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Santiago

Rabelados de Espinho Branco: Uma tradição a caminho da extinção

A localidade da Achada Espinho Branco, no concelho de São Miguel, ilha de Santiago, abriga a maior comunidade de Rabelados que ainda resistem e sobrevivem aos tempos de hoje. Com a morte dos “mais velhos”, o líder José Carlos Tavares e alguns artistas plásticos temem que as tradições acabem por desaparecer. Com a pandemia da covid-19 o risco agravou-se

Situado a 5 km da Cidade da Calheta, com uma população aproximada de mil habitantes, a localidade Espinho Branco é conhecida pela Comunidade de Rabelados que alberga há várias décadas. Os rabelados são um grupo que no passado (colonial) se recusou a aceitar os novos ensinamentos da Igreja Católica, passando a viver em auto-exclusão.

 

Jovens não querem seguir as tradições
Hoje o quadro mudou. Os jovens aceitam o batismo e o casamento católicos, constroem habitações de bloco cimento ao invés do tradicional funco de palha, procuram cuidados médicos e frequentam o sistema de ensino. Ainda que raros, alguns chegam até a obter formação superior, levando uma vida que já nada tem a ver com a dos pais e avós.

Com todas estas novidades, o líder dos rebelados de Espinho Branco, José Carlos Tavares, mais conhecido por Tó, e alguns artistas plásticos, aqui representados por João Batista, conhecido por Fico, temem que as tradições venham a perder-se também. Como diz, a comunidade assiste e absorve influências externas, que, pouco a pouco, vai abraçando, pondo de lado velhas tradições. Com isso, lamenta, “estamos a assistir a uma perda das nossas tradições.

Alguns até já demoliram os seus funcos para fazerem casas de blocos e não temos como contrariar essa tendência”. Fico é um artista plástico que neste momento da covid-19, com a falta de turistas para vender as suas obras, viu-se obrigado a procurar trabalho na Calheta. Também ele teme a perda das antigas tradições. “O primeiro sinal são os funcos estão a ser demolidos para dar lugar a casas de blocos de cimento”, aponta.

Este artista reconhece que, com a falta de chuva, praticamente deixou de haver material para a confecção e construção de funcos. Isto é, a palha de cana usada outrora na construção de habitações é canalizada para a alimentação dos animais.

Ao A NAÇÃO, José Carlos Tavares confessa que não dispõe de nenhum plano ou programa para convencer os mais jovens a manterem a tradição e não abandonar os funcos nos quais nasceram e viveram largos anos da vida.

“Muitos artesões defendem que não devia ser feita casa de bloco, na comunidade, e que só deviam ser feitos funcos. Mas temos de ver para ambos os lados, os outros querem construir casas de bloco e nós não temos condições de ajuda-los como dantes, por isso mesmo, quem tiver condições e quiser avançar com construção de blocos não os podemos impedir”, justifica.


Covid-19:
Ausência de turistas ameaça sustentabilidade dos Rebelados

Desde 1997 que os Rabelados de Espinho Branco vivem das suas artes, nomeadamente pintura e artesanato.

Com a ajuda e a orientação da artista plástica Mizá, criou-se o espaço Rabelart, onde os criadores da comunidade expõem e vendem o seu trabalho aos turistas que a visitavam, mas agora, com a pandemia, isso praticamente acabou.

“Antes podíamos viver da nossa arte”, recorda Fico, nostálgico, e que agora, para sobreviver, dirige-se diariamente à Calheta para trabalhar na requalificação da orla marítima da cidade em trabalho da Câmara. José Carlos Tavares também recorda, saudoso, o tempo antes pré-pandemia. “Tínhamos contactos com turistas, que compravam os trabalhos feitos pelos nossos artesões, com isso vários de nós conseguiam satisfazer as suas necessidades; agora, com esta crise, essa fonte de rendimento secou.

Isto está a causar grandes problemas às famílias que, desde 1997, sobreviviam à base da venda das suas artes”. Segundo João Batista, Fico, neste momento, o sustento das famílias provém da extração dos inertes, e de um trabalho ou outro trabalho da Câmara Municipal, mas há cerca de três meses que não recebem o salário.

 Necessidades
Por ser uma comunidade que vive, ainda hoje, um quanto à parte do resto da sociedade, muitas das necessidades dos moradores de Espinho Branco passam despercebidas. No entanto, Tavares assegura que as suas necessidades são as mesmas de que qualquer outra comunidade. “Actualmente o maior problema se prende com a falta de água, mas também à falta de trabalho”, indica.

Fico, por seu turno, aponta a falta de recursos para manter as crianças na escola, particularmente por causa da aquisição de materiais didáticos. “Com a falta de trabalho é na extração de inertes que muitas mulheres retiram o sustento para si e para garantir a educação dos filhos. Também há quem tenha necessidade de assistência no que diz respeito a alimentação”, conclui.

 Apoio durante pandemia
Durante o período em que vigorou o estado de emergência em Cabo Verde, o centro de Fonton fez parte do movimento nacional das associações comunitárias que estiveram engajadas em ajudar famílias e pessoas em situação vulnerável.

Segundo Joaquim Ramos, foram cerca de 500 beneficiados com cestas básicas, identificados através de um diagnóstico no terreno, levado a cabo pelos seus voluntários. Aos jovens da zona que querem fazer trabalho voluntário, o vice-presidente da ACF diz que a organização está “de braços abertos para recebê-los”, de forma a cativá-los e motivá-los a melhorar a qualidade de vida de crianças, jovens e idosos.

“É extremamente importante fazer trabalho de voluntariado porque ele tem os seus frutos. Não há uma retribuição económica, mas há retribuição a nível social. Cada um dos membros da associação tem estado a crescer com as oportunidades que advém de outras situações”, garante.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 718, de 03 de Junho de 2021)

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