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Colunistas

Olhares de Lisboa: Flashes

Por: Filinto Elisio

“Você tem boca de luar”, com estas palavras começa uma das mais belas crónicas que já li em língua portuguesa, que vem no livro “Boca de Luar”, de Carlos Drummond de Andrade e que termina em beijo fluido. Está aqui tudo dito ou apenas implícito que a grandeza do amor, coisa mais singela, está também no seu insólito e na sua frivolidade. A sua beleza de haver ternura em cada naipe – como a estranha (e mui eficiente) linguagem dos enamorados – para desanuviar os pequenos dramas humanos e existenciais…

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Agora a sério. Com serenidade e responsabilidade, os órgãos de Soberania devem tratar diligente e discretamente certos assuntos do Estado. De portas escancaradas e com fenestras abertas de par em par, algo pode dar para o torto num tempo em que pairam “mais crises na crise” e em que, à mesa, o assunto concêntrico é a escassez de alimentos. Tomai tento às palavras e preservai as instituições. Por uma questão de bom senso…

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O calcanhar de Aquiles do Estado e da classe política parece ser a comunicação, sobretudo a institucional e estratégica. Esta não deve ser toda ela entregue à rapaziada da rede social e da meta informação. Não quero pôr em causa os assessores de imprensa, os spin doctors e demais especialistas, que, não lhes faltando engenho e canudo, têm minguado o bom-gosto e o savoir-faire da arte política. A imagem do Estado, dentro das regras democráticas, como parte do Soft Power, deve manter-se como prioridade. Sublimando com alguma imagem poética ou formiguinha encomendada, o revolucionário endurecer-se, sem perder a ternura.

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Não se pode dizer que, a caminho dos 50 anos da Independência Nacional e passados mais de 30 anos da instauração da Democracia, o Estado de Direito ainda precise de manuais dos procedimentos institucionais e os maiorais sejam chamados a parar de voar sobre o ninho de cucos. Naturalmente, com a vida nascida, como vaticinada pelo poeta Mário Fonseca, haverá de tudo, inclusive a dialética, a liberdade e as liberdades que fazem funcionar a roda da História, mas, convenhamos, haja também um pacto para que a razão do Estado – desejado como eficiência, produtividade e rentabilidade em prol do coletivo – não se desvie do estado da Razão.

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Fique claro e avisado nada disto ser eminentemente político. Podia até ser, já que a cidadania nos impede o “descompromisso”, mas não é. Se tanto, é mais uma ligeira saída, a dar umas voltas, em torno da Caverna de Platão ou, mais concretamente, em torno ao que também me pertence. As observações flashianas, aqui e ali, com alguns pequenos reparos, a insinuarem-se para melhorar o clima anuviado, ficando aqui um trecho da crónica de Carlos Drummond de Andrade:

(…)

“Você tem boca de luar, disse o rapaz para a namorada, e a namorada riu, perguntou ao rapaz que espécie de boca é essa, o rapaz respondeu que é uma boca toda enluarada, de dentes muito alvos e leitosos, entende?”

(…)

E que tudo ainda neste aprendizado da República, possa ser um beijo fluido e forte, resultante da incompreendida imagem poética ou da formiguinha encomendada, quem sabe, pelo rapaz ou pela moça?”

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 771, de 09 de Junho de 2022

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