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Financiamento do desenvolvimento sustentável e a necessária cooperação fiscal (Parte II)

Por: Pedro Ribeiro

A globalização trouxe benefícios para a nossa economia, inegavelmente. A globalização não é um fenómeno novo, mas o ritmo de integração da economia e mercado nacional tem aumentado exponencialmente nos últimos anos.

A livre circulação de capitais e de mão-de-obra (mão-de-obra qualificada ajuda a construir uma base fiscal mais clara, consistente e com resultados sustentados-, inspira confiança), o deslocamento de centros de produção de países com altos custos para países com baixos custos, a eliminação gradual de barreiras comerciais, os avanços tecnológicos e de telecomunicação, a crescente importância da gestão de riscos (riscos reputacionais, riscos orçamentais, comerciais, climáticos, tecnológicos, financeiros, concorrência fiscal prejudicial, aplicação de clausula anti-abuso nas transações com o SP do Estado não cooperante), bem como da criação, a proteção e a utilização da propriedade intelectual e a inteligência artificial, exercem um impacto considerável na forma como as atividades transnacionais ocorrem.

Efeito da globalização

A globalização fomentou o comércio e aumentou o investimento estrangeiro direto (775.30 Cve-Milhões). Os donativos internacionais recebidos por Cabo Verde aumentaram 258.9% no primeiro trimestre do ano, para 495,1 milhões de escudos (4,5 milhões de euros).

O objetivo de assegurar que os grandes grupos económicos paguem, globalmente, um mínimo de tributação provoca alterações no sistema, já em 2023 e 2024 -, obrigando as empresas a preparem-se para a nova realidade fiscal.

No âmbito do Projeto “BEPS 2.0” da OCDE, relativo à erosão da base tributável e à transferência de lucros, pretende-se assegurar que todas as empresas paguem uma quota-parte justa de imposto sobre lucros (que sejam éticos), tendo sido alcançado um acordo entre 137 países, para aplicação de uma taxa mínima de tributação sobre os lucros de 15%. Portanto, a globalização suporta o crescimento, cria empregos, promove a criatividade e inovação, e tirou milhões de pessoas de uma situação de pobreza.

Economia Digital (comércio eletrónico)

À medida que a economia se tornou mais integrada globalmente, também o fizeram as empresas. As empresas multinacionais representam uma grande parte do PIB, assim como as transações entre empresas representam uma proporção crescente das transações globais (-7369.50).

Esta realidade fez com que os modelos operacionais próprios a cada país cedessem lugar a modelos globais baseados em organizações com estrutura matricial e cadeias de suprimento integradas que centralizam várias funções em escala regional e mundial.

Além disso, a crescente importância do componente de serviços na economia e dos produtos digitais, que frequentemente são comercializados pela internet, permite que os negócios tenham muitas atividades produtivas em locais distantes da localização física de seus clientes.

Estes desenvolvimentos foram exacerbados pela crescente aptidão dos especialistas em planeamento fiscal em identificarem e explorarem as oportunidades de arbitragem legal e os limites do planeamento fiscal aceitável, proporcionado às multinacionais mais confiança para adotarem posições fiscais agressivas.

Estes desenvolvimentos abriram oportunidades para as multinacionais reduzirem significativamente a sua carga fiscal. Tal levou a uma situação de tensão, na qual os cidadãos se tornaram mais sensíveis às questões de justiça fiscal, o que se tornou um assunto crítico para todas as partes interessadas.

A tributação está no cerne da soberania dos países, mas por vezes a interação dos regimes fiscais nacionais leva a lacunas e atritos. Os padrões internacionais têm procurado abordar estes conflitos de forma a respeitar a soberania tributária, mas as lacunas continuam a existir, pelo que se torna necessário identificar as principais dificuldades impostas pela economia digital, no que diz respeito à aplicação das normas tributárias internacionais e desenvolver opções detalhadas para resolver estas dificuldades e obstáculos, em certos casos,  adotando uma abordagem global e considerando tanto a tributação direta quanto a indireta.

Os aspetos a serem observados incluem a capacidade que uma sociedade tem de ter uma presença digital significativa na economia de outro país, sem estar sujeita a impostos, devido à falta de um vínculo sob a égide das atuais normas internacionais, a atribuição de valor gerado pela criação de dados geolocalizados devido à utilização de produtos e serviços digitais, a qualificação dos rendimentos gerados pelos novos modelos de negócio, a aplicação das normas do país de origem e os meios que permitam garantir a cobrança efetiva do IVA, nos casos de fornecimento de mercadorias e/ou serviços digitais.

Estes exercícios implicarão uma análise aprofundada dos vários modelos de negócio neste setor. É possível delimitar o setor digital pra fins de aplicação de normas tributárias distintas, pois os modelos de negócios que envolvem este setor suscitam questões complexas relativas às regras mundiais de tributação (globe rules).

Ação governativa assertiva

A fim de dar um impulso a longo prazo ao mercado e à economia, é fundamental conceder aos jovens empreendedores e potenciais empreendedores acesso ao crédito para apoiar as suas empresas em fase de arranque, desenvolvimento e expansão/modernização.

O apoio e a cooperação com o setor privado pode e deve contribuir para reduzir a pobreza, as desigualdades e o respeito e promover os direitos humanos, as normas ambientais e de segurança, os compromissos em matéria de luta contra as alterações climáticas, riscos tecnológicos e o necessário diálogo social  Sul Sul -, criando um quadro juridicamente vinculativo para as empresas, nomeadamente as empresas transnacionais com um mecanismo de recurso, um quadro regulamentar (que reflita a política de investimento para o desenvolvimento sustentável), bem como a promover os direitos humanos e a plena integração regional – uma ação que impulsione a utilização e a transparência do sistema nacional de contratação pública no âmbito das atividades geridas pelo setor público e ao reforço das autoridades competentes em matéria de concorrência.

Recorde-se que a ajuda pública por si só está longe de ser suficiente para responder a todas as necessidades financeiras do país, por conseguinte, no papel de alavanca do financiamento combinado e das parcerias públicoprivadas (PPP´s) enquanto meio para incrementar o impacto da assistência para o desenvolvimento, atrair financiamento privado e apoiar as empresas locais, pois o financiamento combinado não deve substituir o papel e a responsabilidade dos Estados de responder às necessidades sociais e que deve ser harmonizado com os objetivos de desenvolvimento nacional e os princípios da eficácia do desenvolvimento.

Contribuição da Diáspora

A contribuição positiva dos migrantes para o desenvolvimento do país solicita uma cooperação mais eficaz e inovadora relativa à política de migração- com enfoque para os fluxos financeiros importantes e crescentes que as remessas dos emigrantes da diáspora representam, pois urge a criação de um fundo da diáspora, e que sejam envidados mais esforços para reduzir os custos de transferência de forma a aumentar o impacto sobre o desenvolvimento.

Participação ativa das autoridades locais e da sociedade civil 

Uma maior participação das autoridades locais e da sociedade civil, nomeadamente das ONG de cariz comunitário e com fins lucrativas, e a uma implementação mais inclusiva e responsável na execução das operações (no terreno) e no desenvolvimento de mecanismos de responsabilização, monitorização e revisão, pois é crucial o papel das autoridades locais na aplicação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Novas propostas e instrumentos de financiamento

As definições de propostas de financiamento do desenvolvimento sustentável requerem, a priori, a discussão e ampliação do conceito de forma a contextualizá-lo conforme inúmeras atividades elegíveis, formando uma agenda nacional coesa de práticas que possam ser utilizadas por formuladores de políticas em planos de desenvolvimento (MF-DNP).

Além disso, se torna fundamental o delineamento e a promoção das possibilidades de avaliação de resultados regulares dessas práticas de desenvolvimento sustentável. O maior desafio para a ideia de desenvolvimento sustentável que se quer “vender” é o aumento de suas possibilidades de finance e funding, climate finance, engaging the private sector, integrated national finance frameworks, use of blended finance for development, financing development, impact investing, impact bonds SIB or DIB, designing a blended finance instrument ..“compradores”.

Muitos dos programas e projetos que se caracterizam por promover sustentabilidade padecem de perfis definido (profiling) que permitam a identificação de seus objetivos, a avaliação de suas práticas e a quantificação de seus resultados.

Por um lado, esses problemas partem da própria natureza do desenvolvimento sustentável – muitas vezes com objetivos e resultados difusos, o que dificulta a identificação dos beneficiários finais dos projetos, ações/atividades, orçamentos e impactos, e sem métricas claras –, que apenas o aprofundamento dos estudos (técnicos, viabilidade, impactes, impactos…) pode resolver.

Por outro, o desenho ideal de financiamento sustentável, na maioria das vezes não interessa aos agentes financeiros, designadamente a banca tradicional. Mesmo quando é contemplado, o objetivo do financiamento se reduz a ganhos de reputação e à tentativa de evitar responsabilização legal por danos advindos do financiamento de atividades não sustentáveis, o que acaba por incorporar uma rigidez institucional nos desenhos de mecanismos de crédito que limitam a sua aplicação a diversos projetos de desenvolvimento sustentável.

Neste espírito, torna-se necessário (re)discutir a funcionalidade do nosso sistema financeiro, numa altura em se conseguem lucros imorais (à custa de pandemia da covid-19, elevada inflação, subida de taxas de juros…)

Ademais, faz-se necessário observar e perceber os processos de financiamento e prover novas ideias e novas alternativas de financiamento compatíveis (clara definição de custos e ganhos, incluindo de retornos sociais, ambientais, e de inovação) com o desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, a participação do Estado é fundamental, não apenas no fomento ao estudo (várias fases do PEDS) e no tratamento regulatório que promova a atividade, mas fundamentalmente como agente financiador-, ofertando crédito de maneira a promover mercados específicos e estimular o desenvolvimento de inovações financeiras. Em conclusão, o financiamento público é o meio mais rápido para a promoção da atividade sustentável, já que pode incentivar projetos sem obrigação única de retorno económico, formando inclusive parcerias com agentes privados que estimulem o desenvolvimento sustentável. Entretanto, a OCDE alertou que as condições de mercado se deterioraram com aperto de liquidez nos mercados dos fluxos soberanos, aconselhando a utilização de uma variedade de financiamento para apoiar a liquidez.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 823, de 08 de Junho de 2023

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