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Economia

Estatísticos alertam Cabo-verdianos e parceiros estão a ser “enganados” pelo INE

A acusação não é nova e remonta às Contas Anuais de 2016. Mas, apesar dos reiterados alertas de técnicos do INE, o actual Conselho Directivo desse organismo público continua, alegadamente, a persistir no “erro”, com impactos nos cálculos do Produto Interno Bruto (PIB), em favor de uma economia supostamente em crescimento e um desemprego em queda livre. Preservando a sua identidade, porque já há processos a correr, técnicos ouvidos por A NAÇÃO reiteram as acusações com provas. 

“Aquando da mudança da equipa directiva do INE, em 2016, estavam publicados os resultados definitivos das Contas Nacionais Anuais referentes ao ano de 2014 (0.6% em valor constante). Sob a direcção da nova equipa, foram compiladas as Contas Nacionais referentes a 2015 (1,0% em valor constante) e os trabalhos decorreram normalmente, na linha do que vinha sendo feito nos anos anteriores, e não houve situações atípicas a registar. Entretanto, nos trabalhos de compilação referente ao ano de 2016, as coisas mudaram radicalmente”, refere uma das nossas fontes.

Os problemas começam a surgir ainda durante a vigência do anterior Conselho de Administração (na altura assim se chamava), liderado por Oswaldo Borges, mas a “manipulação” de dados oficiais tem o dedo do actual presidente do Concelho Directivo (CD) do INE, João de Pina Cardoso.

Este ocupava, na altura, o cargo de director das Contas Nacionais, quando em abono da “sua” metodologia, alegou que “as empresas não podem ter o Valor Acrescentado Bruto negativo”, isto é: que se deve aumentar o valor da produção, de modo a que esta cubra, pelo menos, as despesas de matérias consumidas, mercadorias vendidas e salários. 

Técnicos em oposição ao director

Esta posição do então director das Contas Nacionais suscitou a oposição praticamente unânime da equipa, mas, mesmo assim, Pina Cardoso não corrigiu o “erro”. 

“Eu não estive de acordo e considerei isto como manipulação de dados”, refere ainda a nossa fonte, interrogando: “Como podemos alterar o valor da produção de uma empresa, calculado a partir dos dados contabilísticos submetidos ao Ministério das Finanças?” 

A contradição entre os técnicos e o director suscitou uma acesa discussão, levando Pina Cardoso a remeter a questão ao então Conselho de Administração e, numa outra reunião, avisou os técnicos de que o CA iria elaborar um despacho onde estabeleceria o que se deve fazer no caso das empresas com Valor Acrescentado Bruto (VAB) negativo. 

“Na ocasião – refere ainda a nossa fonte -, defendemos que o CA tem responsabilidades de gestão, mas não de determinar as metodologias que devemos utilizar”, adiantando que, ao contrário da versão do director, “o CA veio negar que iria elaborar tal despacho, corroborado por Pina Cardoso, que deu o dito por não dito, negando que tenha referido isso na reunião”. Um facto que os técnicos consideraram de “gravidade extrema”. 

Uma proposição com dois grandes problemas

Segundo os nossos interlocutores, “esta proposição tem dois grandes problemas”, porquanto “se aumentarmos a produção para as empresas que têm VAB negativo em 2016, devíamos tê-lo feito também para 2015 (e nos anos anteriores), senão estamos a provocar um aumento da produção em 2016 relativamente ao ano de 2015”. Ou seja, é impossível utilizar metodologias diferentes para estimação dos mesmos valores.

E há até o caso elucidativo de uma grande empresa do ramo imobiliário turístico, que não foi tida em conta em 2015, mas que foi integrada nas Contas Anuais de 2016, com resultados superiores a seis milhões de contos. Imagine-se o impacto que isto teve no chamado crescimento da economia.

A metodologia utilizada pelo actual presidente do CD “nunca foi abandonada”, dizem os técnicos, pelo que os dados avançados pelo INE, de 2016 a esta parte se encontram inquinados. “É a manipulação da ciência, com objectivos políticos”, referem as nossas fontes. 

“Não temos orientações claras de que em casos de VAB negativo, devemos aumentar a produção. E, mais, nunca é referido como sendo problema que necessita de tratamento particular”, refere uma das nossas fontes, acrescentando: “eu, particularmente, não segui esta ‘orientação’ e nenhum colega referiu recorrer a esta metodologia”. No entanto, Pina Cardoso fez rigorosamente o que estava propondo, pondo – segundo os técnicos – “em causa” a própria credibilidade do INE.

Os nossos interlocutores dão exemplos: “Em 2018, foi publicado a taxa de crescimento para o ano de 2016, que foi de 4,7%. Caso o senhor director não tivesse aplicado esta metodologia estranha, a taxa de crescimento seria de apenas 4,1%, portanto, com uma sobre-avaliação de 0,6%”.

Para os técnicos, não há dúvidas sobre a manipulação de dados com fins políticos: “Supondo que esta metodologia esteja correcta, devia-se esperar introduzi-la na mudança do ano de base, uma vez que não foi utilizada nos anos anteriores”. 

Cabo-verdianos estão a ser “enganados”

A informação que avançamos mais acima, referente a uma empresa do ramo imobiliário turístico, é confirmada por outro técnico do INE. “Um outro problema grave enfrentado pela equipa de Contas Nacionais tem a ver com uma empresa com uma produção elevada que não foi contabilizada em 2015”, refere a nossa fonte, reforçando a tese de “manipulação” de dados.

“Na compilação das contas de 2016, deparou-se com o caso de uma grande empresa, com valores de produção de 5.935.607.402 CVE e 6.287.806.038 CVE, respectivamente, em 2015 e 2016, mas que não tinha sido contabilizada em 2015”, referem vários técnicos contactados pelo nosso jornal, considerando que os cabo-verdianos “estão a ser enganados”.

Segundo os técnicos do INE, há apenas três opções para corrigir o problema criado com a referida empresa: “corrigir os resultados de 2015 (incluindo esta produção) e incluir o valor de 2016 nos cálculos; não corrigir os resultados de 2015 e incluir o valor de 2016; não incluir esta empresa nem em 2015 nem em 2016.” Nós escolheríamos, sem dúvida, a primeira opção”. Uma opção aliás, que a própria equipa, em oposição ao director, escolheu em 2016.

A linha metodológica seguida pelo então director e actual presidente do CD coloca, segundos os técnicos, dois problemas fundamentais: “uma transacção ou um conjunto de transacções que ocorreram em 2015 não foram registados”, isto é, uma produção que não foi contabilizada, mas, também, “o registo apenas das operações em 2016 provoca incoerência com resultados anteriores, produzindo uma falsa taxa de crescimento da economia”, ou seja, uma sobreavaliação.

João de Pina Cardoso, pesem os argumentos bem sustentados dos próprios técnicos, manteve, contudo, uma atitude inflexível. “Ele disse que podemos discutir, mas é ele que toma a decisão final”, salientam as nossas fontes, acrescentando: “Vendo claramente que uma eventual correcção do resultado de 2015 baixaria o crescimento de 2016, não aceitou as propostas da maioria da equipa”. 

A verdade é que foi adicionado aos cálculos para o PIB de 2016, o valor de 4.667.165.446 ECV (4,7%). Ou seja, caso não fosse incluído, a taxa de crescimento seria aproximadamente de 2,5%. Se eliminarmos o acréscimo no VAB de construção, já a taxa de crescimento seria de apenas 2,0%. 

Para os técnicos do INE por nós contactados, é bastante claro que “ao não se respeitar uma das regras básicas da contabilidade nacional, publicou-se uma falsa taxa de crescimento”. 

Ainda em 2016, após a publicação destes resultados, confrontado com uma notícia publicada por A NAÇÃO, decorrente de denúncia de um grupo de trabalhadores do INE, o então director convocou uma reunião de urgência do departamento de Contas Anuais onde tentou intimidar os trabalhadores e procurando saber quem teriam sido as fontes do jornal.

António Alte Pinho

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