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Sociedade

“Excesso de garantias no sistema judicial”: Ordem dos Advogados agastada com o presidente do STJ

A Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV) não gostou de ouvir o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Benfeito Mosso Ramos, afirmar que há excesso de garantias e recursos no sistema judicial, o que acaba por contribuir para a morosidade da justiça. A OACV salienta que “só nas ditaduras e nos regimes autocráticos é que não existem garantias”. O visado considera a reacção da OACV “absolutamente desmesurada” e que em nenhum momento pôs em causa as “garantias” dos cidadãos.

Ao Café Central, programa de entrevistas da RCV, do passado dia 15, o presidente do STJ, Benfeito Mosso Ramos, defendeu que “há um excesso de garantias no sistema judicial cabo- -verdiano, na administração da justiça cabo-verdiana, que permite aos que têm meios suficientes protelar indefinidamente a tramitação dos processos”.

Para BMR, “permitir a alguém percorrer todas as instâncias judiciais é permitir também protelar indefinidamente a execução das decisões” e que por isso “não vale a pena a justiça proferir decisões se essas decisões não podem ser executadas tempestivamente».

E, apontando como exemplo, o entrevistado de Júlio Vera Cruz Martins lembrou que “a prisão preventiva não pode ultrapassar os 36 meses” e que “no entanto, os arguidos que têm recursos financeiros vão impugnando as decisões para provocar a expiração do prazo de prisão preventiva e a sua soltura, e fuga”.

Garantias constitucionais

Diante dessas e outras afirmações do presidente do STJ, através de um comunicado, assinado pelo bastonário Júlio Martins Júnior, este considera “extremamente graves e contrárias aos princípios fundamentais do Estado de Direito e da Justiça”, as referidas declarações, completando que elas “comprometem a confiança pública no sistema de justiça e desrespeitam os direitos constitucionalmente assegurados a todos os cidadãos”.

A OACV lembra que a Constituição da República garante o direito ao recurso, como um mecanismo essencial para assegurar que as decisões judiciais possam ser reanalisadas, corrigindo possíveis erros e garantindo a justiça de forma que o cidadão se sinta totalmente convencido de que a decisão tomada respeitou todos os seus direitos.

“O recurso é um factor de racionalidade do sistema de justiça. Qualquer tentativa de limitar este direito fundamental é um ataque directo aos princípios democráticos e aos direitos humanos”, lê-se.

Para a OACV, as garantias existentes em Cabo Verde “são as normais e necessárias num Estado de Direito Democrático e destinam-se a assegurar os direitos e liberdades fundamentais” e que “só nas ditaduras e nos regimes autocráticos é que não existem garantias, em que os cidadãos ficam expostos e desprotegidos face ao poder esmagador do Estado”. “Contrariamente ao que afirma o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde”, continua a OACV, “o que existe, entre nós, é um défice de garantias, visível, por exemplo, no âmbito do Contencioso Administrativo e na morosidade injustificável”.

Justiça igual para todos

Para a OACV, com as referidas declarações do presidente do STJ, nega-se a si próprio, pois o Supremo é, sobretudo, “uma instância de garantias, um tribunal da cidadania. Pelo que fica-se sem perceber a crítica feita ao sistema de garantias vigente em Cabo Verde”

O Tribunal Constitucional e o STJ “servem precisamente para reforçar as garantias do Estado de Direito. Devem ser valorizados! O Recurso de Amparo é um mecanismo jurídico essencial em países como Cabo Verde, com democracias jovens e sem cultura constitucional consolidada”, continua. “Como demonstram todas as inspeções e relatóriosanuais das magistraturas, os atrasos estão nos atos da competência dos magistrados. A justiça deve ser realizada em tempo razoável e não à custa dos direitos processuais fundamentais. A justiça deve ser realizada em tempo razoável e não à custa dos direitos processuais fundamentais”, completa.

Justiça célere e eficaz

Entretanto, a OACV diz reconhecer à  importância de uma justiça célere e eficiente, mas que a solução para a morosidade judicial não reside na diminuição das garantias processuais, mas sim na melhoria estrutural e funcional do sistema judiciário. Isso inclui, conforme defende, entre outras medidas, a adoção efetiva de uma cultura de trabalho e orientada para a produção dos resultados, entregando aos cidadãos uma justiça de qualidade e em tempo razoável.

A OACV reitera, entretanto, no seu comunicado, “o seu compromisso com a defesa dos direitos dos cidadãos e a promoção de um sistema judicial justo e equitativo. Por isso, sem pôr em causa a liberdade de expressão, instamos o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a reconsiderar as suas declarações no quadro constitucional em vigor”.

Diante disso, A NAÇÃO procurou saber junto do presidente do STJ se pretende ou não reagir ao comunicado da OACV. E dele recebemos o texto que publicamos, na íntegra, tendo em conta a hora que chegou à nossa redacção não nos era possível dar o devido tratamento jornalístico.

Geremias S. Furtado

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 873, de 23 de Maio de 2024

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