PUB

Cultura

São Vicente/Março mês do teatro: Em fase “pobre e incipiente” agentes pedem profissionalização

Março Mês do Teatro, em São Vicente, deixou de ter o brilho de outrora. Cansados, actores, encenadores, técnicos de som e de iluminação, ouvidos pelo A NAÇÃO, entendem que o estado desta arte está a passar por uma fase “muito pobre e incipiente”. Os mais cépticos dizem, inclusive, que, por falta de apoios, o entusiasmo à volta do teatro em São Vicente morreu. 

As actividades realizadas durante “Março Mês do Teatro”, em São Vicente, foram, ao longo dos últimos anos, coordenadas pela Associação Teatral Mindelact, depois de os grupos apresentarem os seus projectos para serem integrados na programação, altura em que a cidade do Mindelo se abria para o teatro, com novos espectáculos, inclusive de rua. Este ano notou-se o afastamento do Mindelact, alegadamente, por razões de ordem interna. 

Zenaida Alfama

Zenaida Alfama, da direcção da associação, admitiu ao A NAÇÃO que neste momento se está a preparar a eleição de novos órgãos sociais e que isso deverá acontecer no dia 16 de Março, durante uma Assembleia Geral. Este facto, como diz, “implica a que a Associação esteja neste momento inoperante”. 

Os grupos, por seu turno, afirmam que não podem aventurar-se demasiado, neste ano, tendo em conta que era a Associação é que, até aqui, assumia o aluguer das salas de espectáculos, à volta de 15 contos, além de outras despesas com a iluminação e o som.  

“Fraco, muito fraquinho”

Edilson “DI” Fortes, considerado um dos mais criativos do teatro mindelense, lamenta a ausência de uma programação mais rica para esta edição de “Março mês do teatro”, em comparação com o que já existiu no passado, altura em que chegou a haver à volta de 20 grupos a encenarem os seus trabalhos. Este ano, como desabafa, tudo está “fraco, muito fraquinho”. 

Do ponto de vista deste actor e professor de teatro, o programa deste ano ressente-se das discordâncias e desavenças internas por que vem passando a associação que corporiza o Mindelact, com a desmotivação da grande maioria da comunidade teatral, entre outros sinais. 

De 30 grupos para menos de meia dúzia

Patrícia Silva

Patrícia Silva é um outro nome conhecido do teatro mindelense, além de professora desta arte, dona da sua própria escola, a “Xpressá”, um projecto de “Educação Alternativa”. Como conta, das pesquisas realizadas de 2013 a 2015 para a defesa da sua tese universitária, apercebeu-se da existência, nesse período, de 30 grupos de teatro em São Vicente. Um momento que considera “profícuo” em termos de propostas artísticas, no pressuposto de que havia, pelo menos, “trinta visões diferentes” da forma de se apresentar e fazer o teatro no Mindelo. Hoje, nas suas contas, o número caiu para meia dúzia, se tanto. 

No entanto, apesar desse recuo, Patrícia diz não concordar com a ideia da “decadência do teatro” em São Vicente. Aceita, quando muito, “falar numa fase menos boa em termos de quantidade de grupos e de propostas”. 

E avança com o seguinte diagnóstico: “O principal problema é a falta de profissionalização dos artistas. As pessoas têm de procurar um outro sustento de vida para depois fazerem teatro, o que torna a vida do artista extremamente difícil”. 

Muitos tubarões 

Teatro, no entender dessa activista cultural, não pode ser apenas um “hobbie”, mas um “trabalho complexo”, por tudo o que envolve. “Muitos talentos acabam por abandonar, alegando que o mundo artístico é muito difícil, há muita competição e existem muitos ‘tubarões’, muita desigualdade na distribuição de recursos, e inexistência de parceiros sólidos, acabando por restar apenas os mais persistentes”. 

A isso acrescenta-se a inexistência de uma política definida e clara em relação à arte, ou à cultura, no seu todo, dizendo não entender o facto de as autoridades, nacionais e locais, “não se terem apercebido ainda de que a arte é importante para a sociedade e para as pessoas”.  

No seu caso, pressentindo a perda de entusiasmo à volta de Março Mês de Teatro deste ano, esta entrevistada do A NAÇÃO revela que propôs ao seu grupo e à escolinha de teatro que dirige no sentido de fazerem algo. Disso surgiu a exposição “Universo Criativo do Di Fortes”, “Pari”, a ser inaugurada amanhã, 01 de Março, organizada pela “Xpressá”. 

A exposição vai ser complementada, no sábado, 02, com o workshop “Pari pa mnin”, onde o Di Fortes irá estimular as crianças a criarem as suas próprias peças usando a mesma metodologia que ele utiliza na criação e apresentação dos seus trabalhos.  

Nova largada 

Zenaida Alfama, prémio mérito do teatro do ano passado, pertence ao Centro Cultural do Mindelo, dirigente do Mindelact e tem um grupo de teatro denominado de “Morabeza”. Este apresenta uma temporada nas escolas na qual irá procurar sensibilizar o público à volta da sexualidade e prevenção das crianças em relação à violência sexual. 

Também Zenaida Alfama, admite que as propostas deste ano, se comparadas com os anos anteriores, são muito poucas. Ainda assim, afirma-se esperançada que já no próximo ano haverá “uma nova largada”. 

“O teatro em São Vicente está morto” 

Ricardo Fidalga

Ricardo Fidalga, outro actor e nome sonante do teatro em São Vicente, conta subir ao palco no dia 9, com um “stand up comedy”, no Centro Cultural do Mindelo, neste caso uma remontagem de um espectáculo de comédia que o grupo “Alaim” estreou há sete anos. Adianta também que vai estar com Cristhian Fortes, também no sábado, no CCM, enquanto convidados do Jailson Miranda na apresentação da sua peça. 

Diante dos problemas crescentes, sem solução à vista, Fidalga é categórico: “O teatro em São Vicente está morto, sobretudo se quando comparado com o que se fazia há cinco anos”. 

Fidalga critica a falta de sustentabilidade no teatro mindelense, uma vez que a tendência é deixar de trabalhar por “amor à camisola”. Uma outra grande dificuldade, como salienta, reside “na falta de espaço e locais de ensaios e de apresentação das peças”.

 

 

 

 

 

João A. do Rosário

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 861, de 29 de Fevereiro de 2024

PUB

PUB

PUB

To Top