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Sociedade

Guardiã de praia em Cabo Verde luta pelas tartarugas e contra o plástico no mar

Aos 71 anos, Ilse Drescher é uma espécie de guardiã da praia de São Francisco, na ilha cabo-verdiana de Santiago, travando uma luta pela defesa das tartarugas e contra o plástico que o vento insiste em levar para o mar.

Esta alemã de nome difícil de pronunciar, e por isso conhecida como Paula, apaixonou-se pelo calor e as gentes cabo-verdianas, mas o seu grande amor é a praia de São Francisco, uma das mais limpas da ilha de Santiago, o que também se deve à sua dedicação.

Na sua casa a poucos metros do acesso a esta praia de rara beleza, onde a areia é branca e as ondas batem forte, há cães, gatos e vegetação que insiste em sobreviver apesar da seca e do vento que quase tudo leva.

Aqui vive com o filho, com quem partilha o amor pela natureza e a dedicação à praia e é com ele e mais alguns guardas que durante cinco meses por ano, entre junho e novembro, passa várias noites na praia durante a época da desova das tartarugas e posterior encaminhamento destes animais para o mar.

“Quando chega a primeira tartaruga colocamos uma tenda, onde quatro guardas ficam durante a noite”, contou.

Esta vigilância impede a destruição dos ninhos e ajuda também ao controlo dos ovos. Quando as tartaruguinhas nascem, os seus guardiões ajudam-nas a ir em direção ao mar.

Segundo Ilse Drescher, na última época de desova nasceram tartarugas de 61,6% dos ovos, as quais seguiram para o mar.

As tartarugas são uma das principais preocupações de Ilse Drescher, que preside à Associação Fauna e Flora de São Francisco, cuja missão é manter a praia limpa de forma a que estes animais aqui venham todos os anos deixar os seus ovos.

Os números da última época de desova (2018) não podiam ser mais animadores, com mais de 109 mil ninhos de tartaruga em Cabo Verde. Na praia de São Francisco, os ninhos aumentaram de 61 para 210, uma subida que ninguém consegue explicar, tal como em todo o arquipélago.

Ilse Drescher acredita que a limpeza da praia é fundamental, assim como o estado da areia, por isso fica horrorizada quando se apercebe que os carros circulam no areal, mesmo tendo colocado pedras gigantes para impedir o acesso, algumas com centenas de quilos, mas que mesmo assim já conseguiram deslocar.

“Os pneus dos carros largam substâncias que estragam a microvida”, disse à Lusa, lamentando ainda o que as pessoas deixam na praia, como dejetos, vidro, caricas.

Isto apesar de a autarquia local garantir a limpeza da praia com duas funcionárias, um pedido da associação bem sucedido e que veio melhorar em muito o estado da areia, onde a vegetação é rara e por isso alvo de uma especial atenção por parte dos amantes da natureza local.

A colocação de caixotes de lixo foi outro objetivo alcançado, assim como placas a avisar que é proibida a entrada de veículos na praia, várias vezes alvo de vandalismo.

Mas o grande inimigo desta praia é o plástico, levado principalmente por foliões que aproveitam a sombra de algumas árvores para fazerem piqueniques ao som da música, sempre presente nos convívios cabo-verdianos.

O problema, contou, é que os ventos alísios que afetam o arquipélago durante todo o ano, e são particularmente fortes naquela zona, levam o plástico em direção ao mar e não há confraternização que acabe sem que metade dos plásticos utilizados estejam já no oceano.

A septuagenária não desiste de tentar apelar aos convivas para irem colocando o lixo nos contentores, mas raramente é bem-sucedida e muitas vezes volta a casa depois de ouvir alguns impropérios, principalmente se a refeição for acompanhada de bebidas alcoólicas, disse.

Para Ilse Drescher, uma medida que poderia ajudar a preservar a limpeza da praia seria a colocação de instalações sanitárias, pois o areal é muitas vezes usado para esse fim, para desespero de quem o limpa.

Convencida que o trabalho realizado pela associação com a ajuda da autarquia levou ao bom estado da praia, Ilse elege como grande ameaça a realização de festas e festivais, não só pelo lixo que vão provocar, como também pelo barulho e as luzes que podem por em causa a sobrevivência das tartarugas que ali anualmente vão por os seus ninhos, bem como às “tartaruginhas” que entretanto nascerem.

A presidente da Associação Fauna e Flora de São Francisco recorda que a lei de proteção das tartarugas estabelece limites à luz e ruído, mas duvida que a mesma seja efetivamente cumprida se as festas forem autorizadas.

Por outro lado, a proximidade do areal do recinto onde já se realizaram festas e que Ilse receia virem a ser novamente usadas, revela-se uma tentação para os festivaleiros, além de acabarem por serem usadas como casas de banho.

“São grandes festas, com muita luz e movimento à noite. Fazem lá as necessidades, mas a polícia quando é chamada não controla nada. A praia fica suja”, lamentou.

Para Ilse Drescher, “mais festas significa menos ninhos de tartarugas”.

“Se estragamos o ambiente, as tartarugas não chegam porque não têm condições”. E a “areia estragada” também não é boa para os ovos, alertou.

LUSA

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