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Cabo Verde perante o drama de destruição líquida de emprego e de nível preocupante do desemprego e inatividade entre os jovens

Por: João Serra*

No mundo atual, fruto das crises económicas cíclicas, o desemprego e a precariedade laboral tornaram-se um cenário comum e quotidiano nas nossas sociedades. 

Todavia, essa situação não retira o sentido de negatividade para os indivíduos que estão involuntariamente distanciados do trabalho. 

Estudos apontam que o trabalho continua tendo uma importância central na formação das pessoas e que é quase impossível pensar o ser humano desconsiderando a dimensão do trabalho.

Assim, o desemprego não implica somente perdas materiais, mas sim a perda de um sentido de vida, na medida em que proporciona o surgimento de sofrimento nos sujeitos que vivenciam essa situação. 

Os grupos mais vulneráveis ao desemprego são, por um lado, os jovens que, por causa da ausência do trabalho, poderão não conseguir adquirir a sua dignidade correndo o risco de exclusão social e,  por outro lado, os desempregados de longa duração, para os quais o desemprego significa, na maioria dos casos, um grande sofrimento, dos próprios e da sua família.

Por causa das suas consequências, o desemprego tem vindo a ser considerado como um dos maiores problemas sociais da atualidade.

Também em Cabo Verde, o desemprego, sobretudo de jovens, é um dos principais problemas da sociedade. Tende a ter uma natureza estrutural, que advém da incapacidade do tecido económico nacional gerar empregos suficientes, nomeadamente dados os recursos e a tecnologia existentes.

O Governo, saído das eleições legislativas de 2016 e cujo mandato foi renovado em 2021, prometera criar 45.000 postos de trabalho durante o primeiro mandato. No entanto, tratou-se de uma promessa não cumprida. E a culpa não pode ser atribuída apenas à pandemia de Covid-19, que só chegou no último ano do mandato anterior, 2020. 

De facto, durante quase quatro anos de funções, isto é, de 2016 a 2019 o Governo apenas tinha criado 11.859 empregos, ou seja, cerca de um quarto dos 45.000 prometidos para os cinco anos de legislatura. Ao que tudo indica, mesmo sem a Covid-19 e os anos de seca relativamente mais acentuada, não seriam criados sequer metade dos postos de trabalho a que o Governo se comprometera.

Entretanto, a economia teve, entre 2021 e 2022, um crescimento económico acumulado de 25,7%, mais que anulando toda a perda de produção de riqueza ocorrida em 2020, -19,3%. 

Não obstante isso, entre 2016 e 2022, houve uma destruição líquida de cerca de 16.500 postos de trabalho quando comparado com 2015, conforme se pode ver no quadro abaixo.

Mercado de Trabalho

2015 2022 Variação

2022/2015

População Ativa 222.085 202.436 -19.649
Empregada 194.485 178.016 -16.469
Desempregada 27.599 24.420 -3.179
População 

em Idade Ativa

380.995 352.494 -28.501
Taxa de 

Atividade (%)

58,3 57,4 -0,9 p.p.
Taxa de 

Ocupação (%)

51,0 50,5 -0,5 p.p.
Taxa de 

Desemprego (%)

12,4 12,1 -0,3 p.p.

Fonte: INE

Nota: p.p. – pontos percentuais

Com efeito, segundo os últimos dados oficiais – resultantes do Inquérito Multiobjectivo Contínuo (IMC) do INE – em 2022, a população desempregada foi estimada em 24.420 pessoas, correspondente a uma taxa de desemprego em 12,1%. Por sexo,  a taxa de desemprego entre os homens é de 10,3% e entre as mulheres é de 14,0%. 

O subemprego, ou seja, o número de empregados que trabalharam menos de 35 horas semanais e que declararam estar disponíveis para trabalhar mais horas caso tivessem encontrado uma outra atividade, totalizou os 22.449 indivíduos. A taxa de subemprego fixou-se nos 12,6%, tendo o meio rural apresentado a maior taxa de subemprego, 18,6%, contra 11,1% no meio urbano. Entre as mulheres, a taxa de subemprego foi de 14,6% e entre os homens de 11,7%.

A população de 15 anos ou mais, em idade para desempenhar uma atividade económica e que representa a força de trabalho do país, foi estimada em 352.494 indivíduos, representando 71,8% da população total. Já a população economicamente ativa (empregada e desempregada) foi estimada em 202.435 indivíduos.

A população empregada/ocupada totalizou 178.016 indivíduos, uma taxa de emprego/ocupação de 50,5%. Por sexo, regista-se que a população empregada masculina (96.806 homens) representa 54,4% e a feminina (81.210 mulheres) 45,6% dos empregados.

Do total de 352.494 pessoas em idade de trabalhar (de 15 anos de idade ou mais), 150.059 indivíduos estavam inativos, fixando-se a taxa de inatividade em 42,6%. Tratam-se de pessoas sem emprego e que não procuraram trabalho ou que não estavam disponíveis para trabalhar. 

51.654 jovens entre os 15-35 anos, tanto estão sem emprego como fora do sistema de ensino ou formação, representando 29,2% do total dos jovens nesta faixa etária. 

Já considerando a faixa etária de 15-24 anos, a proporção de jovens sem emprego e fora do sistema de ensino ou formação é de 27,8%, equivalente a 22.464 jovens.

Dentre esses jovens, estão muitos “desencorajados”, ou seja, pessoas que dizem que querem um emprego ou uma formação adequada, mas que não o procuram porque acham que não conseguem encontrar colocação.

95.708 empregados – 53,8% do total da população empregada – trabalham na informalidade, não beneficiando de proteção social obrigatória ou de férias anuais e dias de repouso por motivo de doença pagos. Na maioria, são trabalhadores por conta de outrem (47,5%) ou trabalhadores por conta própria (38,2%). 

Já o emprego precário, caracterizado por ser sazonal, ocasional, temporário ou a tempo parcial, totalizou os 50.514 empregados, representando 28,4% da população empregada.

Conforme se pode depreender do quadro supra, as novas projeções, feitas com base no RGPH2021, corrigiram em baixa as projeções de crescimento demográfico de INE de 2013, fazendo com que houvesse uma redução da população em idade ativa, passando de 380.995 em 2015 para 352.494 em 2022, o que impactou positivamente a taxa de desemprego de 2022 face a 2015. Também uma emigração mais acentuada, nos cinco anos anteriores ao RGPH2021, poderá ter contribuído para essa redução.

Não fosse isso, a taxa de desemprego seria muito superior aos 12,1%, independentemente das pequenas alterações resultantes da aplicação da Resolução I da 19ª CIST de 2013, no já referido IMC – 2022.

Face ao exposto, impõe-se, urgentemente, a criação de muito mais empregos, sobretudo para os jovens, através de políticas assertivas e indutoras de maior dinamismo económico. Ter quase 52.000 jovens, isto é, 29,2% dos jovens com idade compreendida entre 15 e 35 anos com excesso de tempo – advindo da situação de desemprego e de inatividade – poderá ter consequências nefastas para a paz social em Cabo Verde, pela ausência de expectativas acerca de um projeto de vida a longo prazo e pela falta de rendimentos.  Por outro, a ausência do seu contributo para o bem comum constitui um entrave ao desenvolvimento do país.

Como escrevi num outro artigo, a economia nacional está inevitavelmente muito dependente dos mercados e economias externas. Em decorrência, Cabo Verde enfrenta o grande desafio de induzir maior competitividade e valor acrescentado na sua economia, tirando proveito dos fatores críticos e das vantagens competitivas a que o país pode recorrer. 

Porém, a baixa produtividade das empresas cabo-verdianas, a falta de competitividade do país a nível internacional, a pesada dívida pública que condiciona os investimentos em infraestruturas e outros fatores essenciais à diversificação e dinamização da economia, ou a necessidade de disciplina orçamental são desafios que a economia nacional enfrenta há vários anos. 

Por causa disso, será necessário foco na disciplina orçamental, encetar reformas estruturais (educação, custos de contexto, regulação, fiscalidade e justiça) que promovam a competitividade da economia e a atração de mais investimento estrangeiro. 

Compete principalmente ao Governo criar as vantagens competitivas estruturais, bem como outros fatores, nomeadamente a produtividade, que promovam a competitividade. Realce-se que, desde o momento em que Michael Porter escreveu “A Vantagem Competitiva das Nações”, o paradigma deixou de ser o da visão de há 50 anos de David Ricardo e da sua teoria das Vantagens Comparativas. 

Praia, 13 de agosto de 2023

*Doutor em Economia

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