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Sociedade

Moral e Religião nas escolas públicas gera controvérsia

A decisão de avançar, ainda que de forma opcional, com a disciplina de Educação Moral e Religiosa nas escolas públicas está a dividir opiniões na sociedade cabo-verdiana. Inclusive, já está a circular uma petição pública na internet para o “fim dos privilégios religiosos em Cabo Verde e o respeito à laicidade no ensino público”. A ministra Maritza Rosabal desvalorisa esses questionamentos e alega que está tudo dentro da “legalidade”.

O Ministério da Educação vai implementar, a partir deste ano lectivo 2019/20, a disciplina de Educação Moral e Religiosa nas escolas públicas, conforme previsto na Concordata assinada entre a Santa Sé e o Estado de Cabo Verde, em 2013. Esta é a grande novidade do ano lectivo que arranca na segunda-feira, 23 de Setembro.

Mesmo sendo disciplina de opção (ou seja, não obrigatória), a medida está a dividir opiniões no país e na diáspora. Inclusive, já está a circular uma petição pública na Internet intitulada “Fim dos privilégios religiosos em Cabo Verde e o respeito à laicidade no ensino público” encabeçada por Milton Monteiro, radicado no Brasil, professor doutorado na Universidade Federal do Tocantins e membro-fundador do Observatório da Liberdade Religiosa-OLIR Brasil.

Laicidade do Estado

Conforme argumenta, “com o anúncio da implementação da disciplina Educação Moral e Religiosa Católica nas escolas públicas, faz-se necessário, mais do que nunca, o debate sobre a laicidade do Estado cabo-verdiano e apresentar ao público algumas nuances por detrás dessa medida que fere frontalmente o Artigo 50º da nossa Constituição: a proibição de ensino público confessional’’.

Monteiro avança ainda que dará seguimento a uma queixa e petição pública a serem encaminhadas ao Provedor de Justiça, visando “instigá-lo a submeter ao Tribunal Constitucional ação declaratória de inconstitucionalidade do ensino público confessional”, bem como uma carta a ser encaminhada à Embaixada dos EUA em Cabo Verde, “que tem colhido subsídios para vistoriar a Liberdade Religiosa no país”, por meio da publicação anual do Cabo Verde International Religious Freedom Report.

Uma semana antes do arranque do ano lectivo, em entrevista à Televisão de Cabo Verde (TCV), a Ministra Marizta Rosabal desvalorizou a polémica reafirmando que a introdução opcional da disciplina Educação Moral e Religiosa nas escolas públicas está dentro da “legalidade” e que resultou de um acordo entre o Estado de Cabo Verde e a Santa Sé.

Inclusive, o mesmo foi aprovado no Parlamento e ratificado pelo presidente Jorge Carlos Fonseca. A ministra chamou atenção para o facto de não ser uma disciplina obrigatória e que os pais têm “liberdade” de escolher se querem ou não matricular os filhos.

Debate nas redes sociais

Nas redes sociais o debate decorre. A internauta e escritora Eilleen Barbosa colocou um post na sua página de Facebook expondo publicamente a sua posição. “Acreditei sempre que existe liberdade e acreditei sempre que crescia num país laico, o que para mim é muito importante – pois sou ateísta desde os 13 anos”.

Isto para argumentar depois a sua desilusão face à medida implementada. “De maneira que me têm surpreendido e preocupado medidas que o Governo tem tomado em relação à religião católica, o que me parece sempre uma dupla traição: traição à laicidade do Estado e traição às outras confissões religiosas existentes no país. Falo de exemplos recentes como a introdução da disciplina Moral e Religião no ensino público e da concessão de tolerância de ponto pelo falecimento de uma alta entidade católica, que sequer estava no exercício das suas funções”.

Eilleen Barbosa levantou ainda a questão de que existem outras religiões, incluindo praticadas por alunos nas escolas. “Eu sou ateísta, sim, mas outros são nazarenos ou testemunhas de Jeová. Mas todos enviamos as nossas crianças para as mesmas escolas, onde vão para serem ensinadas e não doutrinadas em religião. Principalmente, numa única religião, escolhida por quem?”, questiona.

Na mesma linha, Irene Cruz diz defender que “o Estado deveria assegurar um outro tipo de abordagem da religião”. Para a disciplina de Educação Religiosa e Moral “mais parece uma extensão da catequese, pelo que a igreja Católica poderia encontrar outros espaços para o fazer, que não a escola pública”. Essa internauta dá o exemplo do método adoptado em outros países.

“Sei que em algumas escolas (Reino Unido, por exemplo) existe a disciplina de Estudos Religiosos que não se destina a converter ninguém, mas a abordar todas as religiões, permitindo assim ao aluno compreende-las. Por mim mais valia apostar na área da ética….”. Quem paga os professores? A mesma levanta ainda uma pergunta que foi também abordada pelo economista e empresário Paulino Dias que é se os professores que irão leccionar essa disciplina serão pagos pelo Estado, com os impostos públicos.

“Quem vai pagar os professores desta disciplina? Não será “legítimo” então que amanhã os Nazarenos, Protestantes, Muçulmanos, Praticantes de Candomblé… venham exigir o mesmo tratamento – ensino da sua religião nas escolas – pagos pelos bolsos de nós todos, contribuintes?”, questiona Paulino Dias, no sentido de apelar também à cidadania fiscal.

Naturalmente, há também internautas a favor da medida. Os prós disciplina Educação Moral e Religiosa não vêem nenhum mal, uma vez que se trata de uma “opção” e não é “obrigatória”. A internauta Lei Evora Tavares é a favor e questiona: “em que é que o ensino da moral e religião vai prejudicar? As outras religiões propuseram alguma contribuição? Ao que me parece, eles têm liberdade para tal…” Há muitos outros que defendem o ensino da Teologia como acontece em outras paragens, ou da História das Religiões, de forma ampla.

De notar que A NAÇÃO tentou apurar o número de alunos já inscritos na disciplina, mas não conseguiu até ao fecho desta edição.

Gisela Coelho

*Esta reportagem foi publicada no caderno especial Educação na edição impressa nº629 do jornal A NAÇÃO

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