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Legislativas 2021: Levarei em devida conta a Plataforma Eleitoral que: 8) Altere a linha oficial da pobreza

Por: António Carlos Gomes

Programa de reajustamento estrutural do BM e FMI

Na década de 80 do século passado, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) submeteram os países ditos do Terceiro Mundo a um severo programa de reajustamento estrutural cuja vertente principal era a privatização e a passagem, sem transição, para a economia do mercado.

Os resultados desta opção traduzem-se por uma degradação da situação social – agravamento da pobreza e deterioração do sistema de saúde – e uma desindustrialização cujo efeito, ainda hoje, se faz sentir.

Para as duas instituições atrás referidas, o insucesso das medidas explica-se pelo patrimonialismo excessivo, uma economia de renda e uma fraca participação da sociedade civil.

Estratégia de crescimento e redução da pobreza

Como solução propuseram uma segunda geração de reforma em que se valoriza a participação da sociedade civil consagrada no conhecido Documento da Estratégia e Crescimento e Redução da Pobreza.

Um pouco mais tarde, porém, avançaram e impuseram a proposta de uma linha de pobreza de $1,5 e $2 dólares para pobreza extrema e pobreza respetivamente. Estes valores correspondem à média (arredondada) da linha da pobreza dos quinze países mais pobres situados entre os trópicos dos quais treze estão localizados no nosso continente.

Inúmeras foram as críticas à proposta do Banco Mundial e as mais severas surgiram após a queda da União Soviética no momento em que os novos países rejeitaram a linha universal que, em 1991, era de $1 dólar/dia e, coletivamente, propuseram o valor de $4 dólares como linha da pobreza com o argumento de que sofrem de um clima desfavorável no inverno.

A proposta dos países do Leste Europeu foi aceite com base na especificidade dos mesmos.

Linha de pobreza de Cabo Verde

O mesmo critério da especificidade pode ser utilizado por Cabo Verde para propor uma linha da pobreza oficial definida a partir da nossa realidade e das adversidades que temos de enfrentar e que nos permite, uma vez por todas, conhecer a exata dimensão da pobreza.

Na verdade, os 262$00 diários para o meio urbano e 224$00 diários para o meio rural são demasiado baixos para traduzirem o grau de precariedade e de privação de que padecem muitas famílias cabo-verdianas.

Aliás, em 2015, é o próprio Banco Mundial que propôs aos países de rendimento médio que adotem $3,10 dólares/ dia em vez do $2 dólares/dia.

Mesmo este valor não satisfaz porque qualquer que for o ano de referência para a determinação do fator de conversão (paridade poder de compra) deixa de fora todos os rendimentos que estão entre este valor e o salário mínimo praticado em Cabo Verde dando-nos uma informação destorcida sobre a real dimensão da pobreza.

Ora, ninguém em perfeito juízo duvida que quem vive unicamente do salário mínimo é pobre pelo que não faz sentido deixá-lo de fora na medição da pobreza. É obvio que isso acabará por aumentar a taxa de incidência da pobreza, mas conheceremos melhor o problema e não viveríamos enganados e enganando.

Linha universal de pobreza: nivelamento por baixo

Mas o problema da linha universal da pobreza está na sua génese. Martin Ravallion o autor da proposta de $1,90 que o Banco Mundial arredondou para $2 dólares diz que a escolha de uma linha de pobreza tão baixa se justifica pelo facto de ele e a sua equipa quiseram “estabelecer uma linha de pobreza global pelo padrão do entendimento e significado da pobreza nos países pobres estando, porém, cientes de que os países ricos têm, naturalmente, um padrão muito maior” (A Dollar a Day Revisited, pag.163. Tradução minha).

Na verdade, o que ele e a sua equipa fizeram não é outra coisa senão um nivelamento por baixo ao escolher, de entre os 74 países, os 15 mais pobres situados entre os trópicos para determinar a média do rendimento que seria utilizado para definir a linha da pobreza.

É este nivelamento por baixo que satisfaz plenamente os políticos quando estão no poder que, combinado com a má vontade e a indiferença, nos impedem de vencer a pobreza.

Em suma, os compromissos que nos obrigam a ter dados para efeito de comparação internacional não devem impedir-nos de organizar informações de maneira a permitir-nos obter um conhecimento real do problema que estamos a tratar.

Devemos, pois, construir um consenso nacional sobre o nível de rendimento que permite uma família, um indivíduo, viver com dignidade e será esse nível de rendimento a nossa linha de pobreza. Tenho, por mim, que esse rendimento está acima do salário mínimo nacional porquanto quem vive com o equivalente a 500$00/dia é pobre sim senhor. Assim sendo, a plataforma eleitoral que tem a pretensão de munir o INE dos meios necessários para nos fornecer a linha da pobreza internacional bem como a linha de pobreza nacional será aquela que merecerá o meu afeto.

(Continua)

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 695, de 24 de Dezembro de 2020

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