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Educação

9º ano de escolaridade: Professores acusam Ministério de querer forçar passagem de alunos

Após a avaliação final, os professores do 9º ano de escolaridade, a nível nacional, foram surpreendidos, esta semana, com a realização de um “exame especial” para os alunos, inclusive aqueles que chumbaram de ano lectivo. A confusão nas escolas está instalada e os docentes dizem-se “desrespeitados” e “desautorizados” pelo Ministério de Educação. Esta bronca surge com o ministro Amadeu Cruz ausente em Cuba.

Os alunos e professores do 9º ano de escolaridade, em todas as escolas secundárias do país, foram surpreendidos esta semana, com a realização de um “exame especial”, por decisão e ordem do Ministério da Educação, para, alegadamente, “resgatar” os alunos que haviam reprovado por falta de rendimento escolar. 

As provas em todas as disciplinas leccionadas no 9º ano, elaboradas pelo próprio Ministério, chegaram numa altura em que a comunidade escolar (docentes e alunos) já tinha concluído todas as avaliações, estando praticamente de férias, segundo um professor, na Praia, ouvido pelo A NAÇÃO.

É ele que descreve, sob anonimato: “Inventaram, em cima da hora, um exame especial para todos os alunos do 9º ano, incluindo os que já tinham sido reprovados. Isto numa altura em que já tínhamos feito todas as avaliações e todas as notas já estavam lançadas”.

Segundo essa fonte, as informações chegaram de repente, sem tempo de preparação, causando tumultos na comunidade educativa.

“Fomos avisados no sábado, 9, pelos directores de turma, de que esta ‘avaliação especial’ começaria na segunda-feira,11. As informações foram colocadas nos grupos de turma, nas redes sociais, mas nem todos tiveram acesso, pelo que muitos alunos ficaram, mesmo assim, sem fazer a prova”, contou, salientando que, mesmo na terça-feira,12, muitos dos alunos chegaram atrasados, uma vez mais, por falta de informação.

Desorganização “total”

Tal situação sobre a avaliação “inesperada” e “repentina” imposta pelo Ministério da Educação acabou por causar, segundo o nosso entrevistado, uma “desorganização total” nas escolas da Praia e nos restantes pontos do arquipélago.

“Hoje, terça-feira (dia em que falou para o A NAÇÃO), o exame deveria arrancar às 9 horas, mas acabou por iniciar por volta das 11h30. Até o momento, ninguém sabe explicar o que seria esta prova, se ela seria ou não mais um elemento de avaliação”, explicou. “Há informações de que se os alunos tiverem uma nota mínima de 8 valores estariam aprovados”,acrescentou.

A mesma fonte, que fala sobre o descontentamento da classe dos docentes, especialmente os colocados nesta situação de emergência, avançou que a “desinformação” perante esta avaliação se estende à directoria das escolas que dizem não estar informadas sobre como será, a partir de agora, a avaliação final dos alunos do 9º ano.

Fazer valer o “slogan”

Para o nosso entrevistado, tendo em conta os passos dados até agora pelo Ministério da Educação, este quer – “a todo o custo”, com sublinha –, fazer valer o seu slogan de “não deixar ninguém para trás”.

“Não querem deixar ninguém para trás mesmo quando os alunos não estudam e reprovam. Vivemos num sistema de ensino em que os professores têm sempre que fazer um jeito para que os alunos transitem de ano porque, caso contrário, de alguma forma, os docentes são penalizados pela taxa de reprovação na sua turma”, salienta este educador.

Para o mesmo, “os professores deveriam ser mais respeitados”, já que “nós é que acompanhamos os alunos, sabemos do seu desempenho na sala de aula, sabemos se estão ou não em condições de transitar de ano, e não é o Ministério da Educação, no Palácio da Várzea, é que sabe do aproveitamento ou não de cada aluno”.

Situações como a vivida este ano, “não abonam para uma educação de qualidade”, entende aquele professor e cidadão, ainda por cima, num país onde, volta e meia, surgem responsáveis políticos a discursar sobre o ensino de qualidade ou de gente, da sociedade civil, a criticar a perda de qualidade do ensino.

“Hoje em dia, as regras de avaliação não prezam por um ensino de qualidade e os alunos estão a ser transitados sem estarem preparados”, garante este professor, com mais de 20 anos de carreira.

“Toda esta situação faz com que os alunos se esforcem cada vez menos. As consequências são já conhecidas e a tendência é para o seu agravamento, e a culpa não poderá ser depois atribuída apenas ao professor, como normalmente acontece”, alerta.

O mesmo no resto do país

Após ouvir o desagrado daquele professor no concelho da Praia, A NAÇÃO contactou outras fontes, em outros concelhos e ilhas, que confirmaram, no geral, os dados acima referidos. 

Entre as várias queixas e reclamações, os professores do 9º ano em diferentes escolas do país reafirmaram que o aviso sobre a “avaliação especial” chegou no sábado, 9, dois dias antes da sua realização e que nem todos os alunos tiveram acesso às informações, pelo que não compareceram. 

Salvar ou condenar os alunos?

Da mesma forma, os nossos informantes dizem que as informações sobre a avaliação final dos seus alunos são ainda escassas. E, por ter chamado também os alunos que reprovaram, os docentes dizem não ter dúvidas de que o Ministério “desvaloriza” todo o trabalho feito durante um ano lectivo inteiro”, recorrendo a passagens administrativas como aconteceu no ano passado por causa da covid-19.

 No ano passado, segundo um professor de Santa Catarina, ilha de Santiago, foram muitos os alunos do 8º ano que reprovaram. “No início do ano, inventaram um exame e a maioria dos que estavam reprovados foram aprovados com o resultado daquele exame. Consequentemente, os alunos que, este ano, frequentaram o 9º ano, ficaram fracos e não conseguiram transitar, mais uma vez, para o ano seguinte. Creio que é neste sentido que vieram inventar este exame especial, em cima da hora, para salvar os alunos mais fracos”.

Ainda que sob anonimato, por óbvio receio de represálias, os professores ouvidos por este semanário consideram situação descrita como sendo “uma vergonha” e pedem que medidas sejam tomadas, uma vez que o que está em causa é o futuro do país.

 Para melhor compreender o que se passa, esta reportagem procurou ouvir os sindicatos que actuam no sector, mas sem sucesso. O que não deixa de ser estranho tendo em conta a importância do tema e o número de alunos e professores que envolve.

De salientar que as disciplinas dos alunos do 9º ano de escolaridade são: Língua Portuguesa,  Matemática, Ciências da Terra e da Vida, Física Química, Geografia, Desenho e Métodos Gráficos.

 

Amadeu Cruz em Cuba: Ministério da Educação na ilegalidade?

Esta controvérsia, de “provas especiais” nas escolas secundárias do país, surge no momento em que o ministro da Educação, Amadeu Cruz, se encontra de visita de trabalho a Cuba.

Diante dessa informação, este semanário tentou obter o contraditório junto do director nacional da Educação, Adriano Moreno, ex-delegado da Educação da Praia. Apesar de várias insistências nossas, por telemóvel, e-mail e outros meios, acabámos por não ter qualquer retorno seu.

No entanto, em conversa informal com um dos dirigentes do Ministério, que alegou não ser da sua alçada resolver esta “batata quente” deixada por Amadeu Cruz, o mesmo defendeu que, por norma, nenhuma orientação do Ministério da Educação deve sobrepor-se à legalidade.

“Se for verdade o que me está a dizer, que as escolas e os professores foram chamados a fazer novos exames aos alunos, para forçar a passagem de ano dos mesmos, esta orientação é ilegal”, garantiu. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 776, de 14 de Julho de 2022

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