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Sociedade

TIC na terceira idade

Práticas para uns, incompreensíveis para outros

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) ainda são relativamente novas para grande parte da população em Cabo Verde, especialmente para os mais velhos, que tiveram de se adaptar e reaprender novas formas de se comunicar. Para uns, elas vieram descomplicar, para outros, ainda é difícil de compreender.

Celestino Almeida, técnico de farmácia reformado, não só utiliza as TIC como lamenta que estas ferramentas não tenham sido “inventadas” na sua juventude, quando ainda utilizava uma máquina de escrever para redigir os seus textos.

Hoje com 83 anos, Didi Almeida, como é conhecido, recorda uma certa “rejeição” ou “não aceitação” das novas tecnologias, muito por conta do apego às “coisas antigas”, como diz. Entretanto, logo chegou à conclusão de que realmente a transição era imprescindível.

“Eu comecei a fazer a transição da máquina de escrever para o teclado do computador, depois com a internet. Quando descobri a facilidade que ganhei com um teclado perguntei a Deus porque aquilo não foi inventado na minha juventude. Seria uma coisa fantástica”, reconhece.

Adepto das redes sociais

Aberto às novas experiências, Didi Almeida encarou as TIC como uma “arma” para ajudar as pessoas no seu dia-a- dia. Hoje em dia, para além do computador e telefone móvel, é adepto das redes sociais, nomeadamente o Facebook, Messenger e Viber, que lhe permitem uma “facilidade extraordinária” para se comunicar com as pessoas, seja em Cabo Verde, ou no estrangeiro, sem sair do conforto da sua casa.

A adaptação, para Celestino Almeida, caminhou ao ritmo da curiosidade em descobrir este novo mundo.

“Eu sempre pergunto aos meus filhos quando tenho alguma dúvida. No Facebook é mais fácil, apenas tenho de ter o cuidado de selecionar aquilo que me é útil, pois também contém muito lixo. É preciso traçar uma linha de orientação”, explicou, dando ênfase aos contactos que publicam “coisas boas e de utilidade”, e que fazem com que nunca pare de aprender, em mais de oito décadas de vida.

Não obstante utilizar estes aplicativos para se comunicar, bem como o correio electrónico, no que toca a manter-se informado, Celestino ainda prefere conservar os meios convencionais.

“Para acompanhar as notícias eu ainda prefiro a rádio, que gosto muito, jornais e televisão. Até agora é o que me basta”, acrescenta, alegando alguma incapacidade técnica para “estas coisas”.

Encurtar fronteiras

Também para Mário Mota, de 65 anos, as novas tecnologias são, sobretudo, uma forma de encurtar fronteiras. Teve acesso alargado a elas enquanto emigrante em Espanha, como uma forma de substituir o tempo e custo de enviar cartas para a família em Cabo Verde.

Também por curiosidade, Mário chegou a fazer um pequeno curso de manutenção de computadores, que veio a tornar-se um hobby.

Neste momento, segundo conta, utiliza as redes sociais constantemente, para manter o contacto com os filhos que ficaram em Espanha, desde que regressou, reformado, a Cabo Verde.

“Falo com eles em vídeo chamadas, feitas predominantemente do computador. São grandes invenções que facilitam a todos”, explica.

Entretanto, mesmo com toda a praticidade destas ferramentas, Mário diz que sente falta de escrever, no papel, como antigamente.

“Eu gosto de escrever. Sinto falta da ternura de comunicar através de uma carta, mas também tento adaptar-me”, ressalta.

Para este mindelense, a adaptação não foi de todo difícil. Aprendeu com amigos e teve o apoio do genro, técnico informático, que o ajudou a “compreender melhor” o novo terreno em que estava a pisar.

Superar barreiras na utilização das TIC

Encarar as novas tecnologias quando não se é alfabetizado pode parecer um bicho de sete cabeças. Muitos nem chegam a tentar. Por outro lado, estas ferramentas estão cada vez mais modernizadas, oferecendo soluções a quem, por exemplo, não sabe ler ou escrever.

Maria da Luz Gomes, de 60 anos, só precisou “aprender o caminho”, memorizando os passos para fazer uma chamada, quer no Messenger ou no Whatsapp, já que não aprendeu a ler nem a escrever. No início não foi fácil, reconhece. Precisou da ajuda dos filhos e depois do neto.

Mas com tempo e paciência ganhou autonomia para se comunicar através de chamadas de vídeo e de áudio. A pessoa com quem quer falar é identificada pela foto e o procedimento é simples, segundo conta.

A responsável por apresentar estas ferramentas a Maria da Luz foi a filha, Ariana Rodrigues, residente em Portugal, ao criar para ela uma conta no Facebook. Uma forma que encontrou para mantê-la por perto mesmo à distância.

Ariana foi para Portugal depois de terminar o ensino secundário e, segundo conta, por alguns anos era difícil comunicar com a família em Cabo Verde, pois só o fazia por chamadas telefónicas, que eram caras.

“Quando eu vim para Portugal já havia o Facebook, mas a minha família não tinha acesso. Ou seja, só falávamos por telefone e era difícil porque não tinha condições de ligar sempre. Quando falei com os meus pais pela primeira vez por vídeo chamada foi o dia mais feliz da minha vida. Foi como se fosse um reencontro” recorda.

Agora, segundo diz, consegue manter contacto quase diário com a família, especialmente com a mãe, com quem era mais difícil interagir por meio das tecnologias.

“Hoje ela tem Whatsapp e já pode ligar-me sempre que quiser, sem precisar da ajuda de ninguém”, sublinha.

Segundo um estudo da plataforma Datareportal, divulgado em Junho deste ano, mais de 270 mil pessoas utilizam as redes sociais em Cabo Verde, cerca de 49% da população do país. Cerca de 99% tem esse acesso através dos telemóveis, segundo a mesma fonte.

Maria da Luz Gomes

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 677, de 20 de Agosto de 2020

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