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Parte da verdadeira história recente da Pedra de Lume

Por: Júlio Rendall

Pedra de Lume – vendida por quem não lhe tinha posse

Corria a década de noventa, logo no início do ano, mais precisamente janeiro de 1999, e, ainda em época natalícia, uma prenda envenenada nos alvores deste ano nas costas das autoridades da ilha e do País. 

Um verdadeiro ‘golpe de teatro’ para Pedra de Lume. Perante o desconhecimento de toda a população da localidade tudo aconteceu e a notícia correu de boca em boca.

Sem qualquer anúncio prévio por meio de Edital como mandam as boas regras e é das leis, viemos a saber, à posteriori, que a Salins du Cape Vert tinha sido vendida.  Sim vendida meus senhores. Não só a empresa, mas também os terrenos que explora, sem, em nenhum momento, deter os títulos de propriedade.

O dia 21 de janeiro de mil novecentos e noventa e nove, fica marcado como a data deste negócio, lavrado no Cartório Notarial da Praia, perante o Notário Licenciado António Pedro Silva Varela, a Salins du Cap Vert representada por Christian  George Leon Boidart, de nacionalidade francesa, que ninguém conhecia em Cabo Verde, vende ao Djadsal Turinvest representada por Andrea Stefanina a companhia, os seus imóveis, os terrenos e – diz- se até seis pessoas – , sem ser o proprietário conforme se pode provar em documentos. 

 Em nenhum momento a Salins du Cap Vert foi proprietária dos terrenos. Apenas posse útil e direito de exploração das salinas por aforamento. Ninguém pode vender o que não lhe pertence! Ou será que pode? A venda foi consumada na Cidade da Praia, não se sabe bem porquê, já que no Sal sempre existiu um Cartório Notarial.

Tomando conhecimento da venda a Câmara Municipal do Sal toma uma posição. Face à oposição da Câmara Municipal do Sal em permitir ao comprador o registo dos terrenos, a  Djadsal Turinvest pública no Jornal A Semana de 15 de setembro de 2000 a Justificação Notarial, aludindo-se como legítimo dono dos terrenos, expediente que se não fosse contestado por ninguém, permitir-lhe-ia fazer o registo na Conservatória do Sal sem quaisquer problemas e quaisquer custos.

Pergunta-se hoje o porquê do Estado de Cabo Verde, as suas instituições, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República que deviam zelar e defender os interesses dos cidadãos e de toda a coletividade, e mesmo do Estado, terem ignorado esta venda?

O Município do Sal contestou por volta dos finais de outubro, pois a data-limite para o efeito expirava a 3 de novembro de 2000. Com tal medida o processo foi bloqueado e a Djadsal Turinvest não pode fazer o registo como pretendido.

Assim a Djadsal Turinvest entra com um processo no Tribunal da Comarca do Sal contra o Município do Sal, liderado na altura pelo Dr. Basílio Mosso Ramos – Ação Ordinária n° 12/ 2001. O Município contesta a Ação Ordinária (tinha o prazo de 20 dias para o fazer, após a notificação) e assim salvaguardou os terrenos da Pedra de Lume que sempre pertenceram ao Estado de Cabo Verde, visto que desde os tempos memoriais (séc. XIX) as explorações dos terrenos da Pedra de Lume, Feijoal e Parda obedeceram e foram sujeitos ao regime de aforamento pela Rainha D. Maria II de Portugal, a Francisco António Vaz da Silva e a Aniceto António Ferreira Martins, este filho de Manoel AntónioMartins.

Os anos se passavam, a contenda continuava, os tribunais não funcionavam, as pressões aumentavam dia após dia.

Tendo em conta a necessidade de se pôr cobro à demanda que vinha existindo entre o Investidor e o Município do Sal, em 2004 as duas partes terão chegado a um Acordo, traduzido num Protocolo devidamente assinado em Fevereiro de 2004, pela Câmara Municipal do Sal,  então liderada pelo Eng° Pimenta Lima e a Djadsal Turinvest nas vésperas das eleições autárquicas, sem contudo passar pela Assembleia Municipal, (o que à priori invalida o documento) com um período de validade de 12 anos que previa um investimento no montante de 400.000.000$00 pela DjadSal Turinvest para a infraestruturação da Pedra de Lume em benefício da população e da localidade. 

Até hoje nem 10 por cento do acordado foi investido por parte da DjadsalTurinvest na localidade, como se pode ver a olho nu pelo estado de abandono em que se encontra a localidade.

A Câmara muda de cor e passa para o MPD, liderado pelo Dr. Jorge Figueiredo em março de 2004 nas eleições autárquicas então realizadas, um mês após a assinatura do Acordo. 

A nova equipa camarária e o seu Presidente recém-eleito fazem vista grossa ao Acordo de Fevereiro de 2004 e nunca lhe dá atenção, entrando em polémicas estéreis com o Investidor Andreia Stefanina da Djadsal Turinvest, embargando todos os seus projetos sem, contudo, defender os interesses do Município e da Pedra de Lume.

Durante os três mandatos do Dr. Jorge Figueiredo a situação entra num impasse e a Câmara do Sal, durante todo esse tempo, (2004 a 2016) em nenhum momento acionou os mecanismos que a lei lhe facultava as chamadas Cláusulas de Reversão contidas no Acordo a favor do Município pela não execução das obras e o seu desenvolvimento em tempo útil sem quaisquer razões aceitáveis à luz das leis.

Em 2016, a Câmara do Sal passa a ser liderada pelo Dr Júlio Lopes (MPD) que durante a sua campanha para as autárquicas contesta veementemente o Acordo de 2004 (por sinal já expirado). Tomado o poder, num golpe de mestre assina um Novo Acordo com a Djadsal Turinvest agora sem quaisquer cláusulas de reversão, sem indicação dos montantes dos projetos a serem executados, sem prazos de validade, sem montantes a ser investidos na Pedra de Lume. Um acordo de cavalheiros como se diz na gíria.

Daqui para a frente é o que se sabe e se vê. Uma gestão da Pedra de Lume à base do populismo e jogadas de bastidores passando por cima das diretrizes saídas do Cadastro Predial realizado, entretanto na ilha do Sal em finais de 2015 pelo Projeto Land financiado pelo MCC dos Estados Unidos da América que declarou uma grande parte dos terrenos da Pedra de Lume como DIFERIDOS. (em litígio) e outros no Património do Estado. O Cadastro Predial, um instrumento científico e fidedigno capaz de ser útil na resolução de qualquer diferendo, foi ignorado.

  Hoje às vésperas das eleições para as legislativas de 2026 numa jogada de mestre, a todos os títulos circense, aparece o autarca a tirar da cartola a chamada regularização das casas de Cá Faroux junto do Cartório Notarial em nome de uns poucos moradores, de algo que lhes pertence de jure e de facto há muitos e muitos anos atrás por usucapião.

Perguntamos: e os outros moradores da Zona Baixa que há 50/60 ou mais anos habitam as Casas da Pedra de Lume. Esses não cabem no jogo viciado levado a cabo e são ignorados?

Em suma a questão da Pedra de Lume é antes de mais uma Questão de Estado.  Somente num País onde as leis são letra morta se pode registar um BEM PÚBLICO (Cratera das Salinas) em nome de um privado e este mesmo Estado alienar sem quaisquer proveitos cerca de 1.099 ha do seu território que é declarado como uma ZDTI e fonte de receita de milhões.

Como é possível apenas cerca de 1% ser destinado ao desenvolvimento urbano da localidade da Pedra de Lume que dia a dia vê a área de 1.099 ha ser retalhada em negócios de venda de terrenos a terceiros e pagamento de dívidas junto de entidades.

Como disse um munícipe, a localidade da Pedra de Lume tem todo o direito de se desenvolver sem amarras e no benefício dos habitantes da ilha do Sal e de Cabo Verde.

A localidade da Pedra de Lume em pleno século XXI transformou-se num feudo da era atual governado ao sabor das circunstâncias.

Alguém disse e talvez com razão que a praga dirigida à Pedra de Lume no leito da morte por Capton Francisco que foi um dos grandes da localidade tenha uma grande força e faz-se sentir ainda na atualidade. Quero querer que a Maçonaria tem força e poder. Só pode!

É de justiça dizer que o único autarca que até hoje defendeu de forma clara e com respaldo na legalidade foi o autarca Dr. Basílio Mosso Ramos.

Hoje, Pedra de Lume transformou-se num amontoado de ruínas, construções clandestinas, sem autoridade pública, entregue aos caprichos de autarcas sem escrúpulos e abandonado pelo Estado de Cabo Verde, enquanto alguns vão aproveitando e retirando proveitos dentro do caos instalado.

A responsabilidade é coletiva, mas o maior culpado é o Estado de Cabo Verde que deixou a localidade da Pedra de Lume chegar ao ponto a que chegou. 

A  história da Pedra de Lume é rica e não pode ser desbaratada e destruído todo o seu legado por interesses outros.

-Pedra de Lume foi declarada Paisagem Protegida pelo Decreto-lei n° 03/2003;

-As Salinas da Pedra de Lume são Património Nacional através da Resolução n° 02/2012;

-As Salinas da Pedra de Lume é uma das 7 Maravilhas de Cabo Verde;

-A Pedra de Lume e todo o seu território fazem parte duma ZDTI.

Quo Vadis Pedra de Lume!

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