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Política

Órgãos externos à AN: Ulisses e oposição puxam o tapete a Austelino

Amadorismo parlamentar e intrigas partidárias estarão na base da falha na eleição dos membros dos órgãos externos à Assembleia Nacional que deveria ter acontecido na semana passada. No braço-de-ferro com Austelino Correia, Ulisses Correia e Silva acabou por levar de vencida com a ajuda de Rui Semedo (PAICV) e João Santos Luís (UCID). Alguns dos nomes antes “consensualizados”, sob a égide do presidente do Parlamento, já foram riscados da lista.

No dia 28 de Abril, todos os nomes indicados para os diferentes cargos externos à Assembleia Nacional (AN), que já tinham sido consensualizados e auditados em sede da Comissão Especializada de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma de Estado (1ª Comissão), deveriam ser eleitos na última sessão parlamentar.

Suspensão da votação inicialmente agendada
Contudo, por motivos ainda por esclarecer, essa votação, que estava devidamente agendada, foi retirada, já no fim da sessão, por proposta do MpD.

Essa proposta surgiu cerca de duas horas depois de o presidente da UCID, João Santos Luís, ter anunciado na Rádio de Cabo Verde (RCV), que essa eleição iria ser suspensa, porquanto tinha acabado de receber, do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, garantias de que o seu partido iria ser integrado no processo negocial para consensualizar os nomes para os cargos externos.

Mal-estar de Austelino Correia
O mal-estar tornou-se evidente, sobretudo da parte do presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, que semanas antes havia chamado ao Parlamento a prerrogativa da escolha dos cidadãos a integrar os órgãos externos ao Parlamento.

Com a suspensão da votação, os magistrados Dulcelina Rocha e Evandro Rocha, indicados para os cargos de juízes suplentes do Tribunal Constitucional, e os cidadãos Artur Correia e Elias Monteiro, escolhidos para o Conselho de Disciplina e Avaliação dos Juízes do Tribunal de Contas, terão que esperar. Isto, se à semelhança do que já aconteceu, segundo A NAÇÃO pôde apurar, os consensos se mantiverem em relação a esses nomes.

O mesmo não se pode dizer, neste momento, em relação aos nomes indicados para os Conselhos Superiores de Magistratura. Para o Judicial tinham sidos escolhidos António Pedro Silva, Silvino Amador, Maimuna Baldé e Ana Isabel Semedo, enquanto para o Ministério Público estavam indicados os nomes de Leão de Pina, Raquel Fortes, Arlindo Mendes e Carlos Jorge Moura.

Alegada falta de idoneidade
O nome de Leão de Pina indicado para o Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público (CSMMP), pelo Grupo Parlamentar do MpD, está a ser contestado, porquanto, o mesmo é assessor da ministra da Justiça, Joana Rosa. Este facto, segundo um deputado ouvido pelo A NAÇÃO, é “eticamente reprovável”.

“Tratando-se de um órgão independente, o CSMMP não pode ter um membro ‘infiltrado’, capaz de passar informações privilegiadas à tutela do sector da justiça”, entende.

Ou seja, através de projectos e pareceres que venham a ser solicitados pela ministra da Justiça, Leão de Pina teria duas intervenções: uma como vogal do CSMMP e outra como assessor dessa governante, e “isto poderia criar um mal-estar”, porquanto “estaria ora num órgão de parecer e noutro estaria num órgão decisório”.

Além disso, essa “promiscuidade” poderia “coartar a liberdade do Conselho no sentido de tomar decisões de uma forma desapaixonada”.

Da mesma forma, há uma forte contestação em relação ao nome de Carlos Jorge Moura, indicado pelo Grupo Parlamentar do PAICV. Este cidadão, que deveria transitar do Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ) para o CSMMP, onde está há 11 anos, também pode estar a padecer de falta de idoneidade para o cargo.

Carlos Moura foi presidente do Conselho de Administração do Novo Banco, que foi intervencionado pelo Banco de Cabo Verde, por alegada má gestão.

O processo relacionado com o escândalo do Novo Banco corre os seus trâmites nas instâncias judiciais e, por isso, este antigo gestor não terá condições para continuar como vogal de um órgão que faz a gestão do Ministério Público.

Também, em relação ao CSMMP, se coloca a questão da paridade. Foram indicados nomes de três cidadãos do sexo masculino e apenas um do sexo feminino.

CSMJ com os mesmos problemas
No CSMJ a situação não é muito diferente. Aqui em causa está o nome de Ana Isabel Semedo, proposto pelo Grupo Parlamentar do PAICV.

Conforme A NAÇÃO pôde apurar, esta cidadã pode ser pronunciada a qualquer momento, no âmbito do processo relacionado com as obras que antiga ministra das Finanças, Cristina Duarte, mandou efectuar para a remodelação da sede do Ministério das Finanças. Este processo está a decorrer os seus trâmites no Ministério Público.

O relatório de inspeção em relação a tais obras, onde foram gastos mais de 130 mil contos, foi encaminhado para a Procuradoria Geral da República.

Recorde-se que, para a execução dessas obras foram feitos fraccionamentos de contratos, visando evitar concursos, e adjudicando as mesmas a empresas sem alvarás. Na altura, Ana Semedo era uma das responsáveis para a execução dos contratos.

Também se questiona a indicação de Maimuna Baldé, que é assessora do ministro das Finanças, Olavo Correia. Neste caso, conforme a nossa fonte, a presença de Baldé como vogal do CSMJ pode condicionar o funcionamento desse órgão no que tange a questões relacionadas com o orçamento e das verbas que serão colocadas à disposição desse Conselho, nomeadamente para recrutamento de juízes, oficiais.

“Neste caso, não haveria liberdade para falar abertamente das questões relacionadas com a disponibilização de verbas”.

Na verdade, o que a Constituição da República proíbe em relação a membros dos órgãos externos eleitos no Parlamento é indicação de advogados e magistrados, dando assim primazia a cidadãos de outras categorias profissionais. “Mas considerando a questão prática e ética na execução de determinadas circunstâncias relacionadas com esse Ministério, poderia haver alguma limitação dos vogais desse Conselho e do próprio presidente em opinar sobre determinados aspetos relacionados com o orçamento”, defende uma das fontes do A NAÇÃO.

Ligeireza no escrutínio?

Todos os nomes propostos para os cargos externos à Assembleia Nacional foram auditados na Comissão Especializada de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma de Estado e receberam “luz verde” no sentido da sua eleição na plenária de 28 de Abril.

Mas há quem considere que esse processo foi feito de modo “demasiado ligeiro”, porquanto não existe escrutínio no verdadeiro sentido da palavra dos cidadãos que devem integrar esses órgãos fundamentais para o funcionamento da justiça.

Normalmente, as audições são feitas em 10 minutos aproximadamente, onde os indicados para esses cargos se limitam a falar dos seus respectivos percursos curriculares, profissionais e das suas expectativas em relação aos cargos. Um ou outro é questionado sobre a sua independência, e não mais.

Há quem entenda que o escrutínio devia ser mais incisivo, sem deixar de lado aspectos morais e de carácter de cada um dos nomes indicados. Tanto assim que nunca nenhum indicado foi “chumbado” durante a audição, o que faz desse exercício uma mera formalidade. 

Processo controverso

Consensualizados e auditados os nomes para os cargos externos à AN, nomeadamente, dois magistrados como juízes substitutos do Tribunal Constitucional (TC), dois cidadãos para o Conselho Disciplina e Avaliação dos Juízes do Tribunal de Contas, assim como oito cidadãos para comporem os Conselhos Superiores de Magistratura Judicial e do Ministério Público, a votação dos deveria ter lugar na última sessão plenária.

Mas, chegada a hora da eleição, conforme constava da ordem do dia, começaram a surgir ruídos. Em primeiro lugar foi o deputado e líder do PAICV, Rui Semedo, que solicitou o cumprimento do consenso alcançado em relação à ordem dos nomes dos magistrados para os juízes substitutos do TC.

O presidente da Assembleia Nacional (PAN) não concordou com esse posicionamento, afirmando que tinha anunciado a votação dos órgãos externos, de acordo com o processo que tinha recebido e que parecia estar em conformidade.

Austelino Correia disse ainda que todos os pareceres iam no sentido de que os candidatos reuniam os requisitos para preencherem os cargos que iam ser eleitos.

“Há um processo instruído e que cumpriu todos os prazos e as tramitações”, lembrou, sabendo certamente o que estava a caminho.

Nisso, quando tudo fazia crer que estavam criadas todas as condições para se avançar para a eleição dos órgãos externos, eis que o deputado Luís Carlos Silva, do MpD, surge a informar que “existem ainda algumas arestas a serem limadas”, pelo que requereu a retirada da eleição dos referidos órgãos externos, reconhecendo, contudo, o caminho percorrido que levou à criação do consenso em torno dos nomes auditados.

O líder do Grupo Parlamentar do PAICV, João Baptista Pereira, estranhou o posicionamento do MpD, por considerar que o mesmo significaria “quebrar o princípio negocial” que levara ao entendimento entre as partes. Esclareceu, no entanto, que esse impasse “nada tem a ver com a idoneidade dos candidatos”.

Segundo Baptista Pereira, foi com “surpresa” que viu o líder da UCID, João Santos Luís, a anunciar, na comunicação social, que o líder da bancada do MpD lhe tinha confidenciado que os órgãos externos à Assembleia Nacional já não iam ser eleitos na última sessão plenária de Abril.

PAICV e UCID ajudam Ulisses a roer a corda de Austelino

O envolvimento do líder da UCID, João Santos Luís, no processo de escolha dos cidadãos aos órgãos externos ao Parlamento acabou por ser o xeque-mate de Ulisses Correia e Silva no seu braço-de-ferro com Austelino Correia.

De recordar que, depois de o primeiro-ministro se ter reunido com o líder do PAICV, Rui Semedo, no passado dia 17 de Abril, surgira o anúncio de que a situação (MpD) e o maior partido da oposição (PAICV) haviam chegado a um consenso quanto aos nomes a eleger pelo Parlamento aos órgãos externos.

Esse anúncio levou no dia seguinte, 18, o PAN, Austelino Correia, a lembrar que esse tipo de escolha era uma prerrogativa do Parlamento e que se estava a assistir, por parte de certos sujeitos políticos, uma “luta de protagonismo” nada saudável no país.

O principal destinatário era, evidentemente, Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro e presidente do MpD, partido também de Austelino Correia.

Lançado o alarme, pelo PAN, o golpe final acabaria por surgir com o envolvimento da UCID no processo, duas horas antes de os nomes consensualizados serem votados pela Plenária de Abril.

Com o envolvimento da UCID, em nome da busca de consensos que deve nortear os principais assuntos da nação, os democratas-cristãos vão poder não só participar na escolha dos cidadãos que vão integrar os órgãos externos do Parlamento, como também condicionar, de alguma forma, o processo. Para todos os efeitos a UCID detém quatro mandatos, contra 38 do MpD e 30 do PAICV.

Se João Luís Santos, recentemente eleito líder da UCID, surge como um vencedor, o grande derrotado é, sem dúvida, Austelino Correia. Este viu-se claramente desautorizado por Ulisses Correia e Silva depois de ter anunciado, ao país, no passado dia 18, que todo o processo estava devidamente negociado, faltando apenas a votação, que deveria ter acontecido na semana passada.

Para o xeque-mate a Austelino Correia, UCS contou com os apoios do PAICV e da UCID, além dos deputados do MpD que respondem perante o presidente do partido e não ao presidente da Assembleia Nacional. DA

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 766, de 05 de Maio de 2022

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