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Ambiente

Cabo Verde num “mundo em choque climático”

Cabo Verde, à semelhança de outros países, encontra-se em “choque climático”. As alterações ambientais começam a acender o sinal de alerta, com a ocorrência de desastres naturais e vários outros fenómenos. Ambientalistas cabo-verdianos chamam a atenção para o aprimoramento do nosso sistema de proteção civil e educação do cidadão para um ambiente mais saudável. 

O mundo está em alerta climático. A ocorrência de desastres naturais intensificou-se nos últimos meses em vários países e continentes. São cada vez mais comuns os incêndios florestais, as inundações, as secas, mas também os furacões e os sismos, com milhares de mortes pelo meio. A devastação é grande, num claro sinal de que a humanidade não pode continuar a ignorar, por muito mais tempo, a pressão que se vem exercendo sobre a natureza.  

Cabo Verde, pelas suas características e vulnerabilidades, não está imune às tragédias naturais. As variações e alterações climáticas já são sentidas no país que, anualmente, registra um aumento da temperatura de 0,04% (ver xxx). 

À luz do último relatório das Nações Unidas sobre o clima, o ambientalista e presidente da Quercus, Paulo Ferreira, aponta que os riscos climáticos mais prejudiciais para estas ilhas são as secas, as inundações, deslizamentos de terra, incêndios florestais, subida do nível do mar, erosão da zona costeira e das praias, além de epidemias.

Ainda, conforme aquele activista, considerando a pequena e dispersa área geográfica de Cabo Verde, as catástrofes podem assumir proporções que afectam todo o arquipélago, com maior vulnerabilidade nas ilhas rasas (Sal, Boa Vista e Maio), nas zonas agrícolas e florestais e nas linhas costeiras, caso do Paul (Santo Antão), por exemplo. 

“Não se pode falar de imunidade de Cabo Verde a desastres climáticos. Pelo contrário, dada a nossa localização e características das nossas ilhas, pelos poucos investimentos feitos na prevenção desde 1975 a esta parte, a nossa dependência da pesca, agricultura e criação de gado, as construções clandestinas, em zonas mal urbanizadas, em costas marítimas, não nos coloca no melhor das posições”, aponta Paulo Ferreira. 

Por sua vez, o ambientalista e presidente da associação Biosfera, Tommy Melo, acredita que Cabo Verde ainda não sentiu “grande rigor” das alterações climáticas, mas que o país está num “mundo em choque” e que tudo pode mudar de um ano para o outro, como já se verifica com as altas temperaturas e chuvas de período curto e grande intensidade, como está a acontecer este ano.

 “Já começamos a sentir a ameaça de incêndios e tempestades que andam passando ao lado. Entretanto, não podemos deixar de salientar que devido a nossa condição de precariedade económica, com a dependência de apoios internacionais, qualquer evento que afecte severamente o resto do mundo, mesmo que não chegue a Cabo Verde de forma directa, acabará por afectar-nos economicamente”.

De um modo geral, os ambientalistas com quem A NAÇÃO falou são da opinião de que Cabo Verde não está preparado para enfrentar situações extremas. Tommy Melo, por exemplo, menciona os fracos mecanismos de resposta do país para secas ou inundações e de serviços de emergência que, como diz, estão pouco preparados e apetrechados.

Aquele ambientalista aponta os estragos causados pelas recentes chuvas, nomeadamente na ilha do Fogo (São Filipe sobretudo), para ilustrar o despreparo e a fragilidade do país a eventos climáticos intramuros. “As chuvas que ocorreram esse ano, que não podem ser classificadas de intensidade anormal, acarretaram perdas avultadas tanto para o património público, como privado, o que mostra a fragilidade das nossas construções”, afirma.

O Palácio do Governo, que se vê cercado de um mar de água lamacenta quando chove na Praia, segundo Paulo Ferreira, ilustra também a situação em que vivemos, e a gritante falta de escoamento de água e planos de emergências no país também expõe vulnerabilidades, segundo esse ambientalista.

Neste sentido, defende Tommy Melo, a única forma de Cabo Verde se preparar para enfrentar os impactos das alterações climáticas é tomar medidas “precaucionarias sérias”, correr modelos climáticos para identificar fragilidades em termos de infraestruturas e colmatá-las, além de tornar a economia mais resiliente e salvaguardar, de forma responsável, o meio ambiente.

 Paulo Ferreira, por sua vez, aponta que cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), melhorar os programas nacionais e “ser mais ousado” nos próximos programas a apresentar nas ambições 2030 ou 2050 e ser “melhores servidores públicos e cuidadores da natureza”, como pontos essenciais para colmatar as alterações climáticas e as suas consequências no país.

 “O arquipélago enfrenta graves desafios de adaptação associados, entre outros, à escassez de recursos hídricos, à segurança alimentar e energética, perda de meios de subsistência e migração forçada. Deste modo, o desenvolvimento sustentável e a implementação da resiliência sócio ecológica dentro dos limites planetários são uma questão não só de escolha política, mas também de sobrevivência”, considera.

De facto, o mundo está em choque ambiental, tanto mais que, segundo o secretário geral da ONU, António Guterres, o planeta deixou de estar em aquecimento global e passou à fase de ebulição, dada a emergência climática mundial. O ano de 2023 tem sido considerado o segundo ano mais quente da história e a ocorrência de desastres naturais têm sido frequentes. As elevadas temperaturas cada vez mais frequentes, inclusive em Cabo Verde, são sinais do que ainda poderá estar a caminho a nível do Planeta. 

ONU alerta para impactos das alterações climáticas em Cabo Verde

O último relatório das Nações Unidas sobre o ambiente (NDCE) indicam que a temperatura em Cabo Verde tem aumentado desde 1990, cerca de 0,04% por ano, seguindo as projecções mundiais que dão conta de um aumento de 1ºC até 2030.

O documento avança que a definição de grupos vulneráveis face às mudanças climáticas, bem como as ligações entre o género, a política e o planeamento climático ainda não estão suficientemente estabelecidas ou institucionalizadas em Cabo Verde. 

Nos termos do relatório das Nações Unidas (2022), os efeitos das mudanças climáticas já são visíveis, tendo um impacto maior nas mulheres e nos grupos vulneráveis e aumentando os riscos associados à segurança alimentar, impacto reforçado dos eventos climáticos extremos e perdas de Biodiversidade. 

Em Cabo Verde, o relatório destaca as secas, a apanha de areia, problemas de adaptação de pessoas com deficiências, a contaminação riqueza marinha, áreas verdes, fertilidades dos terrenos como as principais alterações provocadas pelas mudanças climáticas. 

Mundialmente, os resultados mostram, também, uma redução da precipitação média anual de cerca de 2%, uma extensão temporal da estação seca, com uma maior probabilidade de secas, e um encurtamento da estação chuvosa, com uma concentração de chuvas fortes e localizadas num curto período de tempo, causando elevada descarga e escoamento de água e a erosão do solo.

Cabo Verde faz parte desde 1995 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) que tem estudado e monitorizado estas vulnerabilidades climáticas. Cabo Verde compromete-se a descarbonizar a sua economia, reforçando a resiliência do país e adaptando os sectores da atividade humana aos efeitos nocivos das mudanças climáticas.

 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 840, de 05 de Outubro de 2023

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