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Cabo Verde 2022: Stock oficial da dívida pública em 127,2% do PIB estimado, apesar da forte ajuda do “rebasing” e da inflação

Por: Carlos Carvalho

De acordo com dados publicados no relatório provisório das contas do Estado de janeiro a dezembro de 2022, do Ministério das Finanças, Cabo Verde fechou 2022 com um stock total da dívida pública de 295.444 milhões de escudos (ecv). 

Em termos homólogos, o stock da dívida pública aumentou 5,4% face a dezembro de 2021.

No final de dezembro de 2022, a dívida pública contraída internamente, no valor de 90.897 milhões ecv, correspondia a 30,8% do total, enquanto a dívida externa, no montante de 204.544 milhões ecv, equivalia a 69,2%. 

Relativamente ao PIB estimado para 2022, a dívida interna valia o equivalente a 39,1%, enquanto a dívida externa o correspondente a 88,1%.

Já o serviço da dívida – encargos com amortizações e juros de dívida interna e externa – custou ao país cerca de 26.461 milhões ecv em todo o ano de 2022, uma subida de 19,3% relativamente a 2021. Em relação ao PIB do ano, o serviço da dívida situou-se em 11,4%, sendo 2,3% para juros e 9,1% para o capital.

Só em juros, Cabo Verde pagou globalmente, pela dívida pública, no ano transato, quase 5.336 milhões ecv, um incremento de 27,7% comparativamente a 2021.

O agravamento do custo do serviço da dívida é explicado no documento, nomeadamente pela variação cambial e pelos efeitos do fim das moratórias aplicadas por países credores ao serviço da dívida, devido aos efeitos económicos da pandemia de Covid-19.

Note-se que os dados relativos ao stock da dívida pública apresentados pelo Governo (stock oficial) não incluem as responsabilidades decorrentes da extinção dos TCMFs e da subsequente transferência das suas contrapartidas para o Fundo Soberano, bem como determinados passivos contratados junto ao FMI, cujo valor poderá ascender a milhares de milhões ecv. De igual modo, não incluem certos passivos contingentes (avales e garantias concedidos pelo Estado) que, conforme as boas práticas internacionais, teriam de ser considerados.

Caso abrangesse as situações suprarreferidas, o stock da dívida aumentaria em vários milhares de milhões ecv e o seu peso no PIB também subiria em largos pontos percentuais. Porém, no presente artigo, consideramos apenas o stock oficial da dívida pública.

O stock da dívida pública atingira, no final de dezembro de 2021, um recorde de 280.332 milhões ecv, equivalente a 157,1% do PIB do ano (estimado), depois dos 155,6% em 2020, devido aos efeitos económicos da pandemia de Covid-19.

O Governo pretendia, inicialmente, baixar o stock da dívida pública para 150,9% do PIB em 2022, conforme previsto no Orçamento do Estado de 2022.

Segundo os dados oficiais, o stock da dívida pública ultrapassou, no final de junho de 2022, os 293.475 milhões ecv, na altura um novo valor máximo absoluto. Esse stock equivalia a 152,2% do PIB então estimado para 2022. 

A partir de julho de 2022, começou-se a observar uma queda nas estimativas do peso da dívida pública no PIB, queda essa justificada, basicamente, com o “rebasing” (redimensionamento) da base da estimativa do PIB, face às novas estimativas e previsões de crescimento económico.

Com efeito, conforme uma Nota de Esclarecimento, publicada pelo Governo no dia 12 de agosto de 2022, a atualização em baixa dos rácios da dívida pública face ao PIB, tem a ver com o facto de o INE ter levado a cabo “um exercício em que utilizou um novo ano base para o cálculo do PIB (ano de 2015), mediante o qual foram atualizados todos os dados publicados anteriormente, até 2017.” 

Como consequência dessa atualização, verifica-se uma diferença (para mais) entre o PIB nominal calculado com a nova base e a base antiga (ano de 2007), tendo o valor do PIB nominal de 2015 passado de cerca de 158.700 milhões ecv (antes do “rebasing”) para cerca de 174.000 milhões ecv (depois do “rebasing”). Esta alteração de metodologia teve impacto no rácio dívida pública/PIB, provocando a sua redução, de cerca de 126% para cerca de 115%, em 2015.

Em face disso, o Governo, em agosto de 2022, reviu em baixa a previsão do rácio dívida pública/PIB para 2022, de 151,8% para 138,1%.

No entanto, com a significativa ajuda da inflação e a estimativa apontando para um forte crescimento da economia em 2022, em 17,7%, o peso da dívida pública no PIB do ano (estimado) é de 127,2%, que compara com o rácio de 142,4% em 2021. 

Saliente-se, para além do “rebasing”, o enorme contributo da inflação na redução do rácio divida pública/PIB. Com efeito, para o cálculo da dívida pública em percentagem do PIB, utiliza-se o valor nominal do PIB divulgado pelo INE, isto é, o valor do PIB sem ser corrigido pelo deflator, a partir do qual se encontraria o valor real do produto. Neste quadro, quanto mais elevada for a taxa de inflação, maior é o valor do PIB nominal. Tal qual para a arrecadação fiscal, também aqui a inflação é benéfica para as contas públicas. 

Assim, considerando os ganhos obtidos com o “rebasing” do PIB, cerca de 15.000 milhões ecv, bem como a elevada taxa de inflação registada em 2022, cerca de 8%, podemos estimar que, sem isso, o rácio dívida pública/PIB seria em pelo menos 10 pontos percentuais superior aos 127,2% estimados para 2022, ou seja, o rácio seria superior a 137,2%.

Seja como for, a percentagem da dívida pública no PIB equivalente a 127,2% é ainda um valor muito elevado e continua representando um peso fortemente limitador do desenvolvimento do país. Basta lembrar que, nos últimos anos, do total dos impostos que os cabo-verdianos pagaram, mais de metade foi para o pagamento do serviço da dívida. Trata-se de um valor insustentável, já que é praticamente igual ao somatório dos valores gastos com a Educação, Saúde, Habitação e Desenvolvimento Urbanístico e Proteção Ambiental.

E, como escrevi num outro artigo sobre a dívida pública, caso tal situação persista, o Estado, paulatinamente, deixará de desempenhar, de forma necessária e desejável, funções elementares de educação, cuidados de saúde, proteção social e segurança. Cabo Verde poderá, também, correr o risco de “default” (incumprimento). 

Por outro, recentemente, foi noticiado pelo semanário Expresso das Ilhas que o presidente do BIDC – Banco de Investimento e Desenvolvimento da CEDEAO, George Donkor, terá afirmado que para atrair recursos concessionais para avançar com o processo de desenvolvimento, Cabo Verde precisa reduzir o peso da dívida pública no PIB.

Donkor terá feito esta recomendação, no dia 28 de abril pp., durante o painel “Parcerias Estratégicas para o Desenvolvimento Sustentável: Novos Paradigmas”, na conferência internacional de parceiros, realizada em Cabo Verde.

Como já referido, em 2022 o rácio dívida/PIB era de 127,2%, o que, segundo Donkor, é muito alto.

“É importante para as autoridades trabalharem para reduzir este rácio dívida/PIB para melhorar a notação financeira do país. Melhorar o ‘rating’ de crédito, significa ter acesso a melhores condições de financiamento e também acesso aos mercados regionais, que, por sua vez, permitam ter acesso ao mercado internacional para financiar a agenda de desenvolvimento”, explicou.

“Assim, em primeiro lugar, devo mencionar o facto de que Cabo Verde para atrair recursos concessionais tem de melhorar a sua credibilidade e a notação de crédito, pois a Agência de notação financeira Fitch avaliou Cabo Verde como B-, de acordo com os dados de 2022”, apontou. Recorde-se que B- significa que a dívida é considerada “lixo”. Ou seja, a Fitch entende que há uma probabilidade significativa de “default”.

Uma forte capacidade de gestão pode aumentar a transparência da dívida, minimizar os perigos contingentes, mitigar os riscos de uma rápida acumulação de dívida e fortalecer a estabilidade macroeconómica global. Estabelecer uma gestão sã e aumentar a transparência vai garantir que o Governo consiga endividar-se quando precisa e de forma sustentável, incorporando as necessidades financeiras nos objetivos macroeconómicos de desenvolvimento de Cabo Verde a longo prazo.

Praia, 14 de maio de 2023

*Doutor em Economia

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