PUB

Política

Defesa Nacional: Certificação do avião da Guarda Costeira gera mal-estar no meio castrense

O avião militar King Air 360ER, encomendado pela Guarda Costeira, só chega daqui a seis meses, mas o processo da sua certificação já está a gerar mal-estar. A ministra Janine Lélis decidiu que a certificação deve ser feita com a intervenção da AAC, chocando com o decreto-lei nº 67/2018, que atribui à GC essa competência. 

A ASA, mediante aval do Governo, celebrou um contrato para a compra de uma aeronave de modelo King Air 360ER, nos Estados Unidos da América. Mas o avião será entregue à Guarda Costeira para serviços de vigilância da vasta zona económica exclusiva de Cabo Verde, além de outras missões. Acredita-se que em seis meses a referida aeronave estará no país, depois de vários anos sem esse serviço. 

O aparelho foi concebido para operações militares, que compreendam missões de MEDEVAC (nacional e internacional), ISR (Intelligence, surveillance and reconnaissance), fiscalização e patrulhamento marítimo. 

Por isso, a informação avançada pela ministra da Defesa, Janine Lélis, de que o avião será certificado com a intervenção da Agência de Aviação Civil (AAC) apanhou os meios castrenses de surpresa. Isto tendo em conta a existência do decreto-lei nº 67/2018, que atribui essa competência à própria Guarda Costeira e não à AAC, entidade vocacionada para lidar com a aviação civil e comercial. 

“Percebe-se menos ainda, tendo em conta que, que a aeronave foi fabricada de acordo com os requisitos e necessidades das Forças Armadas e do país, para operações militares e missões do Estado, sob uma certificação militar”, realça uma fonte do A NAÇÃO.

Para o nosso interlocutor, tudo aponta que o que se quer fazer agora é transformar o aparelho militar em avião civil, tendo em conta que, ao ser certificado pela AAC, passará a ter o registo CV-CAR Cabo Verde Civil Aviation Regulations), ou seja, regulamentação civil. 

De referir, a Convenção de Aviação Civil Internacional, conhecida também como convenção de Chicago, da qual Cabo Verde é um Estado membro, exclui cerificações de aparelhos militares. Essa Convenção diz claramente que a mesma será aplicável unicamente a aeronaves civis e não a aeronaves do Governo: “São consideradas aeronaves de propriedade do Governo aquelas usadas para serviços militares, alfandegários ou policiais”. 

“Cabe-nos perguntar a Sra. Ministra da Defesa e ao próprio Chefe de Estado Maior se as Forças Armadas se com quadros oriundos das Forças Aéreas de países amigos não seria possível conduzir a certificação de uma aeronave militar para operações de carácter militar nacional”, interroga o nosso interlocutor. 

Este lembra, a propósito, a existência do Decreto-Lei nº 67/2018 que confere às FA a competência do Serviço de registo aeronáutico militar, emissão de certificados da aeronave, poder de supervisão e regulamentação, certificação de material, equipamento e pessoal aeronáutico militar. 

Ademais, recordam as nossas fontes, que, no passado, as aeronaves do Estado com registo militar tinham certificado de aeronavegabilidade emitidos pela própria Guarda Costeira. 

Violação da lei 

A decisão de Janine Lélis colide com um memorando de Abril de 2012, a que A NAÇÃO teve acesso, onde a própria AAC, mediante um parecer jurídico, concluía que não cabia nas suas atribuições qualificar ou aprovar aeronaves operadas pela Guarda Costeira e, consequentemente, cobrar taxas por estes serviços. “A Autoridade Aeronáutica não dispõe de competência para regular e supervisionar as actividades da Guarda Costeira”, afirma-se.  

Por outro lado, o Decreto-Lei nº 68/2018, de 20 de Dezembro, diz taxativamente que o facto de a AAC ter supervisionado e fiscalizado, no passado, as operações da Guarda Costeira, limitava e condicionava a autonomia e liberdade desse ramo das FA, “na sua missão fundamental de defesa da soberania e garantia da segurança do Estado”.  

“Convém salientar que a Guarda Costeira está incumbida da defesa e proteção dos interesses económicos do país no mar sob jurisdição nacional e ao apoio aéreo e naval às operações ‘militares’ terrestres e anfíbias. Assim, infere-se que não cabe nas atribuições da AAC qualificar ou aprovar aeronaves militares operadas pela Guarda Costeira”, salienta o diploma.

Para evitar uma “lacuna” existente no ordenamento jurídico cabo-verdiano, o Governo criou, através do referido Decreto-Lei, um serviço de registo integrado na Guarda Costeira, atribuindo-lhe competência para a organização e conservação do registo das aeronaves de militares, suas partes e componentes. Este serviço fica, igualmente, encarregue da certificação do pessoal navegante militar. 

Ministério da Defesa diz que GC não pode ser operador e regulador ao mesmo tempo

O director nacional de Defesa, tenente-coronel Domingos Correia, por ordem da ministra Janine Lélis, considera que a Guarda Costeira, na qualidade de operadora, não pode ser entidade reguladora da actividade aeronáutica. Isto a propósito de o Ministério da Defesa ter remetido para a ACC na certificação do avião militar King Air 360ER.  

“Uma coisa é a certificação da aeronave e outra coisa estamos a falar do processo de registo e certificação”, realçou aquele oficial superior, reconhecendo que existe neste momento uma Lei de registo, mas que, no entanto, é preciso criar uma autoridade aeronáutica militar. 

Confrontado com o Decreto-Lei 67/2018 que confere às FA a competência do Serviço de registo aeronáutico militar, emissão de certificados da aeronave, poder de supervisão e regulamentação, certificação de material, equipamento e pessoal aeronáutico militar, e com o facto de, no passado a GC ter feito certificação de aeronaves militares, o tenente-coronel Domingos Correia afirma que não há mudança de posição, mas sim uma evolução.  

“Estamos a seguir as práticas recomendadas a nível internacional”, realçou. “Isto não significa que a aeronave vai permanecer com o registo ou certificação civil. Neste momento é necessário o envolvimento da AAC, porquanto é o que nós temos em Cabo Verde”. 

O director nacional de Defesa admite, no entanto que, do ponto de vista militar, “ainda temos lacunas: faltam documentos que estão a ser trabalhados para que possamos criar a tal autoridade que, por sua terá que criar uma panóplia de legislação que serão implementados no âmbito militar”.    

 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 845, de 09 de Novembro de 2023

PUB

PUB

PUB

To Top