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Cultura

Carnaval Praia: Deusa do Amor Sem Fronteiras regressa com “alma e coração” na contracorrente das desigualdades

A uma semana do Carnaval 2024, “Deusa do Amor Sem Fronteiras”, um dos cinco grupos oficiais da Praia, promete “alma e coração”, navegando contra a “maré das desigualdades sociais”. Da Achada Santo António para Avenida Cidade de Lisboa o bloco terá mais de 200 foliões e perspectiva um desfile “inclusivo”, tendo na linha da frente uma rainha de bateria vinda do Mindelo. 

Depois de três anos sem desfilar (dois por causa da covid e um devido ao falecimento do seu fundador Luís Tolentino), Deusa do Amor sem Fronteiras, da Achada Santo António, regressa este ano à avenida Cidade de Lisboa, na terça-feira, 13 de Fevereiro, para mostrar a sua arte e folia. 

Na Achada Santo António, A NAÇÃO conversou com a responsável do grupo, Maria da Luz Oliveira, que antes dos detalhes frisou que, “ao contrário do que se pensa”, Deusa do Amor Sem Fronteiras “é um grupo activo que só esteve ausente no desfile de 2023”, tendo em conta o falecimento do seu fundador, Luís Tolentino. Também reivindica o título de ser o bloco mais antigo da Praia (ver caixa). 

 “Em memória do nosso fundador que faleceu em 2022, vítima de covid-19, optamos por não desfilar em 2023. De resto, em 2021 e 2022, não houve desfile por causa da pandemia”, explica a nossa entrevistada referindo-se à redução da verba por parte da Câmara Municipal da Praia (CMP). 

“Reduziram a nossa verba de 500 para 350 contos, em relação aos outros quatro grupos oficiais. Neste momento, estão a rever a situação e o próprio presidente, Francisco Carvalho, disse que não tinha conhecimento disso. Achavam que éramos um grupo inactivo”, esclarece.

Navegando contra a maré das desigualdades

Deusa do Amor sem Fronteiras conta levar para a Avenida Cidade de Lisboa o tema “desigualdade social”, prometendo “navegar contra a maré das desigualdades”. Isto, com base num trabalho de terreno que, segundo Maria da Luz, apontam essa como sendo uma das questões mais fulminantes da actual socidade cabo-verdiana. 

“Neste carnaval, pretendemos mostrar o nosso mar e céu azul, as virtudes de Cabo Verde. Por meio disso, queremos também mostrar os monstros sociais que desequilibram a nossa balança da sociedade, por exemplo, o egoísmo e as diferenças”, explica.

 Nesta perspectiva, o grupo tem entre as alas, a dos professores que vai chamar a atenção para os problemas da classe, assim como um grupo de arco íris da LGBTQI+, contra a discriminação existente na sociedade cabo-verdiana. Com mais de 200 foliões, pessoas de diferentes esferas sociais, Deusa do Amor Sem Fronteiras promete um carnaval inclusivo.

 “Fazemos a questão de incluir pessoas com limitações, nomeadamente, surdos-mudos, invisuais, os marginalizados, os injustiçados, etc. São pessoas de todos os bairros, de diferentes esferas sociais”, adianta.

Rainha de bateria: Rebolar ou sambar?

Para a presidente do Deusa do Amor Sem Fronteiras, a festa do Rei Momo tem a ver com alma e coração. “Em termos psicológicos, de um lado temos pessoas que convidamos para o desfile e que mostram o entrave, por exemplo vergonha da sua aparência. Do outro lado, temos jovens, sobretudo meninas, com necessidades de se mostrarem fisicamente. Querem mostrar pernas, barriga, etc. Reparamos aqui um desvio cultural, social e mental refletido no carnaval”, explica.

Nesta perspectiva aponta a dificuldade que o seu grupo teve para encontrar uma rainha de bateria na cidade da Praia, tendo “importado” esta figura a partir de São Vicente.

“Existe uma tendência para confundir o ‘rebolar’ com o ‘sambar’. Conseguir uma porta bandeira foi mil vezes mais fácil que encontrar uma rainha de bateria. Esta foi a maior dor de cabeça do nosso grupo. Tive que ir buscar uma rainha de bateria em São Vicente, o que acabou por sair mais caro, financeiramente, mas era necessário”, explica.

“Rainha de bateria não tem nada a ver com a sensualidade e sexualidade como se pensa. Fazer esta confusão seria a mesma coisa que confundir horizontes com cores”, aponta.

Corrida conta o tempo

E sobre outros desafios, Maria da Luz Oliveira diz que, à semelhança dos demais grupos, também o Deusas do Amor Sem Fronteiras está numa corrida contra o tempo, tendo em conta a demora dos subsídios.

“Quando o montante é disponibilizado com antecedência, conseguimos os materiais em melhores preços e melhores qualidades. Nós recebemos o dinheiro numa altura em que as outras ilhas já tinham terminado as compras dos materiais a grosso. Assim, ficamos com menos opções”, conta.

Entretanto, a acreditar que é uma pessoa mais focada em soluções do que nos problemas, a nossa entrevistada defende, por outro lado, que os grupos devem criar mecanismos próprios de angariação de fundos para não depender unicamente do apoio que é dado, quer pela CMP, quer do Ministério da Cultura ou de outras instituições. “Só assim o carnaval na Praia poderá evoluir”, defende. 

De grupo de carnaval para associação

Não só pelo enredo do carnaval deste ano – “Desigualdade Social” –, mas também porque trabalha a vertente social, ao longo do ano, que o grupo Deusa do Amor Sem Fronteiras, com mais de duas décadas de existência, pretende evoluir para uma associação.  

“Estamos a trabalhar agora com o nome ‘Associação Grupo Escola de Samba, Deusa do Amor Sem Fronteiras’. Preferimos preservar este nome, sendo o primeiro grupo de Carnaval da Praia. Sei que outras pessoas vão discordar, mas eu vivi com Luís Tolentino, fundador do grupo, portanto sei do que estou a falar”, salienta Maria da Luz, actual presidente.

A nossa entrevistada diz que foi com Luís Tolentino que aprendeu muitas coisas do carnaval, embora tenha laços sanguíneos de grandes fazedores do Carnaval de São Vicente. 

 “Sou sobrinha do Kakoy, o homem que deu nome ao prémio para o carnaval espontâneo em São Vicente. Desde pequena que estou ligada a esta área que hoje pretendo ajudar a desenvolver, com corpo e alma”, salienta.

Para a nossa entrevistada, um dos aspectos para melhorar a qualidade do Carnaval na cidade Capital seria a criação da liga para regularizar as actividades, à semelhança da que existe em São Vicente. Entretanto, para o sucesso desta organização, a criar, defende que “nenhum dos responsáveis dos grupos oficiais deve ser presidente”.

Para o desfile de terça-feira,13, Deusa do Amor Sem Fronteiras será o primeiro grupo oficial a entrar na avenida. E Maria da Luz Oliveira espera cativar o público com muito brilho, folia e surpresas em cada detalhe, daí esperar um desfile concorrido e com muita assistência. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 858, de 08 de Fevereiro de 2024

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