultura, as etnias entre os vários países, sendo bastante comum encontrar agrupamentos de culturas e etnias diferentes em um mesmo país. Portanto até aqui percebe-se que os países africanos existentes são meras divisões políticas que nada tem a ver com a identidade cultural ou social.

 África é um continente com bastante diversidade étnica e cultural, estima-se a existência de cerca de 3000 grupos étnicos, que falam em média mais de 2000 línguas diferentes, sendo bastante difícil determinar com precisão o número exato. Os grupos étnicos muitas vezes não são reconhecidos em todo território africano. A verdade é que por vários motivos a África tornou-se a casa de um número variado de povos, refletindo numa rica herança cultural devido a uma história bastante complexa de migração, comercio e colonialismo. O continente Africano é o segundo maior do mundo, com uma população de cerca de 1.3 bilião, sendo o segundo mais populoso do mundo depois da Ásia. Africa é o continente mais diverso etnicamente e culturalmente do mundo, com influências de várias outras culturas de continentes diversos, tudo isso graças a séculos de migração, comércio e colonialismo.

Devido ao comércio transatlântico de escravos, a colonização e a migração é possível encontrar descendentes de Africanos em outras regiões do globo, nas Américas, na Europa e na Ásia. Estas populações uma vez longe do seu continente de origem desenvolveram uma cultura e identidade única com traços culturais idênticos e conexões com as raízes Africanas. África também alberca descendentes de outros continentes já mencionados, portanto é preciso evitar estereótipos e generalizações acerca do seu povo, das tradições, culturas, religiões, língua, etc.

É impossível identificar a origem étnica ou a nacionalidade de alguém somente olhando para essa pessoa, baseada na sua aparência física unicamente. É verdade que existem certas características físicas que seja mais comum encontrar em certas regiões e grupos étnicos, no entanto, é importante relembrar que as pessoas têm uma variedade de formas, tamanhos e tons de pele dentro de uma determinada população. Portanto relativamente a África o correto é questionar a pessoa com mente aberta e de forma respeitosa sobre a sua origem, pois, por ser um continente diversificado não se pode usar estereótipos para identificar o seu povo.

A cor da pele não pode nem deve ser usada como a característica que identifica um africano, dado que o tom de pele é determinado pela quantidade de melanina existente na pele, que varia individualmente, influenciada por vários fatores como a genética, a exposição ao sol, o ambiente etc. Em África existem pessoas com os mais variados tons de pele nos mais variados grupos étnicos e é sem dúvida o continente mais diverso geneticamente do mundo.

O termo “africano” pode ter conotações diversificadas de acordo com o contexto do qual é utilizada. Em geral, quando identificamos um africano referimo-nos a alguém que reside em um  dos 55 países que constituem o continente. Contudo, existem imensos descendentes africanos que residem fora do continente, seja como membros da diáspora africana, assim como descendentes da escravatura, refugiados ou imigrantes. Existem pessoas de outras origens que por nascerem em África se consideram africanos, existem pessoas que por viverem em África e consideram-se africanos, tem pessoas que por consumirem muito da cultura africana consideram-se africanos etc. Chegamos aqui a conclusão que não existe uma regra generalista para se ser africano. Em última análise, o que torna as pessoas africanas é uma questão de identidade pessoal e auto-identificação. A identidade pessoal e a auto-identificação como a própria palavra refere não depende de quaisquer pressupostos a não ser pessoal. Alguém pode identificar-se fortemente com a sua herança africana e raízes culturais, enquanto outros podem sentir uma ligação mais forte com outros aspetos da identidade como a nacionalidade, a religião, o grupo étnico etc. ou mesmo alguém pode não se identificar e por isso não se considerar africano apesar de ter origens, nascer em África ou viver aí, afinal ser africano trata-se de identidade pessoal que muitas vezes não é determinada pelos outros. Logo, numa mesma família pode-se encontrar alguém que se considera africano fortemente e outros que não se identificam. E quem aborda África pode falar de vários outros continentes.

É preciso ter a mente aberta para saber ouvir, compreender e respeitar a identidade pessoal de cada um. É preciso ter o discernimento de não fazer suposições, generalizações com base em conhecimentos limitados ou estereótipos. A identidade é algo pessoal e subjetivo, apesar da ancestralidade ou da herança cultural, apesar da localização geográfica. As pessoas são livres de se identificarem e se expressarem da forma que se sentirem mais confortáveis e autênticas. O que não se pode e não esta correto é tentar impor ou forçar as pessoas a ser algo do qual não se identificam, fazer isto não seria algo diferente da colonização, ditadura, preconceito etc. Não se pode impor rótulos aos outros com base em conhecimentos limitados ou estereótipos. A identidade é um aspeto bastante complexo e multifacetado da experiência humana, e não existe uma maneira certa de alguém se identificar ou de se expressar.

Retomando o tema Cabo Verde, oficialmente conhecida como República de Cabo Verde é um país que esta localizado no oceano atlântico central, na costa ocidental africana, composto por 10 ilhas vulcânicas e 5 ilhéus. É um país do continente africano, reconhecida legalmente por todas as organizações internacionais. Além de ser um país reconhecido como africano, geograficamente está mais próxima do território africano, tornando assim um país insular.  O arquipélago foi colónia portuguesa do século XV até 1975  onde ganhou a independência, a língua oficial é o português apesar de se falar amplamente o crioulo e ser a língua de fato do povo Cabo-Verdiano. A população é predominantemente descendente da mestiçagem africana e europeias, com populações em quantidades menores de origem africana, europeia e outros. Cabo Verde tem uma longa e interessante história de mistura entre diferentes grupos raciais e étnicos. De acordo com o senso efetuado, a população é cerca de 71% mestiça, 28% africana e 1% europeia. Contudo, é preciso realçar que essas categorias podem não transmitir com exatidão toda a diversidade da população, uma vez que muitos cabo-verdianos se identificam com vários grupos raciais e étnicos. Do que se sabe até agora alguns dos povos são originários dos Fulani, Balante, Mandyako, Portugueses, Italianos, Franceses e Espanhóis. Esses contribuíam para a origem do povo das ilhas de Cabo Verde, sendo que cada ilha teve uma forma de colonização diferente, e por isso influências distintas.

Cabo Verde é um país reconhecido por ter um povo “crioulo”, bem como por ter uma cultura única, hábitos e costumes que criaram ao longo dos tempos, com muita influência estrangeira diversificada. Algumas das particularidades da cultura são a música, a culinária, as festas e celebrações, a língua crioula que é única, a arte e literatura distintas

Não há dúvidas que os Cabo-verdianos são um povo misto, que o povo das ilhas tem uma ligação bastante forte com o país e sobretudo que houve muita influência estrangeira em Cabo Verde.

 Existe uma identidade nacional partilhada por todos os Cabo-Verdianos, um sentimento de pertença muito grande. No entanto, quando se trata de se identificar como Africano reina a dúvida e a divergência, muitos apenas se identificam por ser Cabo-Verdianos, outros também se identificam por ser africanos, outros por ser europeus ou mesmo americanos e outros se identificam com todos os povos existentes na origem da população. As divergências de identidades estão intrinsecamente ligadas à herança da complexidade histórica e cultural.

 Durante o período colonial eram classificados de acordo com a raça e o estatuto social, que criou um sistema de estratificação e reforçou as divisões existentes entre a população. Esse sistema tornou-se ainda mais complicada pelo comércio transatlântico de escravos, que trouxe pessoas de diferentes etnias com tradições e identidades culturais próprias. Com o passar do tempo, a população nas ilhas tornou-se amplamente mista, com pessoas de origens raciais e étnicas diferentes que casaram entre si formando uma nova cultura e identidade social.

Atualmente o povo se identifica com várias raças, grupos étnicos, culturas, tradições e praticas dependendo da origem da família e do contexto social e pessoal. E uma vez que Cabo Verde tem uma ampla diáspora, vem ainda mais reforçar a divergência de identidade, pois foram se adaptando aos novos países de acolhimento e criando uma identidade social híbrida com influência no país de vivência e acolhimento.

O caso de Cabo Verde é um dos exemplos mais fantásticos da globalização e acontece um pouco por toda parte desse globo. Estamos na era da globalização, onde é inevitável o consumo da cultura, hábitos, costumes e práticas de outros países. A internet veio reforçar e intensificar essa globalização, estamos sem dúvidas caminhando para um mundo com uma cultura mais global, com povos mestiços, a onde torna-se cada vez mais difícil um povo identificar-se com uma única origem, uma vez que as pessoas têm múltiplas origens, e não há qualquer problema nisso, a não ser quem tenha uma visão mono étnica de nação.

Respondendo à pergunta feita inicialmente, ninguém está certo ou errado por identificar-se com uma cultura, povo, país, continente ou por não identificar-se. Logo é legitimo um Cabo-verdiano não se sentir africano, ou sentir-se africano, isso é uma questão pessoal, subjetiva que pode ter por bases as origens familiares ou outros mais pessoais, e não deve ser censurado por algo que é pessoal. As pessoas são livres de adotarem práticas, costumes, hábitos ou identificarem com o que quiserem. Essa decisão pessoal não afeta a sociedade, não prejudica os outros, por isso deve ser respeitada. Não pode ser condenada, desdenhada, prejudicada ou agredida verbalmente por algo pessoal.

Acredito que não seja fácil aceitar essa particularidade em geral. Nós não temos que ser todos iguais, todos nós temos nossas particularidades, logo não temos de ser forçados a ser algo que não queremos. É preciso trabalhar para eliminar os estereótipos, erradicar com esses preconceitos que estão enraizados na nossa vivência, a onde achamos que temos o direito de dizer o que o outro é, e o condenar por ser o que é.  Compreender essas questões é estar meio caminho andado para a evolução.

 Outra questão relevante é que, a miscigenação não tem cor, não tem uma aparência física específica baseada em fenótipos. Portanto, é preciso ter atenção ao abordar esses temas para não ferir a sensibilidade dos outros, são temas bastante sensíveis e muito pessoais. No caso de Cabo-Verde é compreensível e normal, a divergência de identidade. Os Cabo-Verdianos que se identificam com África não significa que estão equivocados ou que desconhecem a sua história. Os Cabo-Verdianos que não se identificam com África não significa que têm complexos ou problemas de identidades. É preciso compreender que a identificação com África tem facetas variadas, pode ser pelos traços, pode ser pela cultura, pode ter múltiplos motivos.

Também é preciso referir que no caso de África, pelo seu histórico do colonialismo, e das diversas catástrofes humanas, sociais, culturais, da desumanização do seu povo, bem como da exploração dos seus recursos, afetou gravemente a visão que o mundo tem de África, até do seu próprio povo tem de si mesmo. Esses motivos interferem de certa forma na questão identitária, pois, muitos podem sentir um desconforto, vergonha, e até complexo ao pertencer a um povo que foi brutalmente massacrado e humilhado. Contundo nesta história, ambos são vítimas dos processos bárbaros que mudaram a nossa história. Nesse caso é preciso trabalhar na reconstrução da identidade e sobretudo aprofundar o conhecimento sobre as próprias origens, sobre a história de África antes da colonização e saber que o África não se encontra na posição onde está porque escolheu estar nessa situação. Apesar de tudo devemos ter orgulho das nossas raízes, sejam elas quais forem, e valorizar o nosso território que foi recuperado com muito esforço, esse é um processo de introspeção pessoal, do qual também não se pode obrigar ninguém.       

O que não se pode dizer é: “És africano por seres negro”, isto é um estereótipo que é ridículo, principalmente considerando a diversidade étnica, genética e até raciais e por isso é inaceitável, principalmente no contexto de uma população mista. O próprio povo continental e do mundo precisa perceber que não existe uma regra escrita para ser africano ou não, ou ser de outro continente. Africa é diversa e bastante complexa.

Agora a verdade é que os Cabo-Verdianos, assim como o resto do mundo, pouco sabem sobre África, sobre os 5 países, sobre os mais de 3 mil grupos étnicos, sobre as mais de 2mil línguas. Somos bastante limitados pela língua, pelas relações com a qual os nossos países estabelecem. No caso de Cabo-Verde que pertence aos PALOP e estabelece mais relações com esses países, logo, fica limitado em termos de conhecimento dos demais países existentes, bem como, as suas diversidades e culturas. Os Cabo-Verdianos não tem o hábito de fazer turismo em países africanos, nem de emigrar para estes países. Acredito que a maior parte dos Cabo-Verdianos não conhecem todas as ilhas de Cabo-Verde, muito menos os países de África. Os países que os Cabo-verdianos mais frequentam estão na Europa e na América, em África visitam na maioria das vezes Angola e Senegal, no entanto em menor percentagem.  Importa também referir que existem várias formas de identidades, que na maioria das vezes são agrupadas e tratadas como um só. A identidade cultural, refere-se ao sentimento de pertence de uma pessoa, a um grupo cultural particular ou comunidade. Ela é moldada por uma série de fatores, incluindo a língua, religião, tradições, costumes e crenças, bem como experiências compartilhadas e narrativas históricas. Essa identidade cultural, não é algo estática no tempo, ela muda com o tempo, a medida que os indivíduos e as comunidades evoluem e se adaptam a novas circunstâncias e são amplamente influenciáveis. A Identidade nacional, que refere-se ao sentimento de pertencer a uma determinada nação, e esta muitas vezes ligada a uma partilha de língua, historia e cultura. A identidade étnica que se refere ao nosso sentido de pertencer a um determinado grupo étnico e é baseado em experiências, tradições e costumes culturais ou histórias compartilhadas.

Acredito que em Cabo Verde nós compartilhamos uma identidade cultural e nacional que foi construída ao longo da história. Por isso é bastante comum ver cabo-verdianos que se identifiquem apenas com Cabo Verde e não se identifiquem com África ou como Africanos. Uma vez que compartilhamos a nossa língua que é o crioulo, a nossa religião que é o cristianismo, as nossas músicas e danças como o batuque, a morna, o funaná e isso faz com que o cabo-verdiano sinta o sentimento de pertença.

Sentimento esse que muitas vezes não é compartilhado com outros povos africanos, o que faz com que alguns cabo-verdianos não se identifiquem com África. Em larga escala está associada ao desconhecimento e é comum não identificar-se com uma cultura que não se pratica ou se que desconhece. A identidade é bastante subjetiva exatamente porque o conhecimento, a aceitação a prática dos costumes e tradições é uma decisão pessoal.

As pessoas podem ter várias origens, assim como provir de múltiplas culturas e/ou etnias, isto é, a pessoa pode identificar-se com várias culturas ao mesmo tempo, assim como podem ter várias nacionalidades e viverem em muitos lugares ao longo da vida, não é necessário rejeitar determinada cultura em detrimento do outro, todos podem sobreviver e coexistir.

É preciso compreender vários fatores em jogo, a origem, a descendência, a cor e mesmo o grupo étnico pode não ter nada haver com a identidade, que em regra esta associada a preferência de cada um. A genética não está diretamente ligada a identidade cultural e muita gente esquece esse aspeto fundamental.

Cabo-Verde como um país mestiço, deve saber abraçar as várias identidades existentes, aceitar que a cultura não se impõe. Como um país democrático e livre, as pessoas têm a liberdade de ser e identificarem-se com a cultura que lhes faz sentir confortável. Acredito que é preciso desconstruir os preconceitos que estão fortemente enraizados em nós, e que muitas vezes nos faz repetir os erros já vividos durante o período de colonização, a onde queriam desconstruir a cultura do outro de forma a imporem a cultura portuguesa como única e legítimas por exclusão das outras.

É preciso conhecer o passado, entender a história, no entanto não se pode viver o que já passou. As histórias mudam, as pessoas evoluem e renovam-se, os lugares mudam, portanto, a luta também tem de mudar e as mentalidades. Não faz sentido criar um sentimento de vingança contra pessoas que já não existem, ou rejeitar parte da nossa essência por ódio do que aconteceu no passado, porém nunca cair no esquecimento para que a história não se repita.

Dos temas que não pode ser deixado para trás está a apropriação cultural e para alguém da geração Milénio torna-se muito difícil a compreensão desse tema. Várias vezes deparei com comentários que por alguém ser da raça branca usar as tranças nos seus cabelos são considerados que estão a efetuar a “apropriação cultural” da cultura Africana. Sim, talvez esteja a fazer apropriação cultural, mas é exatamente isto que o ser humano tem feito ao longo dos tempos, apropriar-se da cultura do outro, poderia trocar de nome e dizer que o ser humano faz trocas culturais na maioria das vezes. Desde que respeitemos as diferenças culturais um do outro e sejamos sensíveis e humanos nas nossas ações não vejo maldade em usar de elementos ou práticas culturais uns dos outros. A maioria de nós já cantamos músicas em outras línguas, já comemos comidas estrangeiras ou usar produtos que vem de outros países, assistimos e consumimos conteúdos digitais do mundo inteiro, nossos telemóveis e carros são fabricadas no estrangeiro, seguimos as “influencers” digitais e emitamos os seus atos. Em geral nós consumimos a cultura mundial, e estamos criando quase que uma cultura única, e onde não pode haver espaços para os preconceitos.

Também é preciso mencionar sobre alguns africanos, residentes no continente africano que rejeitam os mestiços, ou povos não Bantus como não sendo africanos. Ou consideram que alguém que não tenha as mesmas características estereotípicas de Africano sejam africanos. Já mencionei que o ser africano não depende da genética, por isso é triste também existir esse género de situações, quando África é bastante complexa e diversa. Então eu pergunto quem são os originários? Pois a África é diversa e diferente de Norte ao Sul, de Leste ao Oeste, um Tunisino é diferente de um Egípcio ou de um Etíope ou dos da África do Sul. Não existem povos originários, somos emigrantes, fomos nómadas ao longo da história da humanidade, seja cientificamente ou religiosamente viemos das mesmas origens.   

Outro problema existente a nível mundial, é o não reconhecimento do povo mestiço. Parece que existe uma necessidade enorme de rotular as pessoas, agrupar ou caracterizar de determina forma sem mesmo o questionar sobre o que o mesmo sente que é. Dizer que mestiço é africano é bastante errado, e não sei se não tem fundamentos preconceituosos. Mestiços como já disse são variados e existem nas suas mais diversas formas, no mundo inteiro e não está relacionado a cor da pele. No caso dos mestiços de descendência africana, não tem que ser tratados por negros, sem ao menos questionar se o mesmo se identifica com tal, o mesmo pode identificar-se com Asiático, Europeu, Americano, australiano ou outro. Não é a cor que faz de nós aquilo que somos. Os mestiços que se identificam com África são africanos e devem ser tratados como tal e ter direito as quais condições ou regalias idêntica aos da população em geral.

É preciso terminar com os estereótipos e os preconceitos. As pessoas são e serão aquilo com a qual se identificarem em termos raciais desde que a escolha pessoal não cause danos no próximo.

Até quando vamos compreender que somos aquilo que quisermos ser? Até quando vamos tentar nos segregar pela raça, pela religião, pela política, pela cor, pelo estatuto social? Eu acredito num mundo global e aberto, pois somos todos humanos e não somos os donos desse mundo, pelo que todos devem ser tratados com dignidade, respeito, compreensão e possuir os mesmos direitos. Ser diferente não devia ser um problema, pensar diferente não devia ser uma ameaça, mas sim uma oportunidade.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 828, de 13 de Julho de 2023    

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