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Opinião

“Vitu”: A história de um homem marcada pela aventura à palma da mão

Por: Nataniel Vicente  Barbosa e Silva 

 

O que é um adivinho? 

 Trata-se da pessoa que se julga dotada da faculdade sobrenatural, fenómeno fora do alcance da maioria das pessoas.

  Será o “Vitu” um desses tais inspirados? Uma hipótese que não é de todo impossível. Enganam-se aqueles que pensam que os dotados são seres super-inteligentes, muito atraentes, letrados, com grandes poderes materiais, de grande pujança física, de barbas grandes, cabelos compridos, olhos brilhantes ou algo parecido.  

 O próprio Evangelho nos relata: “Naquele tempo falou Jesus, dizendo: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.”

O Vítu, trata-se, efectivamente, de uma pessoa simples, iletrada, um homem do campo, que nasceu e cresceu no meio rural. 

 

Perfil 

Calmo, alegre, pacifico, franzino de corpo, mas, de alma e um coração nobre. Ar descontraído e comedido nas palavras. Muitos acreditam, seriamente, nele residir algum segredo oculto já que acerta de forma instantânea e espontânea em certas coisas, através da palma da mão de quem se apresentar, tentando alguma curiosidade.   

Ao longo da história, sabemos que tem passado por este Planeta, homens valorosos, simples, letrados e iletrados que se notabilizaram pelo dom das profecias, desde os primórdios dos tempos à nossa era.  

O célebre Nostradamus, como se sabe, foi um homem excepcionalmente culto, um francês, que viveu entre os anos 1503 e 1566. Foi médico, astrólogo e uma espécie de profeta em seu tempo. Conquistou muita fama ,não só no campo da Medicina, como na  Astrologia,  mas, particularmente, nas suas profecias.

  Na nossa terra tivemos a história de um tal “Nho Naxu”, imortalizado por vários artistas. Foi, provavelmente, um homem iletrado do meio rural. A super-conhecida “Nha  Balila”, a mulher cega que vê com o coração, que chegou a conhecê-lo, fala dele com precisão e das suas profecias.

 O “Vítu” não é um futurologista no sentido estrito do termo, e nem se arrisca nesse domínio, porque conhece os seus limites. Ele lê, simplesmente, a palma da mão (mão direita usualmente!) e vaticina a “sorte” do(a) “cliente”, sem entrar na vida privada da pessoa, privilegiando sempre o lado positivo do indivíduo, evitando entrar em certos detalhes do lado oposto. Optando-se apenas em emitir alguns conselhos sobre o estado físico da pessoa. O “consultante” fica, no entanto, precavido de algumas situações adversas, susceptíveis de colocar a sua saúde em causa. Vale mais prevenir de que remediar, reza o velho ditado. 

Voltamos de novo ao Santo Evangelho: “Certos mistérios são revelados aos simples e ocultados aos entendidos”.  Socorrendo pois, às Palavras do Divino Mestre, ficamos, então, com uma certa percepção de que “Vitu” poderá estar “envolvido” de algum dom especial. Mal compreendido, ele é tratado, muitas vezes, como algo para se descontrair e, até com um certo desdém.  

    

Quem é ele?

Victor Correia Semedo – ou simplesmente “Vitu” como é popularmente conhecido -, nasceu em Casa Choca, no Município do Tarrafal, a escassos quilómetros da (hoje) Cidade de Mangui, a 16 de Setembro de 1943. É o quarto filho de um modesto casal: Anastácio Gomes Semedo e Filipa Fernandes. Dentre os cinco irmãos: três raparigas e dois rapazes, apenas as duas primeiras se encontram vivas. O primeiro filho morreu com nove anos de idade.          

“Vitu” é uma pessoa largamente conhecida, não só pelo seu dom de “vaticinar o signo” das pessoas, mas, também, pela sua simplicidade. Na Cidade de Mangui, lugar onde se desloca frequentemente, a sua presença nunca passa despercebida. 

Não frequentou os banquinhos da escola, à semelhança dos outros garotos do seu tempo, ademais, os pais eram “Rabelados”. Situação que, segundo conta, o pai, sofrera um certo revés por parte das autoridades locais, onde, foi,  em companhia dos seus companheiros, também “Rabelados”, perseguidos e desterrados para fora da sua Ilha. Foram dispersados para as ilhas de São Nicolau, São Vicente e Santo Antão…separados um do outro. 

Relata assim, o facto, ao seu estilo peculiar:  “Pamodi nha pai era rabeladu, enbarkadu pa São Nicolau. Kezotus kolegas, podu kada un na un tera. Ez enbarkadu pamodi di religion kes nega.  Ez tomadu sez  livru, mandadu pa Roma,  pa ba sentensiadu kazu,  dipoz ki kazu sta sentensiadu,  ez mandadu fotu (fotocópia de livro). Anton, ez torna mandadu pa sez tera.  Ez fladu ma kuza kez fla e só verdadi. Padri pidiz dizkulpa, flaz me badiu ki fazez intriga”. 

Coisas do passado. Um passado conturbado e mal compreendido, que levou muita gente ao sofrimento, por causa da sua convicção religiosa, movido pelas intrigas.  

 

A triste e célebre fome de 1947 

Em 1947, para escapar à fome, conta que os pais mudaram para a Ribeira da Prata. 

“Vitu” não se recorda muito bem da data certa, porque, nessa altura contava apenas quatro anos. Entretanto, 12 anos depois da passagem da crise, voltaram ao lugar de origem. 

Nessa altura, já era um rapazote dos seus 16 anos. A partir daí, “Vitu” jamais deixou a sua aldeia-natal, passando aí toda a sua juventude. 

E realça: “ Kantu mi era mininu, N ta fazeba tudu trabadju: N ta panhaba lenha, N ta kuzinhaba, N ta pastoraba, N ta kotxiba midju N ta bentiaba. N ta fazeba tudu trabadju di kaza. Aliás, ti inda N ta fazi”.

Ao contrário de muita gente da sua era “Vitu” nunca “tirou” os pés da sua terra, para qualquer aventura além-fronteiras.     

 

Vida militar não passou de uma miragem 

Em 1963, com a idade de 20 anos, “Vitu” foi “chamado” para a tropa, mas, como era o único filho varão, vivo na família, e dado que o pai se encontrava doente na altura, o administrador do Concelho fez um pedido ao Comando Militar, solicitando a sua dispensa da tropa, tendo em conta a situação dos pais, sendo ele o principal amparo dos mesmos. 

Recorda a data com uma certa graça, esboçando um sorriso: “Kumandanti era purtugez e flan na brinkadera: ba tropa bu ta bira gordu, nu ta tratau bem, nu ta dau gron di biku. En prinsipiu, N tinha gana bai, mas, N ben perdi vontadi, pamodi nha pai staba mutu duenti”.

 

“Djobi sorti” nasceu de brincadeira 

“Djobi sorti parsi na brinkadera”, revela. 

Entretanto, à medida que o tempo foi passando, “Vitu” ia conquistando terreno e desafiando os mais cépticos que, curiosamente, acabam por “cair” nas suas mãos. 

Ao longo dos 54 anos de aventura garante que nunca se lembra ter falhado nos seus palpites. 

Relata assim, no seu estilo próprio: “Kantu N kumesa ta djobi algen mo, N tinha 22 anos. Antis nunka koren  pa xintidu. N kumesa ku rapasis novus, N ta flaba ez, bu noiva sta mas pa riba di ki pa baxu, tudu ki N fla bati sertu. Algun tenpu dipoz, es ta volta es ta ben flan: ‘Vitu’, tudu ki bu fla da sertu. Di la, anton, fama ba ta kori ti ki tudu algen bira, mesmu di longi, ta ben pan djobel sorti. I ta da senpri sertu. Antis, algen era mas mansu i es ta pagaba mi midjor. Gosi algen dja bira mas runhu. Txeus  algen flan ma si Nta kobraba N ka mesteba trabadja. Kada algen ta da kel ke podi. Danadoris ka ta falta”.

É  caso para confirmar a velha máxima: “Quem desdenha quer comprar”.  

“Vitu” conserva, ainda, em si, a cultura tradicional do “rabelado”. Por isso, não é casado, vive em “união de facto” com uma mulher há dezenas de anos, que lhe “presenteou” uma prole de sete filhos, sendo cinco vivos, que já lhe aumentou a linhagem com três netos. 

 

(Publicado no ANAÇÃO impresso, nº 643, de 26 de Dezembro de 2019)

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