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Cultura

Investigador defende Memorial Amílcar Cabral em Cabo Verde

O investigador João Pedro Martins defendeu que Cabo Verde estaria hoje na rota do turismo arquitetónico mundial se tivesse construído o Memorial Amílcar Cabral projetado pelo arquiteto Óscar Niemeyer e oferecido pelo Brasil, mas mudanças políticas impediram a concretização.

“Era muita coisa para um país como o nosso. Seria o melhor arquiteto do mundo [Óscar Niemeyer] e o melhor arquiteto paisagista do mundo [Burle Marx]”, afirmou o arquiteto cabo-verdiano, autor de um estudo sobre a relação arquitetónica entre o Brasil e Cabo Verde.

No decorrer desta investigação, o também coordenador do curso de arquitetura da Universidade Piaget em Cabo Verde, encontrou a memória descritiva para o projeto do memorial de Amílcar Cabral e os esquissos do mesmo que revelam um projeto muito diferente do atual, inaugurado em 2000 e construído com financiamento chinês.

Na base da oferta do Brasil a Cabo Verde deste projeto esteve a ligação fraterna entre os dois países que na década de 1980 comungavam de afinidades políticas.

Na altura, o Presidente da República do Brasil era José Sarney e o de Cabo Verde Aristides Maria Pereira. “Havia esta questão dos partidos serem da esquerda e existir uma relação muito harmoniosa entre os dois governos”, acrescentou.

“O Governo de Sarney estava a sair de uma fase de ditadura militar e Cabo Verde tinha poucos anos de independência de Portugal”, referiu, recordando que o Presidente brasileiro veio a Cabo Verde dizer que iria oferecer um projeto, sem o definir.

Cabo Verde optou por um memorial Amílcar Cabral, o fundador da nacionalidade cabo-verdiana e guineense, e criou uma comissão nacional, constituída por vários arquitetos de diferentes direções e ministérios, a qual elaborou uma memória descritiva em que define o perfil de Amílcar Cabral.

O arquiteto João Pedro Martins sublinhou as características de Cabral que a comissão quis destacar para o memorial: “Era um homem que muito se relacionava com o povo, que queria estar perto do povo”.

“A memória descritiva destacava que era preciso passar a imagem de um herói, uma pessoa, um mártir”, mas sobretudo “de um homem que não queria estar distante. Por isso é que a questão da localização foi tão discutida”, adiantou.

Segundo o arquiteto, “os técnicos convenceram o Governo cabo-verdiano de que a melhor decisão seria fazer o monumento onde as pessoas pudessem ter essa relação muito próxima”, a qual simbolizava “o homem que foi Amílcar Cabral”, tendo optado pelo Taiti, zona junto à Avenida Cidade de Lisboa, a maior alameda na cidade da Praia.

E desta discrição constava, inclusive, a forma como Amílcar Cabral se vestia e se comportava.

Com estes dados, Óscar Niemeyer elaborou uns esquissos que apontam para uma obra muito diferente da atual.

“A base que temos hoje é uma base fria, quadrada, com os símbolos nacionais, mas o trabalho do Óscar Niemeyer não tinha nada disso. Era como se fosse uma mão que segurava o Amílcar Cabral. O esquisso não mostra o busto, a parte anatómica da escultura, mas mostrava qual é que era o conceito e o conceito era além da estátua”.

João Pedro Martins questiona ainda outras características da estátua atual. “Hoje temos um Amílcar Cabral com uma gabardina e nós vivemos com uma temperatura perto dos 30 graus. E Amílcar Cabral usava camisas sem manga, mesmo como diplomata em conferências internacionais. Não se vestia com gabardine e tinha uma postura muito simples. Parece uma imagem de um líder asiático com a cabeça do Amílcar Cabral”.

Coube à comissão cabo-verdiana viajar para o Brasil e entregar a Óscar Niemeyer, que não gostava de andar de avião e evitava fazê-lo, toda a informação sobre o herói nacional. Regressou com o conhecimento do projeto, uma maquete e a certeza de que a obra era para avançar.

Mas não avançou. Apesar da intenção muito firme de José Sarney de concretizar esta oferta, em 1990 as eleições no Brasil levam ao poder Fernando Collor de Mello e Cabo Verde muda para um Governo de transição, pluripartidarista, de direita.

“Não houve continuidade, tanto de quem ofereceu, como de quem ia receber o projeto”, disse João Pedro Martins, para quem à mudança de governos se terá aliado a impossibilidade financeira de Cabo Verde financiar uma construção deste nível.

Além do traçado de Niemeyer, a obra contaria com o contributo do arquiteto paisagista Burle Marx, considerado o melhor do mundo e que já colaborara com Óscar Niemeyer em outros projetos como o conjunto moderno da Pampulha, no Brasil, obra onde se podem identificar alguns traços semelhantes aos esquissos para o Memorial Amílcar Cabral.

Com os esquissos de Niemeyer na gaveta, o Governo de Cabo Verde, já com Leão Lopes no Ministério da Cultura, acabou por criar uma nova comissão que fez a relação diplomática e técnica com o Governo chinês, o qual se comprometeu com a doação deste projeto.

João Pedro Martins acredita que, a ser erguido, o Memorial Amílcar Cabral por Óscar Niemeyer seria “um ícone, um marco, uma obra de visitação, um ponto turístico”.

“Uma obra de Óscar Niemeyer seria um dos elementos, um fator de desenvolvimento do turismo de Cabo Verde”, declarou, acrescentando: “Seria uma contribuição enorme para a economia cabo-verdiana termos um projeto de Óscar Niemeyer, um memorial de um herói nacional como é Amílcar Cabral”.  

LUSA

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