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Diáspora

Neia Fernandes: Emigrante no Luxemburgo, cientista sócio-política, com mestrado em Direitos Humanos e Acção Humanitária  

Com oito anos de vida seguiu para a França, onde fez os seus vários níveis de estudos, vindo a trabalhar, após mestrado, na Cidade da Praia – a Capital de Cabo Verde -, na Delegação da União Europeia (UE), e, depois, na Cooperação Luxemburguesa (LuxDev). Neia Fernandes reside, presentemente, em Luxemburgo, na companhia do marido e da filha e desafia os cabo-verdianos a serem “actores pró-activos das suas vidas, procurando, dia após-dia, soluções para melhorarem as suas condições de vida e das suas famílias”. 

Os seis anos passados em Cabo Verde, após a obtenção do mestrado, repartidos entre a Delegação da UE e a LuxDev, serviram de “enriquecimento” a Neia Fernandes, nos domínios profissional e familiar. “Aprendi a conhecer a área da Cooperação Internacional, tive oportunidade de conhecer melhor as diferentes ilhas e alguns países da CEDEAO (Comissão Económica dos Estados da África Ocidental)”, revela, remarcando que, foi, também, na altura em que se casou e teve uma filha. 

Aliás, o nascimento da filha “foi determinante” para o seu regresso, “pelo menos, durante alguns anos, à Europa”, de modo a que “ela tenha oportunidade de crescer num meio, onde possa descobrir novas culturas e diferentes línguas”. 

Nestes dois anos de vivência e convivência no Luxemburgo, a interlocutora do  A NAÇÃO teve a oportunidade de conviver com cabo-verdianos de várias faixas etárias, com diferentes níveis de integração e de qualificação. 

“A minha apreciação pode parecer bastante subjectiva, mas posso testemunhar que existe aqui, uma comunidade bastante heterogénea de cabo-verdianos”, analisa, destacando, pelo menos, umas “seis categorias” de patrícios vivendo no Grão-Ducado do Luxemburgo. 

Perfis de conterrâneos

Para Neia Fernandes, a escolha da Imigração foi, para os antepassados, “a manifestação de grandes sacrifícios e dores”, momentos durante os quais eles manifestaram uma grande determinação para conseguir emprego e condições de sustentar a família. 

“Os perfis dos cabo-verdianos que chegam, hoje, ao Luxemburgo, são muito mais diversificados do que o das gerações anteriores, embora, ainda existam, casos de jovens e adultos com formação e diplomas, que aceitam iniciar os seus percursos profissionais com trabalhos mais acessíveis, mas, socialmente, menos valorizados. Eles ambicionam criar as condições para, o mais depressa possível, adquirirem novas formações e experiências que lhes permitam realizar os seus projectos de carreira”, sustenta, remarcando que, a Pandemia de COVID-19 revelou ao Mundo, que estas funções, geralmente, menos valorizadas, são essenciais para o bom funcionamento de qualquer Economia. 

Obstáculos 

Enquanto “cidadã do Mundo e defensora de valores humanistas e universais”, Neia avalia que as pessoas de origem cabo-verdiana, no Luxemburgo, ainda deparam com muitos obstáculos. 

“O Grão-Ducado é um Território muito selectivo, com áreas e sectores reservados para perfis pré-identificados. Para uma melhor integração/inserção da comunidade cabo-verdiana na Sociedade luxemburguesa, seria necessário que nós, os cabo-verdianos, sejamos ainda mais ousados, que não fiquemos apenas no seio da nossa comunidade, mas, que nos aproximemos, cada vez mais, das outras populações que vivem no Luxemburgo”, sugere.

Ainda ela, existe, também, um trabalho a ser feito “pelos representantes do Povo”, em Cabo Verde e/ou a nível internacional, em ordem a que os conterrâneos sejam vistos como pessoas trabalhadoras e dedicadas a servir os outros, mas, também,  “de grandes ambições, com percursos multi-culturais, que contribuíram e contribuem, significativamente, em sectores-chaves como a Medicina, Ciência, das Tecnologias, Pesquisa e Desenvolvimento, entre vários outros, nos países de acolhimento. 

Para a entrevistada do  A NAÇÃO, os cabo-verdianos são atraídos, “não só pela qualidade de vida que o Grão-Ducado proporciona, mas, também, pelo multi-culturalismo” desse País europeu, que permite inter-agir, facilmente, em diversas línguas. 

“Luxemburgo, situa-se no coração da Europa, com três fronteiras (França, Bélgica, Alemanha); a duas horas de vôo de Lisboa (Portugal); e a menos de uma hora de vôo dos Países Baixos, etc”, destaca, realçando que, a par disso, ele facilita, também, a transição de um País para o outro.

Impactos de COVID-19

A Pandemia da COVID-19 afecta os cabo-verdianos, no mesmo grau que as diversas populações que compõem a sociedade luxemburguesa. 

“Não consigo dizer quais são os seus impactos, especificamente, nos conterrâneos. Houve tentativas da Embaixada de Cabo Verde no Luxemburgo, para se reunir com representantes de associações cabo-verdianas, de forma a poder melhor avaliar os efeitos da Pandemia, mas, infelizmente, por causa do reforço das restrições sanitárias, o encontro não aconteceu”, relata.

Atendendo a que o Luxemburgo não divulga os dados estatísticos, por grupos étnicos, fica complicado obter dados oficiais do impacto da COVID-19, num grupo específico, quais sejam, cabo-verdianos ou outros.

Porém, os dados gerais apontavam para mais de 48 mil contaminações pelo vírus, entre Março 2020 a 17 de Janeiro de 2021 numa população de, aproximadamente, 628 mil habitantes, com um registo de 549 óbitos.

Neia encoraja as pessoas a não se conformarem com as suas actuais situações. 

“Devem ser actores pró-activos das suas vidas, procurando, dia-após-dia, soluções para melhorarem as suas condições de vida e das suas famílias”, desafia, remarcando que, durante esse período pandémico, “deviam e devem reforçar as suas redes de contactos profissionais, fazer novas formações em áreas específicas e deixar espaços para nova aprendizagem com os filhos e netos”.  

No entendimento de Neia, para que “um País como Cabo Verde resista, com dinâmicas de crescimento e de Desenvolvimento Sustentável”, a uma Pandemia como a COVID-19”, é necessário que haja “compromissos firmes e ponderados dos decisores políticos”, designadamente: criação e dinamização de lobbies económicos, a favor da mobilização de competências dos cabo-verdianos – residentes e nas diásporas -, mas também, “a criação de condições de acolhimento, transporte e estadia que permitam uma melhor mobilização dessas pessoas”. 

Acções no Arquipélago 

Presentemente, a nível profissional, Neia é consultora e gestora de projectos, numa Empresa Privada, em Luxemburgo – a Sustain -, que actua, principalmente, em Cabo Verde e em outros Países da África Ocidental. 

“A Sustain é uma Empresa de Consultoria em áreas diversas, ligadas às problemáticas do Desenvolvimento Sustentável. Presta serviço tanto a actores privados como públicos, na formulação de soluções que respondam às preocupações contemporâneas, relativas à Transição Energética, às Mudanças Climáticas, com integração das Tecnologias de Informação e Comunicação, numa lógica de optimização de recursos”, explica.

No Arquipélago, a Sustain trabalha, com a LuxDev, desde 2015, como consultor para o Sector da Formação Profissional, elaborando, entre outros, Plano de Negócios do Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial de Cabo Verde (CERMI). 

Afora isso, está a desenvolver, também, projectos, em colaboração com o Grupo Loid Engenharia e a Fundação Smart City Cabo Verde, visando desenvolver soluções-piloto no uso da Inteligência Artificial e da “Internet of things”.

“Algumas experiências-piloto estão, também, em curso de desenvolvimento, em parceria com a AdS (Empresa Águas de Santiago), a ELECTRA (Produção e distribuição de Água e Energia), a ARME (Agência Reguladora Multi-Sectorial da Economia), entre outras entidades cabo-verdianas e internacionais”, revela, realçando que a expectativa é que todos esses projectos, juntamente com os programas implementados pelo Governo e pela Cooperação Internacional, “contribuam para a transformação do Arquipélago, numa Plataforma Tecnológica de circulação de dados e outros recursos, facilitando o desenvolvimento económico e a integração da nossa pequena Nação nas dinâmicas mundiais”

De olho nas diásporas… 

A nível pessoal/empresarial, Neia Fernandes é co-fundadora, juntamente com Ercelino Fernandes e Béatriz “Béa” Monteiro (nascida e residente em Suíça), da Plataforma “Easi2Impact”. 

“A ‘Easi2impact’ é uma estrutura em desenvolvimento, que visa proporcionar às diásporas africanas, em particular, à cabo-verdiana, soluções que facilitem as suas ligações com o Continente”, explica. 

Pensado, inicialmente, como um plataforma de apoio ao regresso de emigrantes ao berço – prossegue Neia -, os resultados do Estudo de Mercado mostram que essas pessoas, sobretudo os adultos em fase de ascensão profissional e pessoal, não têm, propriamente, um Projeto de Regresso Definitivo para o País de origem.

“Preferem, antes, cultivar um estilo de vida que lhes permita ter mobilidade, flexibilidade e, sobretudo, uma melhor harmonização entre as suas responsabilidades, os seus sonhos e os objectivos traçados, não só no País de acolhimento, mas, também, no País do coração”, ressalta, notando que a “Easi2impact” está a trabalhar na concepção de soluções concretas, que permitam, por exemplo, a um cabo-verdiano no Luxemburgo, investir em Cabo Verde, seguir de perto o desenvolvimento desse investimento, rentabilizar e influenciar os impactos que essa iniciativa terá na sua família e na comunidade. 

Para mais pormenores, fica o email de contacto: easi2impact@gmail.com.

Compromisso 

 Para Neia Fernandes, não se põe a questão de um seu regresso definitivo às Ilhas, mas sim, em como dar continuidade ao compromisso dela com Cabo Verde, onde quer que resida. 

“Tenho um grande afecto e amor pelo meu País de origem, e, sempre vou criar condições para estar o mais próximo possível dele. A minha ambição é cultivar essa figura do cidadão do Planeta Terra, enraízada nas culturas crioula e africana. Quero poder usufruir da mobilidade internacional, levando, para onde for, a riqueza da minha História, do legado transmitido pelos meus pais e avós”, evidencia, ressaltando, todavia, de que dispõe de “projectos de regresso a Cabo Verde, mesmo que seja por mais alguns anos”. 

Vivendo numa época de “muitas oportunidades, embora os desafios sejam aparentemente grandes”, Neia ressalta que, com dedicação, “djunta-mó”, tolerância e amor ao próximo, consegue-se tirar melhor proveito das dificuldades que se encontram na caminhada. 

“Apelo aos cabo-verdianos no Arquipélago a juntarem-se à Diáspora para que, juntos, construamos a Nação Global, ultrapassando barreiras ligadas a conflitos partidários e/ou familiares, superando rótulos criados por outros, lutando para transmitir às futuras gerações valores e histórias, demonstrando a força da nossa Crioulidade”, conclui Neia Fernandes.   

Admiradora e cultora de produtos naturais

Neia Isoleica Fernandes Monteiro, 31 anos, é natural de Chão de Lagoa dos Engenhos, no Concelho de Santa Catarina (no interior de Santiago), em Cabo Verde. 

Estudou em França desde os seus oito anos de vida. Concluída a licenciatura em Ciências Sociais e Políticas e mestrado em Direitos Humanos Acção Humanitária, na “Sciences Po Paris” (Instituto de Estudos Políticos), vem trabalhar em Cabo Verde, na Delegação da União Europeia (na Cidade da Praia), como gestora de Programas e, depois, na Agência de Cooperação Luxemburguesa (LuxDev), também, como gestora de Programas, e número dois, a nível da Representação da LuxDev.

Nos seus seis anos em Cabo Verde, lança, em parceria como o marido, a “Nils Morabeza, Ldª.

“Nils…” (Natural, Inovador, Lindo e Saudável) Morabeza foi um espaço de venda de produtos naturais, produzidos pelas associações de agricultores de Cabo Verde (em particular a PARES – Cooperativa de Produtores Associados em Rede de Economia Solidária , baseada em Santo Antão), assim como de artigos de São Tomé e Príncipe.

Trabalha, desde Outubro de 2018, como consultora e Gestora de Projectos da Sustain.

Neia é, também, co-criadora da Plataforma “Easi2Impact”, virada para as diásporas africanas. 

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 701, de 04 de Fevereiro de 2021)

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