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A responsabilidade política não pode ser varrida para baixo do tapete

Por: Fidel Cardoso de Pina

Falar de soberania é falar de nacionalidade. É um aspeto basilar do Estado, do qual as Forças Armadas (FA), numa democracia como a nossa, são um instrumento fundamental não só para a defesa militar da nossa República, em terra, no mar e no ar, mas também para uma cada vez maior projeção externa e de cooperação ao lado de países amigos e aliados face a potenciais ameaças, – ameaças estas cada vez mais disruptivas e imprevisíveis, que incluem conceitos como os de guerra hibrida ou os cada vez mais constantes ataques no ciberespaço e no domínio digital, onde os avanços tecnológicos têm permitido que os Estados, instituições públicas, particulares, empresas e cidadãos guardem e armazenem dados e informações relevantes.

Uma outra missão fundamental das nossas FA, como acontece em tantas outras democracias avançadas, é o apoio às populações e o apoio ao sistema de proteção civil.

As FA, pela consistência que lhes confere a hierarquia, a disciplina, o espírito de corpo, assim como pela capacidade e prontidão com que os seus elementos – os militares cabo-verdianos -, podem atuar nas diversas ilhas e em circunstâncias complexas, multidisciplinares e difíceis, dado o treino e formação que recebem, têm esse prestimoso e essencial papel a desempenhar.

As FA, embora sejam uma instituição antiga na nossa História contemporânea, anterior mesmo ao reconhecimento da Independência Nacional e fundamental para termos atingido esse objetivo de libertação da Pátria, são hoje, no século XXI, principalmente formadas por jovens da minha geração ou mesmo mais novos.

Sem a força da juventude, as capacidades que são conferidas às nossas Forças Armadas pelos homens e mulheres jovens que servem a nossa Pátria, ficariam profundamente lesadas.

Ora, foram jovens militares que perderam a vida no terrível acidente do passado dia 2 de abril, que toda a nação lastimou, quando esse segundo contingente de 31 militares, acorria para o apoio à Proteção Civil, corpos de bombeiros e às populações, que procuravam salvar parte significativa da área consumida pelo incêndio deflagrado no dia anterior no Parque Natural da Serra Malagueta e Figueira das Naus, nesta ilha de Santiago.

Não foram somente jovens cabo-verdianos os 8 militares que perderam a vida. Os restantes 23 militares, uns com ferimentos graves, outros com ferimentos ligeiros, que eram transportados na viatura de transporte geral, também são jovens cidadãos que merecem a nossa solidariedade, máximo respeito e apoio, assim como todas as famílias enlutadas.

Os jovens militares sabem, quando prestam o seu juramento, que têm de estar disponíveis para atuar no terreno e nos teatros de operações até ao sacrifício da própria vida. Mas esse sacrifício supremo nunca pode ser um sacrifício inútil. E a morte ou a incapacitação física num acidente operacional, numa deslocação de serviço ou até mesmo num exercício militar, devem ser a todo o custo evitadas, porque constituem um desperdício total do maior ativo que as FA possuem: os nossos jovens militares que servem nas fileiras, porque, independentemente dos motivos e circunstâncias em que ocorrem, são ceifados pela morte jovens cuja vida inteira tinham ainda pela frente, dentro ou fora do serviço militar.

Foi recentemente tornada pública a informação e conclusões sobre o inquérito instalado pelo Estado-Maior das Forças Armadas às causas desta tragédia e nós saudamos as FA pela diligência e transparência que mostraram neste processo.

Se é verdade que os acidentes acontecem – e que os indicadores parecem comprovar erro de avaliação do condutor, aliás, individuo experiente e capacitado para essa especialidade, também é verdade que se previnem. E as conclusões do inquérito são claras em apontar soluções práticas, que possam prevenir resultados tão funestos em eventuais futuros acidentes.

Ao Governo, e nomeadamente à Ministra da Defesa Nacional, são pedidas responsabilidades. Não o faço somente enquanto jovem Deputado da oposição. Como tive oportunidade de dizer, as áreas de soberania são áreas onde devemos tentar aproximar interesses em redor do superior interesse nacional, e ninguém que seja pessoa de bem procura tirar de uma tragédia como esta qualquer forma de aproveitamento político.

As responsabilidades que peço aqui são uma garantia para o presente e para o futuro das nossas FA. Os jovens cabo-verdianos e as suas famílias, têm de poder confiar, como têm confiado até hoje e estou certo de que continuarão a confiar, no prestígio da nossa instituição militar.

Mas cabe ao Governo e só ao Governo, dotar as FA dos meios necessários que permitem evitar, atenuar ou prevenir acidentes como estes, ou, pelo menos, consequências tão funestas como as ocorridas em abril passado.

O que fez até agora o Governo para permitir às FA dotarem as viaturas de transporte geral de melhores equipamentos e condições de segurança nas carroçarias? O Governo já avançou com dotação orçamental para Equipamentos de Proteção Individual para os militares que sejam transportados neste género específico de viaturas?

E a nível de sistemas de GPS e outros instrumentos de orientação e controle, tão úteis para ilhas com estradas que passam por territórios e caminhos acidentados, como serras, montanhas, declives e outras limitações geográficas potencialmente perigosas, ainda para mais quando se acode a situações de emergência.

O Governo já deu início à recomendação do relatório do Estado-Maior onde se propõe justamente que se equipem as viaturas militares com estes sistemas tecnológicos que facilitam a execução das missões e, no limite, podem auxiliar para que tragédias com esta não ocorram?

Através do relatório, ficámos a perceber que a viatura acidentada em causa, recorreu a reparações recentes em oficinas particulares, privadas. Ora, não é obrigação do Governo dotar as Oficinas Centrais das FA de meios humanos e materiais técnicos especializados que permitam que sejam as próprias Forças Armadas, neste caso as próprias Oficinas Centrais a responsabilizar-se pela manutenção de todos os investimentos, manutenções e reparações feitas nos transportes terrestres militares?

À nação e, penso eu, às próprias FA de Cabo Verde, esta seria mais uma garantia de segurança, para além de permitir a efetiva missão da existência destas Oficinas, a todos isso parece óbvio, menos ao Governo.

Por último, soube-se que o Governo iniciou procedimentos para que as famílias dos 8 jovens militares falecidos recebessem uma pensão de sangue: o Governo pode informar esta Assembleia se estas famílias já se encontram atualmente a receber estas pensões que lhes são devidas?

E em relação aos militares feridos, em particular aos que sofreram ferimentos graves e que, eventualmente, poderão ficar com algum grau de incapacitação para o resto da vida, o Governo não pretende tomar nenhuma medida de apoio concreto? Seria de óbvia justiça.

A confiança nas FA não sai abalada deste trágico acidente. Mas a confiança na tutela política da Defesa Nacional tem necessariamente de aprender uma lição e retirar consequências: é necessário dotar as FA de meios e equipamentos, assim como de condições para a sua manutenção e sustentação, porque se exigimos atualmente e no futuro aos jovens militares que façam, dia após dia, mais e melhor, em prol de Cabo Verde, lembremos a memória dos seus irmãos e camaradas de armas desaparecidos no dia 2 de abril de 2023.

E desejemos sinceramente que o seu sacrifício, sempre lamentável e nunca recuperável, não tenha sido totalmente em vão, fazendo com que o Governo não possa voltar a cara à tragédia ocorrida aos nossos jovens militares, que é o mesmo que dizer que não tem esperança a dar à nossa juventude e às nossas instituições.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 824, de 15 de Junho de 2023

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