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Opinião

EDITORIAL: Direito de informar x Segredo de Justiça – O jornalismo não é crime

Amanhã, sexta-feira, 04 de Fevereiro, o jornalista Daniel Almeida e o director do A NAÇÃO, Alexandre Semedo, têm encontro marcado com o Ministério Público (MP), às 15H00.

Ambos foram notificados a comparecer, nessa entidade, sem saber o motivo da convocação. Teorias de conspiração à parte, parece estar em curso em Cabo Verde uma deriva autoritária que passa pelo silenciamento da Imprensa e o MP é ou quer fazer parte dessa engrenagem. 

 Ser notificado, pelo MP, para um acto sem que se saiba ao certo a natureza da intimação, é, no mínimo, passe a expressão, um acto de intimidação. À partida, o carácter de coacção psicológica que se imprime a uma tal notificação é claro e, por isso também, está-se diante de um não menos claro abuso de poder por parte da mesma entidade, o MP. 

Manobra de intimidação

Não sendo este um filme novo (Kafka e outros inspiraram-se em situações do género para livros e filmes!), a estratégia é clara: intimidar o A NAÇÃO e os seus profissionais e, por arrastamento, domesticar toda a Comunicação Social. 

 No nosso curto entendimento, e como já foi dito por Daniel Almeida a outros órgãos de Imprensa, tudo leva a presumir que a notificação do MP esteja relacionada com os artigos publicados neste Jornal sobre a execução de Zezito Dente d’Oru, na noite de 13 de Outubro de 2014.

O caso, como é consabido, tem como um dos envolvidos o actual ministro da Administração Interna, na altura, director nacional-adjunto da Polícia Judiciária, Paulo Rocha. 

 A confirmar-se a nossa presunção, este Jornal e Daniel Almeida são, assim, arrolados para o mesmo período de “caça aos jornalistas” em que se encontram o Santiago Magazine e do seu jornalista Hermínio Silves, além de procuradores do MP e inspectores da PJ, suspeitos de violarem o segredo de justiça, por supostamente terem facultado partes do processo em curso relativo aos acontecimentos da Cidadela naquela noite de 2014.

Estranho zelo do Ministério Público contra o Jornalismo

 Ainda, a confirmar-se a nossa presunção, a estratégia está também ela anunciada: ao qualificar o Jornal e os seus jornalistas como arguidos, ambos passam, doravante, a estarem sujeitos aos caprichos e manhas do “segredo da justiça”, deixando de poder escrever sobre o “Caso Zezito Denti d’Oru”.  

Este zelo do MP junto da Imprensa, por causa do caso Zezito Denti d’Oru, é, no mínimo, estranho face a um assunto que se arrasta há sete anos e que ganhou fôlego com os dados vindos a público, recentemente, através do A NAÇÃO e do Santiago Magazine.

O zelo do MP junta-se, com efeito, a outras mais situações, de pressão e condicionamento, a que este Jornal vem sendo sujeito há já algum tempo, além de tentativas de asfixia financeira. 

Não fosse o desenterrar do caso, seguida da reacção do PAICV, no Parlamento, a exigir explicações ao visado (Paulo Rocha) e ao Governo, tudo indica que o MP continuaria a deixar o Dossiê a mofar nas gavetas para o qual tinha sido atirado desde 2014, na expectativa de um dia o assunto acabar no cemitério dos casos arquivados. 

Denúncias de familiares de Zezito Denti d’Oru

Pois, como sabem os leitores deste semanário, já em 2014 os familiares de Zezito Denti d’Oru procuraram este Jornal para denunciar as condições em que esse cidadão foi alegadamente executado por agentes da PJ, tese esta reforçada pelo depoimento de Adelino Lopes “Ady”, aqui publicado na edição do passado dia 20 de Janeiro de 2022, supostamente sob comando de Paulo Rocha, qual esquadrão da morte. 

Como resulta claro também da celeuma levantada nas últimas semanas em torno do desenterrar do episódio da noite de 2014, ainda bem que para certas situações existe a Liberdade de Imprensa, o jornalismo livre. Caso contrário, este assunto há muito teria deixado de existir. E existindo importa resolvê-lo, doa a quem doer. 

Reedição da perseguição de jornalistas dos anos 90

Infelizmente, e lamentavelmente, esta investida do MP e outros actores contra o jornalismo livre remete-nos à segunda metade da década de 1990, período durante o qual a Imprensa Privada viveu sob forte pressão de alguns que hoje, afastados do Poder, parecem esfregar as mãos de contente com o triste espetáculo que aí vai, avalizando com o seu ressentimento os “disparates” e as “leviandades” do MP, como lhes chamou, esta semana, o constitucionalista Wladimir Brito. 

Se na década anterior houve, claramente, uma instrumentalização da justiça pelo poder de então para cercear a imprensa, facto bastamente documentado por Isabel Lopes Ferreira, em “Mal-estar em jornalismo caboverdeano” (Spleen Edições, 2002), hoje, estranhamente, é a Justiça, por via novamente do MP, a querer demonstrar um zelo particular contra a Comunicação Social o que, por si, não pode auspiciar nada de bom num País com inúmeros problemas, inclusive de corrupção, compadrios e nepotismos contra os quais é bom nunca perder a guarda. 

Ministério Público assume blindagem a Paulo Rocha

O MP assume, assim, como causa sua, a blindagem que o Governo e o MpD estabeleceram à volta de Paulo Rocha, quando, noutras paragens, seria o próprio visado, a partir do momento que foi colocado diante de situações tão graves, como as vindas a público, a pedir para sair do Governo até que as suspeitas graves da sua actuação como agente da Lei sejam devidamente esclarecidas e dissipadas.

Para que se saiba, até que deixe de haver dúvidas acerca do seu comportamento naquela noite de 2014, a presença de Paulo Rocha no Governo não dignifica o Estado de Cabo Verde. Mais do que ninguém, ele sabe-o e quem o segura sabe-o também. 

O dia de amanhã, 04 de Fevereiro, será, portanto, um dia especial não só para este Jornal, mas também para a liberdade de imprensa no país. 

Amanhã quem aparecer no acto convocado pela AJOC irá tomar, claramente, uma posição de defesa desse princípio sagrado: não há sociedade democrática sem liberdade de imprensa. 

Como defendeu o jurista José Carlos Delgado, entre a Liberdade de Imprensa e o segredo de justiça deve prevalecer a primeira, porque este é o espírito da Constituição da República. Normalmente é assim noutras paragens, nomeadamente, na Europa, dado que se trata de uma questão civilizacional, acima de tudo. 

É no livre exercício do Jornalismo que reside parte importante da sociedade onde pretendemos e contamos viver. Portanto, este é um problema que vai além do A NAÇÃO e dos seus jornalistas, ou do Santiago Magazine e Hermínio Silves.  

No seu zelo contra o Jornalismo Livre, o MP não se dá conta do enorme prejuízo que está a causar, internamente, à imagem do Estado junto dos cidadãos e, externamente, junto da Comunidade Internacional, designadamente, junto das entidades que monitoram as liberdades no mundo (ver página A04).

Da nossa parte, não temos dúvidas. Aconteça o que acontecer, este caso está condenado ao caixote do lixo. 

Até lá, infelizmente, com as suas acções, o MP cria e fomenta o estresse e a pressão sobre a Imprensa, quando podia estar ocupada com outros assuntos de interesse para a sociedade cabo-verdiana. O Jornalismo não é crime e muito menos os jornalistas são criminosos quando na busca da verdade. 

 A Direcção

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