Em São Vicente, a chuva de 11 de Agosto, que ceifou vidas e expôs a fragilidade urbana da ilha, trouxe à tona uma realidade que há muito se arrasta entre os becos da informalidade e os corredores da impunidade: a proliferação de construções clandestinas, bairros de lata e uma rede silenciosa de arrendamentos ilegais que desafia o Estado e alimenta uma economia paralela.
A Câmara Municipal de São Vicente, presidida por Augusto Neves, anunciou a demolição de 36 casas de lata, num gesto que parece mais simbólico do que estrutural. Afinal, segundo dados do V Recenseamento Geral da População e Habitação, a ilha alberga mais de 1.700 casas de lata – mais de metade das existentes em todo o país. E há quem fale em mais de dois mil núcleos precários, como já reportado pelo A NAÇÃO.
Mas é de se questionar, o que está por detrás desta persistência de vários anos, por que razão, mesmo após realojamentos sociais recentes, as casas de lata continuam a surgir nos mais variados recantos da clandestinidade da ilha…
Após as chuvas, o Governo realojou dezenas de famílias no Complexo Rozar, em Ribeira de Julião. Casas com dois quartos, com água e electricidade. Um gesto digno, sem dúvida. Mas incompleto. Porque, como denunciam moradores e técnicos, não há qualquer plano de demolição obrigatória das antigas habitações clandestinas. E é aí que o ciclo se perpetua há anos, já que não é de hoje que o poder público procura enfrentar o problema das construções clandestinas. Por cada família contemplada com uma habitação social, dez outras, ou mais, parecem surgir…
Recentemente, várias dessas casas de lata, outrora ocupadas pelos beneficiários das novas moradias, são agora arrendadas a terceiros. Por vezes, por valores que ultrapassam os 10 mil escudos mensais. Os antigos donos tornam-se senhorios informais, lucrando com a miséria alheia, e, como não há fiscalização eficaz, o negócio floresce.
José Carlos da Luz, vereador da Proteção Civil, reconhece o problema: “Há pessoas que estão a aproveitar- -se da miséria e necessidade da população para fazer casas de lata e arrendar a outras mais necessitadas”.
Nos bairros periféricos do Mindelo – Espia, Fonte de Mestre, Ribeira Bote, Ribeirinha, Vila Nova, Madeiralzinho, Chã de Alecrim – o que não falta são casas clandestinas alugadas. Algumas servem de habitação, outras de armazém, outras ainda de espaços para actividades informais. A informalidade é a regra, não a excepção.
João A. do Rosário
Leia a matéria na íntegra na Edição 942 do Jornal A Nação, de 18 de Setembro de 2025
