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Violência constitucional

Por: Germano Almeida

 Lembro-me de há tempos atrás ter escrito um texto, acho que neste jornal, em que dizia que se houvesse entre nós o costume de cognominar os presidentes da República, Jorge Carlos Fonseca entraria na História com a alcunha de O CONSTITUCIONALISTA.

Isso porque enquanto presidente da República ele foi sempre perentório: a Constituição acima de tudo! 

 Fazia muito lembrar o companheiro Fidel Castro quando proclamava a omnipresença da Revolução: Dentro da Revolução, tudo; fora da Revolução, nada! Pois era assim o presidente Fonseca: Dentro da Constituição, tudo; fora da Constituição, nada!

 Foi pena ele ter deixado a função. E parece que também o encargo constitucional. Porque se estivesse ainda no ativo,  certamente que veríamos com que bravura ele se levantaria a terçar argumentos com invencível denodo contra os três que se permitiram subscrever por unanimidade um acórdão que a história vai certamente julgar com severidade, exatamente pela sua absurdidade.

  E no entanto, nada fazia prever tal dislate. Parece que está neste momento a fazer falta na sociedade cabo-verdiana alguém com amor à Constituição igual àquele que Zona mostrou ter durante os dez anos que duraram a sua presidência para nos defender, para dar um forte basta às tropelias que no ramo da justiça se vem cometendo neste país de há dois anos a esta parte. Alguém que seja capaz de nos defender na prática da vida real contra um Tribunal Constitucional que acha que o simples uso do capuz de juízes lhes confere o direito de nos tratar como mentecaptos.

 É por isso que lamento que o nosso presidente constitucionalista tenha deixado as funções. Respeito pela Constituição, sem dúvida, ainda que tenha dito que, mesmo que fosse permitido, não concorreria a um terceiro mandado. Mas admitamos que ele se mostrasse interessado e solicitasse ao TC uma interpretação que dissesse que tendo estado lá dez anos e portanto já muito acostumado a ser presidente, o que se transformou num verdadeiro costume, que tal o TC dar um jeito, derrogar a norma dos dois mandatos e permitir-lhe um terceiro? O TC poderia perfeitamente fazê-lo, até com argumentos mais convincentes, pois que nem um dos 19 casos apontados como costume está sequer perto disso pois que não têm unidade. 

 Mas mesmo com a ausência do nosso CONSTITUCIONALISTA, temos nós coitados que avançar, sem argumentos constitucionais, é certo, porém escoltados e apoiados pelo bom senso, afinal a mãe de todos os argumentos.

 E acho que não vale a pena usar paninhos quentes. Há que dizer abertamente que Amadeu Oliveira fez despoletar o que há de pior nos juízes dos nossos tribunais. Pelo menos de todos que se têm cruzado com o seu processo. É uma verdadeira e selvática sanha, que parece ter o condão de irracionalizar pessoas que conhecemos no dia-a-dia como sensatas. Porém, do TC esperava-se melhor, eles em princípio são os maiores, mas não essa decisão que não é nem política nem jurídica. Alguém diria, antes pelo contrário. O TC quis inventar argumentos que fossem capazes de legalizar o tempo de cadeia sofrido pelo deputado Amadeu Oliveira desde a sua prisão por ordem do hoje juiz conselheiro do Supremo Tribunal Simão Santos, até ao dia em que o plenário, em votação secreta, lhe ofereceu o seu beneplácito. E então, sancionaram uma aberração a que chamaram de direito costumeiro, que dizem ser uma prática reiterada com convicção da sua obrigatoriedade, aferível através da sua repetição, duração, uniformidade e clareza. 

 Uma leitura atenta desse acórdão indica uma coisa muito simples, qual seja: o fim era nunca admitir que aquela resolução da CP que entregou o deputado Amadeu Oliveira nas garras dos tribunais violou de forma flagrante a Constituição. Não se tratava de uma decisão jurídica, e sim de uma decisão de ordem eminentemente política, exatamente da mesma natureza daquela que, como ensinou o presidente da Assembleia Nacional, se destinou a “conter” o Amadeu, mesmo violando a Constituição. Desta vez foi justificar essa violação da Constituição, mesmo que através de uma violação maior, como é esta atual. 

  O atual presidente da República pede que os cidadãos discutam as posições do TC no já referido acórdão e contribuam para um debate…

 É pedir demais, essa linguagem ultrapassa os homens do dia-a-dia. Problema diferente seria saber que posição tem o presidente da República na sua qualidade de indiscutível guardião e garante da Constituição. É que esse costume ah-hoc, inventado para tudo bem guardar e nada transbordar de dentro da panelinha, é um gravíssimo atentado ao estado de direito democrático. Mais grave porque conjurado pelo órgão que tinha especial dever de nos garantir confiança e lealdade e seriedade. E tudo isso levado a cabo com o único objetivo de destruir um homem.

 Se a gente se perguntar quantos caboverdianos acreditam na tese defendida por esse celerado acórdão, sou capaz de jurar que nenhum. E digo nenhum porque estou convencido que sequer os seus subscritores acreditam nele. Isso porque são todos juristas que, em matéria do valor constitucional do costume, têm mostrado coerente e abalizada posição e não esse arremedo.

  Há uma irreverente, porém deliciosa expressão que ouvi muitas vezes a pessoas de Santo Antão e que com atenção e devido respeito me permito usar neste momento porque traduz na perfeição o que eu e tantos outros desiludidos com esse TC sentem neste momento: lavam c… k’ága! É o que eu sinto quando leio este acórdão, que embrulhadas e escondidas em palavras bonitas, há um mundo de horror que espera Cabo Verde, caso o guardião da Constituição não se decida a mostrar que está atento aos desmandos dos juízes.

 Os juízes do Tribunal Constitucional são homens-juristas como os outros. Não são deuses! Mas ainda que fossem! Estão sujeitos a paixões a interesses corporativos que bem mostraram nesse malfadado acórdão. Podem ter vencido, porém ficaram longe de convencer. E é pena porque essa absurda e perigosa posição destrói a confiança que a sociedade precisa ter num Tribunal Constitucional.   

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