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Seus caminhos e vantagens

 

Por: Lucas Monteiro

A regionalização é, antes de tudo, uma decisão política de largo alcance, mas, mais do que isso, é um desafio à inteligência dos cabo-verdeanos para provar a sua capacidade de realizações como principais actores no processo de desenvolvimento de Cabo Verde

O processo de descentralização e regionalização dos poderes do Estado de Cabo Verde é pacífico e vai ganhando espaço e dinamismo nas ilhas, enquanto na Assembleia Nacional decorre a discussão, na especialidade, da lei que cria as Regiões Administrativas.

Até lá, vai-se registando na agenda política as opiniões de muita gente favorável e optimista, que vê no conjunto das reformas propostas, em sede de análise e emendas, a alternativa mais eficaz e coerente, a qual Cabo Verde tanto precisa para mitigar os males do sistema centralizado que ninguém sufragou nas urnas e tido como uma herança que não convém.

Opiniões menos optimistas não faltam, aliás, tudo o que é novo e sem rótulo vulgar, cria receios, muitas vezes infundados. As inovações, nalguns casos assustam, talvez sugerem incertezas que a subtileza do espírito não deixa de ponderar sem perder de vista o lado positivo.

No caso em apreço, basta lembrar os anos 2011-2012, na casa parlamentar cabo-verdeana, em que uma simples alusão ao tema regionalização, era malvisto.

Felizmente, o ambiente político criado à volta deste tema mudou muito e por isso, hoje é pacífico dialogar e discutir com serenidade, os aspectos mais notáveis e mais preocupantes do novo sistema de administração estatal, o qual responde às espectativas e anseios das populações nas ideias para o aprofundamento da democracia, e no respeito pelas diferenças, singularidades e especificidades de cada uma das ilhas de Cabo Verde.

Esse empenho político resiliente dos cabo-verdeanos constitui uma mensagem muito forte do povo de Cabo Verde para o mundo inteiro, de como se consegue evitar os intentos e equívocos da centralização de poderes no universo plural da democracia.

E note-se, no entanto, que a regionalização de Cabo Verde tem a sua filosofia de princípios, tem regras precisas e tem os seus próprios caminhos e vantagens, que envolvem dois níveis de responsabilidades com desenvolvimento diferenciado, indispensáveis à sua boa gestão e realização plena.

No primeiro item, destaca-se a organização político-jurídica, isto é, os instrumentos legais pelos quais irá reger-se o Estatuto das Regiões Administrativas e, no segundo, a criação efectiva das bases para alavancagem da economia local, que são os patamares fundamentais e prioritários para a consolidação das reformas, cujo objectivo principal visa o melhoramento da qualidade de vida dos cidadãos e o bem-estar das populações.

No essencial, as reformas não devem agravar as despesas públicas condensadas no Orçamento Geral do Estado e não justificam burocracias complicadas, com mais secretarias e mais funcionários públicos com o seu rosário de notas e ofícios.

Nada disso! Objectiva e estruturalmente, o novo estatuto promove a democratização dos poderes públicos, a única via suscetível de permitir, perante a lei, a igualdade de direitos e oportunidades dos cidadãos e das regiões, na medida em que é o próprio Estado a abster-se de certas prerrogativas do poder, incutindo nos órgãos administrativos regionais o sentido de estado e de responsabilidade partilhada, indispensáveis à boa governação, facilitando os instrumentos legais e os meios adequados e necessários para o aproveitamento dos potenciais recursos naturais e outros, em cada região, no quadro das reformas para o seu desenvolvimento e crescimento económico nas áreas de negócios e serviços, fomento de pequenas indústrias e outros para aumentar as rendas das famílias, principalmente as mais carenciadas, e reduzir tanto quanto possivel as desigualdades socioeconómicas entre regiões, e entre municípios e ilhas.

Para que tudo corra bem, sem precipitações e sem atropelos, a carroça não deve seguir à frente dos bois. Primeiro, os investimentos estruturantes adequados a cada região para criar condições favoráveis à libertação e exploração dos potenciais recursos não explorados ou mal aproveitados, devendo-se ter em conta que a consolidação das reformas não se fará de modo sincronizado com o mecanismo de um relógio, com hora, minutos e, segundos certos e muito menos com pesadas burocracias administrativas, incompatíveis com as oportunidades do desenvolvimento económico.

A regionalização é, antes de tudo, uma decisão política de largo alcance, mas, mais do que isso, é um desafio à inteligência dos cabo-verdeanos para provar a sua capacidade de realizações como principais actores no processo de desenvolvimento de Cabo Verde, sem deixar de ser uma medida a longo prazo para prevenir a instabilidade social no país, provocada pelos efeitos dos factores de risco já conhecidos, tais como:

Secas prolongadas, associadas às mudanças climáticas, desertificação acelerada do   Arquipélago e outros fenómenos naturais;

Escassez de terras aráveis face a reduzida dimensão do território nacional.

Concentração excessiva de população nos principais centros urbanos do país.

Aumento exponencial demográfico, etc.

Questão de fundo: À data da independência nacional – 5 de Julho de 1975 e mesmo antes daquela data histórica – , ninguém nos ensinou o ABC da economia e, por essa razão a insularidade do país não terá sido devidamente avaliada como um fator de perturbação do desenvolvimento económico harmonioso do Arquipélago, profundamente dispendioso e de enorme desgaste de energia de seus habitantes, devendo por isso mesmo merecer atenção especial, sobretudo no ponto mais sensìvel, o qual envolve as ligações marítimas e aéreas regulares entre as ilhas, para facilitar a mobilidade de pessoas, seus bens, serviços e negócios   em tempo útil e em condições vantajosas, sem esquecer que neste país arquipelágico os navios e aviões representam as estradas marítimas necessárias ao equilíbrio da economia nacional no seu todo e à coesão e unidade da nação cabo-verdiana, conforme estabelece a Organização Económica e Financeira do Estado, explícita no Arto . 91º , nº2, alínea h) da Constituição da República, donde se conclui, por força da lei, que nesta matéria o interesse particular está subordinado ao interesse geral da população, cabendo ao Estado a relevante responsabilidade dos transportes marítimos e aéreos de Cabo Verde, qualquer que seja o governo, de direita ou de esquerda.

Mindelo, 02 de Março de 2019

Publicado na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 601, de 7 de Março de 2019

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