Por: Lua Pires
A cidade da Praia tem enfrentado, nos últimos dois meses, cortes graves e repentinos de energia elétrica em praticamente todas as suas zonas. Trata-se da capital do país, o centro urbano e motor de desenvolvimento nacional.
Há algumas décadas, a eletricidade em Cabo Verde era vista apenas como um bem básico. Continua a sê-lo, mas hoje é também um fator decisivo para o progresso económico, social e tecnológico. Recorde-se que, há apenas dez anos, várias localidades do interior da ilha de Santiago, bem como de ilhas como Santo Antão, São Nicolau e Fogo, ainda não dispunham de eletricidade. Com a implementação de algumas políticas, registaram-se avanços significativos, e as mudanças na vida dessas populações foram notórias antes e depois do acesso à energia elétrica.
Entretanto, o mundo mudou. Vivemos na era digital, em que praticamente todas as atividades dependem 100% da eletricidade. Cabo Verde, apesar de beneficiar de sol abundante durante todo o ano, ainda não conseguiu estruturar um sistema de energia solar capaz de sustentar, pelo menos, a capital do país. A dúvida permanece: trata-se de uma limitação económica ou de uma incapacidade técnica dos setores responsáveis? Questões complexas que precisam ser debatidas de forma séria, técnica e financeira.
Durante estes dois meses de instabilidade elétrica, todas as instituições foram prejudicadas. O país já convivia com um sistema deficitário e ineficiente; com as quedas prolongadas de energia, a situação agrava-se. As instituições tornam-se ainda mais lentas, o que impacta diretamente a vida da população.
Não é necessário reforçar que todos sofrem com este problema. Basta pensarmos nas facilidades que a eletricidade proporciona no dia a dia, desde as necessidades mais básicas até às mais complexas. O setor empresarial, formal e informal, é duramente atingido, sobretudo porque a capital concentra o principal motor da economia nacional.
Num país que fala constantemente de “transição digital”, tais situações tornam-se contradições com a realidade que nos asfixia todos os dias. Em apenas dois meses, as perdas económicas são visíveis a olho nu, sem necessidade de análises técnicas profundas. Falta saber o valor real e, muito provavelmente, esse valor estão acima de milhões de contos. É um um prejuízo que o Estado não assume, sob pena de agravar a sua divida interna.
O problema central não está apenas na falha técnica, mas sobretudo na forma como a crise é gerida. A atuação da EDEC tem-se revelado completa imaturidade, principalmente no campo da comunicação com a sociedade civil. A informação transmitida é precária, mal preparada e sem credibilidade. É fundamental compreender que determinados setores exigem um “trato fino”, pois afetam diretamente toda a população, e não apenas um grupo específico.
Essa normalização das falhas preocupa: se a gestão de um bem básico como a eletricidade é feita com tamanha falta de seriedade, o que esperar de setores ainda mais complexos e exigentes? Situação semelhante ocorre com a AdS, onde comunidades chegam a passar dois ou três meses sem acesso a água potável e sem nenhuma satisfação. Falar de água é falar de segurança alimentar e de dignidade humana.
Cabo Verde apresenta um custo de vida elevado em relação ao salário mínimo, com preços altos de água, luz, internet e alimentação. Este cenário desestimula investimentos estrangeiros, ainda que se fale constantemente em criar políticas públicas para atrair capital externo. Continuamos a tratar pautas essenciais de forma superficial, recorrendo a medidas de emergência, o conhecido “txapa” que apenas adiam a resolução dos problemas.
Em 2022, a antiga Electra passou por um processo de reestruturação organizacional:
Foi aprovado o Decreto-lei nº 34/2022, que extinguiu as divisões Electra Norte e Electra Sul.
Criaram-se três novas empresas:
EPEC- Empresa de Produção de Eletricidade de Cabo Verde (produção);
EDEC- Empresa de Distribuição de Eletricidade de Cabo Verde (distribuição/retalho);
ONSEC- Operador Nacional do Sistema Elétrico de Cabo Verde (gestão do sistema e do mercado).
As empresas EPEC e EDEC estão destinadas a privatizações ou parcerias com o setor privado, enquanto a ONSEC permanece sob domínio público.
O processo, apoiado internacionalmente (com assistência técnica do Banco Mundial), tem como objetivos: melhorar a eficiência, reduzir o peso fiscal sobre o Estado, gerir melhor as perdas e integrar energias renováveis.
Passados três anos, resta à sociedade questionar: esta reestruturação tem de facto melhorado a qualidade do serviço e reduzido os custos para os cidadãos?
O que não pode mais ser adiado é a responsabilização. Quem responde pelos prejuízos causados? Quem assume a falha técnica e, sobretudo, a falha de comunicação? Cabo Verde precisa de mais seriedade e responsabilidade na gestão dos seus bens mais básicos, sob pena de comprometer não apenas o bem-estar da população, mas também o futuro do seu desenvolvimento económico e social.
