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Sociedade

Sobrecaptura de tubarão: Bióloga quer observadores cabo-verdianos nos barcos de pesca da UE

A bióloga marinha Corrine Almeida desafiou as autoridades ligadas ao sector das pescas a começar a colocar inspectores cabo-verdianos nas embarcações da União Europeia para que se faça um controlo efectivo do pescado capturado nas águas nacionais. A grande preocupação dessa docente, mas também de colegas, é comprovar de uma vez por todas que, por detrás do acordo estabelecido entre Cabo Verde e a Europa, os barcos andam a dizimar os tubarões de forma intencional.

“O recente estudo encomendado pela Comissão Europeia para avaliar a conservação dos tubarões associada à pesca, no quadro dos acordos de pesca particularmente com Cabo Verde, é um reconhecimento de que, por detrás do acordo de captura de atuns e afins, os tubarões passaram de pesca acessória para espécies alvo da pesca, particularmente dos longliners”, escreve Corrine Almeida na sua página no Facebook. No mesmo post, essa professora universitária vai mais além ao sublinhar que o tubarão azul – ou tintureia – e o anequim vêm compondo, nos últimos anos, mais de 80% da faina das unidades de pesca da UE nas águas deste arquipélago.

Abordada por Mindelinsite sobre a segurança destes dados, Corrine Almeida afirma que se baseia em estudos feitos e que têm por base informações reportadas pela própria União Europeia. Tais pesquisas, prossegue, estão publicadas no próprio website da UE e realça que a ausência de observadores a bordo dos navios longliners impede os biólogos marinhos cabo-verdianos de irem mais a fundo nessa matéria. Em conversa com este jornal online, Corrine Almeida relembra que em nenhum momento o relatório da União Europeia sobre a captura do tubarão afirma categoricamente que se trata de uma pesca sustentável em Cabo Verde. O documento, diz, menciona a capacidade da população de tubarão-azul do Atlântico em sustentar níveis relactivamente altos de pesca em comparação com outras espécies, mas, frisa, o mesmo documento chama atenção ao status de vulnerabilidade intermédia dessa população. “Ademais (o relatório) cita o recente trabalho da ICCAT que, embora assinala que essa população não esteja sendo alvo de sobrepesca, também reconhece os altos níveis de incerteza quanto a essa avaliação”, sublinha essa bióloga, que lança o alerta quando Cabo Verde se prepara para iniciar uma ronda de negociação do acordo de pesca com a União Europeia já nesta semana.

A expectativa da bióloga é que a pesca do tubarão seja muito bem contemplada no próximo acordo. Na sua opinião, tem havido melhorias a cada negociação do protocolo, mas entende que passos mais firmes precisam ser dados com urgência, nomeadamente a colocação de observadores a bordo dos barcos e a adopção de programas de investigação contínua. Para ela, mais importante que as questões económicas constantes do acordo são as garantias de sustentabilidade das espécies alvo de captura e de todo o ecossistema.

Biólogos juntos pela protecção dos tubarões

A preocupação de Corrine Almeida é a mesma de outros biólogos cabo-verdianos, da Biosfera I e de um grupo de cientistas que tem estado insistentemente a “chatear” as autoridades com o problema da pesca do tubarão por barcos da União Europeia. Para biólogos e ambientalistas como Rui Freitas, Tommy Melo, Edita Magileviciute e Zeddy Seymour, a realidade aponta para um nítido desaparecimento do tubarão das águas de Cabo Verde. “Hoje não tenho dúvidas de que a falta do tubarão nas águas oceânicas de Cabo Verde veio trazer desgraça directamente ao nosso povo. Tubarões, os patrulhadores e controladores que enroscavam a cavala à costa (top-down control), deixaram de o fazer devido a sua diminuição e, como consequência, está claro que as cavalas migraram para oceano aberto, tornando escassa e insustentável a pesca artesanal nacional costeira”, diz Freitas num documento a que este jornal teve acesso. Segundo esse professor, sem dúvida que Cabo Verde está a sofrer a “desgraça” provocada pela pesca contínua dos tubarões e atuns na sua Zona Económica Exclusiva como parte do grande ecossistema marinho do Atlântico tropical, que, diz, está toda ela sufocada e depradada.

Na opinião de Tommy Melo, responsável da organização Biosfera I, hoje ninguém consegue mais se esconder atrás das “mentiras” de políticos e multinacionais “que só querem encher o bolso, mesmo que deixando à míngua populações humanas”. “As evidências de sobrepesca são gigantescas e distribuídas por todos os mares e oceanos. As capturas de há 30 anos não se comparam em tonelagem nem em tamanho de espécimes com as dos dias de hoje (mesmo com um aumento exponencial do esforço de pesca e da tecnologia empregue)”, realça o ambientalista, que aconselha o Governo de Cabo Verde a seguir o princípio da precaução no tocante à pesca do tubarão.

Posição muito parecida tem a bióloga marinha Edita Magileviciute ao realçar que centenas de cientistas em todo o mundo concordam que o princípio da precaução é essencial para se resgatar as populações dessa espécie no presente século. A informação sobre o esgotamento do stock de tubarões-azúis actualmente disponível em Cabo Verde, frisa Magileviciute, está fragmentada e com elevado grau de incerteza.” Assim sendo, até que dados robustos sobre a abundância relactiva estejam disponíveis, aconselha a monitorização adicional da saúde dos tubarões-azúis, mas nunca o aumento das cotas de captura. Isto, prossegue, se o país está interessado em manter um dos seus recursos naturais mais valiosos.

A preocupação dos especialistas já é do conhecimento do ministro José Gonçalves, que delegou ao Secretário de Estado Paulo Veiga a responsabilidade de estudar os dados relactivos à captura do tubarão em Cabo Verde. No entanto, Gonçalves adverte que há opiniões divergentes dos especialistas sobre a situação dessa espécie no mundo. “Em Cabo Verde, a captura do tubarão não é ainda uma prática pelo menos a nível oficial. Trata-se de uma espécie que se reproduz naturalmente, mas, tal como acontece com outros peixes, há um limite para a sua pesca. Sabemos que no exercício da pesca vêm outras espécies na rede e que sequer tiramos proveito económico disso”, reconhece o governante ao ser confrontado por Mindelinsite sobre essa matéria. A seu ver, Cabo Verde precisa aprofundar estudos sobre o seu próprio mar, quando se sabe que é um país que tem 99 por cento de água salgada e apenas 1 por cento de terra. Relembra, aliás, que o seu ministério vai realizar na cidade do Mindelo o “Cabo Verde Ocean Week” em Novembro, uma semana que, diz, será dedicada ao debate, à descoberta do mar e à economia azul.

Fonte: Mindelinsite

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