Nasceu em Port-of-Spain, a capital de Trindade e Tobago, duas ilhas na embocadura do Rio Orenoco, na vizinha Venezuela. A história de vida de Angelo Bernard trouxe-o de Boston até Cabo Verde, entre o amor por uma crioula de São Vicente e uma paixão ainda mais forte por estas ilhas. Sobre a América, onde viveu e trabalhou, é muito claro: “Já não tenho nada que fazer nesse país, muito menos agora. Vou ficar aqui em Cabo Verde para sempre.”
Cabo Verde e as Caraíbas, dois mundos à parte na geografia, mas próximos na cultura. As origens africanas assim o determinam: a música, o clima festivo, a vida fora de portas, a aguardente de cana e o rum, a boa disposição à volta desta gente mestiça.
E foi isso que Angelo Bernard, de 60 anos, descobriu quando, vindo do Canadá onde se formou na área das Finanças, ele chegou a Boston, nos Estados Unidos, com pouco mais de 20 anos, para viver e trabalhar. Não encontrou estas características nos vizinhos afro-americanos, mas sim nestas pessoas que lhe pareceram em tudo originárias de uma dessas ilhas das Caraíbas, vizinhas das duas que compõem o seu país natal: Trinidad e Tobago.
Mas essa gente, como ele acabou por descobrir, não vinha de nenhuma parte das Caraíbas. Nem de ilhas francófonas, anglófonas, hispânicas ou holandesas, daquela região na América Central. Vinham de muito mais longe, como lhe explicaram os primeiros amigos que ele fez na comunidade cabo-verdiana da região de Boston. Eram ‘cap-verdeans’, disseram-lhe, o que desde logo só aumentou a sua confusão e curiosidade. Mas as coisas ficaram mais facilitadas quando arranjou uma namorada originária de Cabo Verde. Foi o elo que lhe faltava para tirar todas as dúvidas sobre esta cultura igual à sua de origem, mas com traços muito particulares.
“Comecei a frequentar mais os ambientes cabo-verdianos de Boston, restaurantes, clubes, a ouvir a música de Cesária Évora, a ir a casamentos, aniversários, baptizados”, recorda. Até que um dia surpreendeu a namorada, natural de São Vicente, ao perguntar-lhe porque é que não vinham até Cabo Verde para ele conhecer melhor a sua ilha. Estavam em 2005 e vieram por duas semanas.
“Eu adorei São Vicente e as pessoas, viemos no mês de Agosto e assisti ao Festival da Baía das Gatas, conheci a cultura de Cabo Verde em Cabo Verde, comi cachupa, pastel de milho, fomos a Santo Antão…”
No ano seguinte, Angelo não resistiu e voltou a insistir com a namorada para voltarem a Cabo Verde. Da segunda vez, ficaram por seis meses.
“E foi quando comecei a pensar mais a sério neste país, eu já tinha deixado a empresa onde trabalhava com produtos financeiros, investimentos, consultoria, estava agora como free-lancer, a trabalhar por minha conta e só precisava de internet. Então eu disse-lhe que poderíamos ficar mais tempo, eu poderia trabalhar à distância.”
Foi a paz e a tranquilidade da cidade do Mindelo e da ilha de São Vicente, a praia e o mar muito pertos que fez Angelo deixar Boston e os Estados Unidos para se instalar por algum tempo em Cabo Verde.
Trabalhar e viver em São Vicente
“A internet na altura já era razoável e eu pensei que talvez fosse boa ideia investirmos nalguma coisa também. Então conheci uma italiana que tinha um bar-restaurante, o Oceanos, na Rua 19 de Setembro, e que o queria vender e ir viver para o Sal.”
Trabalhar à distância permitia a Angelo levar uma vida mais calma, gerindo com a namorada um bar pintado de azul, com peixes pintados nas paredes e imagens alusivas à cultura reggae e a Bob Marley. “Uma vida sem stress, sem problemas, fiz muitos amigos, ambiente descontraído.”
Certo dia, perguntou à namorada sobre as outras ilhas e a capital do país, Praia. A namorada não gostou muito da ideia. Mas Angelo estava decidido a conhecer mais Cabo Verde e tempos depois desembarcaram na capital.
“Adorei logo a cidade e o ambiente e vi que era muito melhor para os negócios e coisas que eu poderia fazer. A minha namorada não quis ficar e voltou para Boston. Vendi o restaurante no Mindelo e instalei-me em casa de um dos amigos de Boston, na ‘Tchadinha’, atrás das bombas da Shell. Depois, arranjei outra namorada, aqui da Praia.”
Angelo continuou a prestar serviços de consultoria para clientes americanos, agora a partir da Praia. Mas depois do ‘crash’ da Bolsa de Nova Iorque que deu início à crise financeira, perdeu estes clientes e viu-se obrigado a encontrar outros.
“Havia europeus que queriam ter informações sobre as possibilidades de negócios aqui, incluindo reformados que aqui se queriam instalar, havia pouca informação para eles disponível e menos ainda em inglês. Então eu decidi começar a fazer esse trabalho, ajudar na burocracia, tratar de agendamento de vistos, preenchimento de papelada.”
Praia, consultor financeiro
Angelo trabalha depois como responsável comercial da empresa Fast Ferry, antes de se juntar também ao construtor José Teixeira, como responsável financeiro, durante três anos. Seguiram-se estudos financeiros encomendados pelo governo de Cabo Verde, sobre as possibilidades de exportação e de mercados para os vinhos do Fogo.
“Sugeri ao governo que procurasse introduzir essa produção nas unidades hoteleiras do Sal e da Boa Vista, visto que as quantidades produzidas eram muito baixas para pensar em exportar para os Estados Unidos ou a Europa. A qualidade é muito boa e o mercado interno do turismo é das melhores saídas para o vinho do Fogo.”
Quem não conhece a sua história, diria que Angelo é um cabo-verdiano como outro qualquer: fala perfeitamente o crioulo de Santiago e o seu jeito é o de um natural da ilha. É uma das caras habituais dos cafés e esplanadas do bairro do Palmarejo. No entanto, considera que os cabo-verdianos, sobretudo o badio, fala muito alto, quando comparado com os trinidadianos. Mas as semelhanças entre as músicas dos dois países, o calypso e a coladeira, são enormes.
“Quando ouvi pela primeira vez, na América, a forma de cantar, o ritmo, eu disse ‘ah, eles também dançam o calypso’, até que descobri que não era bem a mesma coisa, embora os dois estilos sejam muito próximos”, afirma.
Outra aspecto que ele acha curioso são os sobrenomes, os apelidos dos cabo-verdianos. “Embora os portugueses não tenham colonizado nenhuma parte das Caraíbas, se formos ver uma lista telefónica de Trinidad e Tobago, são inúmeros os apelidos portugueses, Barbosa, Pires, Ramos, Tavares, tal como aqui. São de trabalhadores contratados da ilha da Madeira, que vieram trabalhar nos campos de cana de açúcar das duas ilhas, no início do século XX”, diz.
América?… Nem pensar!
Outra semelhança que Angelo aponta é o carnaval, sobretudo o do Mindelo. “Lá também festejamos como vocês o ‘carnival’, saímos pelas ruas a dançar. Eu acho que Cabo Verde poderia fazer também como em Trinidad e Tobago: com muitos meses de antecedência, fazemos a promoção e são alugados os fatos de fantasia para turistas, online, alguns atingem mesmo os 200 contos, e há muita procura. Cabo Verde poderia pensar em fazer o mesmo.”
Angelo Bernard não pensa em deixar Cabo Verde. Nem para já nem no futuro. “Voltar para os Estados Unidos? Nem pensar. Não tenho nada que fazer nesse país, muito menos agora.”
Joaquim Arena
