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Política

Salários no BCV: Óscar Santos não ganhava menos que nenhum gestor

A indexação dos salários do Governador e administradores do BCV a um vencimento que é definido pelo próprio Conselho de Administração do Banco de Cabo Verde, é questionável e, de certa forma, intransparente. Além disso, não corresponde à verdade que o Governador Óscar Santos auferia menos que qualquer subordinado seu, director, assessor ou consultor.  

Uma vez mais, e desta feita por causa da polémica em torno dos salários e administradores do Banco do BCV, o Governo, através de Ulisses Correia e Silva e Olavo Correia, voltam a faltar à verdade ao país e aos cabo-verdianos. 

Conforme o apurado pelo A NAÇÃO, nenhum gestor (director, assessor ou consultor) do BCV ganhava mais que o governador antes da última actualização salarial, como tentou fazer crer o primeiro-ministro e, logo de seguida, o ministro das finanças e vice-primeiro-ministro.  

Óscar Santos, responsável máximo do BCV, auferia um salário de 335.000$00, enquanto um dirigente do BCV, do último escalão da grelha salarial de funções de gestão, assessoria e consultoria, tem um salário base de 318 mil escudos. Ou seja, uma diferença de 17 mil escudos. 

Mas, com a nova actualização salarial, o vencimento base do governador do BCV disparou para 391 mil escudos. Com isso, agora, a diferença salarial entre Óscar Santos e o gestor do último escalão da grelha salarial do BCV acima referida saltou para 73 mil escudos. 

Contudo, o mesmo não se pode dizer em relação aos administradores que realmente auferiam um salário de 290 mil escudos, muito aquém do vencimento de um gestor do último escalão da grelha salarial do BCV (318 mil escudos). 

Assessores e consultores não são quadro do BCV 

Porém, mesmo diante desse facto, há quem questione a lógica de comparar os salários dos administradores do BCV com os dos directores, assessores e consultores. Porquanto, entre outros aspectos, esses “colaboradores” não integram a carreira do BCV, e por isso podem ser chamados ou nomeados em função das necessidades pontuais do banco. 

Mesmo assim, consoante pudemos apurar igualmente, o último escalão dessa tabela de assessores e consultores funciona como uma espécie de “prateleira dourada” para quadros que já desempenharam altas funções no BCV e que este, pelas mais variadas razões, poder recorrer aos seus serviços e experiência. 

Grelha salarial dos assessores e consultores 

A grelha salarial de funções de gestão, assessoria e consultoria é composta por seis escalões: o primeiro escalão para directores, assessores e consultores prevê um salário de 208,5 mil escudos; 221 mil escudos para o segundo escalão; 239 mil escudos para o terceiro escalão; 260,4 mil escudos para o quarto, 283,7 mil escudos para o quinto; e 318 mil escudos para o sexto escalão. 

Por outro lado, há quem pergunte por que é que esse alagado desfasamento salarial entre o CA e os gestores do BCV não foi resolvido em 2019, quando foram fixadas as remunerações do governador e administradores em todas as suas componentes. Mera desatenção de quem legislou a matéria? 

De igual modo, questiona-se a indexação dos salários dos membros do Conselho de Administração a um vencimento que é definido pelo próprio CA, ainda que aprovado, depois, formalmente, pelo Conselho de Ministros (Governo). Ou seja, ao último escalão da tabela salarial que é aprovada pelo CA, por isso constituir um potencial conflito de interesses. 

Na verdade, pode haver interesse dos integrantes do CA em actualizar os salários dos seus colaboradores (em particular dos seus gestores e assessores), para, com isso, aumentar os salários do Governador e dos Administradores do Banco. Isto, alegadamente, sempre no princípio que não devem auferir menos que esses colaboradores. 

Comissão de Vencimentos ultrapassada 

Por outro lado, com essa indexação deixa de fazer sentido a existência da Comissão de Vencimentos, prevista na Orgânica do BCV, como um órgão externo ao Banco e cuja missão é exactamente fixar os salários (remuneração base e subsídios) dos membros que integram o CA do BCV. 

Agora, com o novo sistema, tudo isso é automático. Isto é, o salário mais elevado é determinado pelo próprio CA, o que, para além de insólito, como afirma um especialista abordado pelo A NAÇÃO, “é muito pouco transparente”, ainda que o Conselho de Ministros (Governo) apareça como a entidade politicamente responsável pela decisão. 

Jogar com as palavras e com os números 

Portanto, uma vez mais, apanhado em flagrante, o primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro decidiram jogar com as palavras de modo a convencer a sociedade cabo-verdiana da bondade dos aumentos verificados no BCV. Tanto mais que a resolução do Conselho de Ministros relativa a esse aumento salarial, publicada no Boletim Oficial, surgiu de forma codificada; foi depois da sua descodificação pelo A NAÇÃO que a verdade acabou por surgir, para o escândalo dos cabo-verdianos (publicar a resolução). 

Na resolução de 2019, que actualizou e fixou as remunerações para os membros do CA do BCV, foram especificados e divulgados os valores em jogo: 365 mil escudos para o Governador e 290 mil escudos para os administradores. Agora, em 2023, foi preciso fazer cálculos para saber o que cada aumento significava realmente: 18,4 por cento para o Governador e 17% para os administradores. 

Ulisses fala em “adequações” 

Ulisses Correia e Silva considerou “normal” a “adequação feita” relativamente aos salários no BCV, porquanto, como disse, não faz sentido que directores e assessores ganhem mais do que os gestores da instituição (ver peça principal). 

O chefe do Governo reagia assim à notícia do A NAÇÃO, da semana passada (nº 838 de 21 de Setembro), que dava conta dos aumentos salariais na ordem dos 17 e 18,4% para Governador e administradores do BCV. Uma notícia que chocou largas camadas da sociedade, ao ponto de a estrutura do MpD na cidade da Praia, se demarcar dela (ver página 8). 

Segundo Ulisses Correia e Silva, a partir de Nova Iorque onde se encontrava a participar na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o BCV “neste momento tem um sistema salarial que coloca directores, assessores, com um nível salarial superior ao governador do banco e administradores” e que por isso o aumento verificado “é compreensível”.

UCS lembrou que no caso das entidades que são “do tipo empresarial, institucional”, como é o caso do BCV, embora sendo pública, “não faz muito sentido que haja uma diferenciação salarial pela negativa, relativamente aqueles que têm responsabilidades acrescidas nas suas funções”. 

Como argumentou, nesse contexto, “é só por causa disso” que se fez a respectiva adequação. “De forma a que não haja uma diferenciação negativa entre os salários daqueles que têm responsabilidades acrescidas de gestão. Estou a falar dos governadores e administradores relativamente aos directores, assessores e consultores. É só esta correcção que foi feita”, concluiu.

Olavo Correia fala em adequação salarial para evitar fuga de quadros 

Com o mesmo argumento de “adequação” salarial, o vice-primeiro-ministro disse, em relação ao aumento salarial na ordem dos 17 e 18% no CA do BCV, que a Comissão de Vencimentos anualmente faz uma análise do contexto interno da instituição e que em função disto fez essa proposta ao Conselho de Ministros.  

“Neste caso concreto, desde 2019 as remunerações do conselho de administração do BCV não vinham sendo actualizadas e tendo em conta as questões internas existentes de remuneração, a Comissão de Vencimentos analisou o contexto por forma a evitar desequilíbrios, desajustamentos e disfuncionalidades “, explicou.

A Comissão de Vencimentos é formada por um membro do Governo, o presidente do conselho fiscal do BCV, indicado ao abrigo da lei orgânica, e um outro elemento indicado pela própria instituição. 

O VPM acrescentou que esse reajuste tem como objectivo evitar que quadros como directores, consultores ou até assessores possam estar a auferir um salário superior aos membros do conselho de administração.

“Entretanto, a proposta da Comissão de Vencimentos é fixar uma remuneração em função do último salário na tabela remuneratória praticada no BCV, por forma a evitar que ninguém possa auferir um salário superior aos membros do conselho de administração “, precisou Olavo Correia, informando que o salário máximo para as funções de direcção, assessoria e técnico consultor é de 318 mil escudos.

“Não podemos ter um administrador ou governador com um salário inferior ao seu subordinado ou colaborador”, frisou o governante, apontando que o aumento dos salários dos administradores e do governador foi para fazer uma correção interna para melhorar a governação do BCV.

Confira na íntegra na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 839, de 28 de Setembro de 2023

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