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Averiguação à Câmara Municipal de São Vicente! E agora? Que fazer? (I)

Por: Valdemiro Tolentino

1. O que é (deve ser) uma inspecção

Após muita reclamação verbal da sociedade civil e solicitação formal por actores da classe política, o Governo, a muito custo, e, em claro contragosto, finalmente, se dispôs a cumprir com a sua obrigação legal de realizar o estipulado no Estatuto dos Municípios, Capítulo VI (Relações entre o Estado e o Município), procedendo a uma averiguação à CMSV.

O Artigo 124º (Tutela inspectiva) determina que “1. O Governo fiscaliza a gestão administrativa, patrimonial e financeira do Município, com vista à verificação do cumprimento da lei”.

No ponto 2. do mesmo artigo estabelece que cabe ao Governo, designadamente:

“a) Ordenar inspecções, inquéritos, sindicâncias e averiguações aos órgãos e serviços municipais;

b) Solicitar e obter dos órgãos municipais informações, documentos e esclarecimentos que permitam o acompanhamento eficaz da gestão municipal”.

Mais estabelece o Artigo 125º (Competência do Governo): “Compete ao Governo determinar a realização dos actos referidos na alínea a) do número 2 do artigo antecedente, por sua iniciativa ou a solicitação dos órgãos municipais, entidades ou organismos oficiais ou em consequência de queixas fundamentadas de particulares devidamente identificados”.

Quando falamos de exercício de tutela inspectiva, para melhor sabermos do que se trata, transcrevemos o Prof. Diogo Freitas do Amaral, in Manual de Direito Administrativo:

“Inspecionar significa examinar as contas e os documentos de um organismo, a fim de verificar se tudo se encontra de acordo com as leis aplicáveis.

Se se suspeita de uma situação geral de ilegalidades numerosas e imputáveis a várias pessoas, procede-se a uma sindicância; pelo contrário, se se pretender fazer apenas uma inspecção de rotina, ou verificar da legalidade de certo acto ou do comportamento de um dado indivíduo, procede-se a um inquérito”.

A legislação cabo-verdiana, fiel à sua tradição de copiar outrem, mas acrescentando sempre e intencionalmente algo mais, fala também de averiguações.

Assim, estamos perante, não a inquérito nem sindicância, mas, sim, averiguação, cuja definição, para quem quiser, se encontra, não nos manuais de Direito, mas sim no Dicionário da Língua Portuguesa, para cada um ler e interpretar como bem entender.

Foge-se deliberadamente ao inquérito para não se ter de verificar a legalidade  de acto ou comportamento de um dado indivíduo, no caso, o Presidente da Câmara, Augusto Neves.

2. Considerações sobre a “Averiguação” realizada

2.1 Composição da equipa

A equipa de averiguação foi constituída por dois membros. Se um inspector se pode julgar insuficiente, dois é claramente um número conveniente para “obrigar” os mesmos a se entenderem quanto ao conteúdo das conclusões a fazer constar no relatório a elaborar.

A inclusão dum inspector das Finanças é um claro erro de selecção pois não estavam em análise questões de natureza financeira como se pode concluir do próprio título “Acção de averiguação dos factos relacionados às reuniões e deliberações da Câmara Municipal de São Vicente no ano 2022”.

No nosso entender, esta opção foi intencional e em linha com orientações e conclusões antecipadamente definidas.

2.2 A postura dos inspectores/averiguadores 

Da leitura do relatório, conclui-se que os inspectores, a quem talvez se devesse aplicar a designação de averiguadores, fizeram o levantamento dos factos e dispensaram-se de atribuir responsabilidades individuais mesmo nos casos mais evidentes das intervenções individuais assumidas pelo Presidente da Câmara Municipal, numa clara atitude de branquear as mesmas e conferir normalidade a toda anormalidade factualmente comprovada e descrita por eles mesmos neste Relatório.

Como árbitros, constataram que um jogador, o Presidente da Câmara, não cumpria as regras, jogando a bola com as mãos, empurrando jogadores, distribuindo caneladas, etc, etc e não se dispuseram a chamar a atenção tipo admoestação verbal, a exibir um cartão amarelo de advertência, e, muito menos, a pensar em exibir um cartão vermelho.

2.3 Factos relevantes apurados na averiguação

Das averiguações feitas ressaltamos as seguintes com os comentários que os mesmos nos mereceram. Com efeito: 

a) Omitem-se as datas das notas dos vereadores da UCID e do PAICV e das notas da Assembleia Municipal ao Ministério da Coesão Territorial, talvez para que não se possa avaliar o tempo de resposta do Ministério, em nossa opinião, de forma deliberada;

b) Sendo a denúncia dos vereadores relativa à reunião de 02 de Janeiro de 2022, a Inspecção resolveu “alargar” a sua acção a todas as sessões da Câmara Municipal no ano de 2022 e isso para poder enquadrar tomada de posição posterior, como veremos mais adiante;

c) A Inspecção se permitiu incluir a Assembleia Municipal no quadro da sua acção, quando esta não foi objecto de qualquer questionamento por parte de quem quer que fosse, ainda que a tutela bem poderia, face à ausência de envio de documentos com apresentação temporalmente prevista na lei, ter solicitado os mesmos ou desencadear a inspecção por decisão própria;

d) A descrição do envio de email ao vereador Albertino Graça que continha erro no endereço eletrónico é uma autêntica “chacota” pois qualquer utente de correio eletrónico sabe que email com endereço eletrónico errado, simplesmente não segue, sendo “devolvido” com a menção de que tal endereço não existe. Daí ser com estupefação que se lê na página 12/26 que a reunião de 2 de janeiro de 2022 foi devidamente convocada (???);

e) Constata que os questionamentos dos vereadores da UCID e do PAICV não mereceram quaisquer respostas e que três vereadores estavam de férias e um com pedido pendente, ou seja, limitam-se a constatar a vontade assumida do Presidente da Câmara fazer a reunião de Câmara, aproveitando a ausência dos vereadores;

f) Afirma que não existe registo sonoro da totalidade da reunião, entretanto realizada, mas que lhes foi fornecida uma gravação de 15 minutos da mesma, quando lhes foi entregue a acta de reunião de uma hora e quinze minutos, pelo que estamos perante provas contraditórias que não são suficientemente relevadas;

g) Constata que não se convocou o pessoal de apoio administrativo normalmente afecto às reuniões da Câmara por indicação expressa do Presidente da Câmara;

h) Conclui que as deliberações da reunião de 02 de Janeiro não respeitam o princípio legal de que os órgãos colegiais só deliberam com a presença da maioria dos seus membros;

i) Constata que de 27 de Janeiro a 5 de Abril houve 7 reuniões agendadas e todas encerradas com a não aprovação das agendas (?) de trabalho, omitindo que a agenda foi sempre a mesma, ou seja, que a vontade do Presidente da Câmara foi sempre a de pretender impor a sua agenda particular de bloqueio e não propor uma agenda para um normal funcionamento da Câmara;

j) Registar uma muito conveniente coincidência da reunião, convocada no dia 7 de Março e agendada para dia 10 do mesmo mês pelo vereador Anilton Andrade, em razão da indisponibilidade do Presidente face à visita do Ministro Elísio Freire, com inicio no dia 10, mas com essa informação do Presidente da Câmara só a 8 de março, um dia após a convocatória; e feita, invocando a omissão do Presidente, ter sido “curto circuitada” por visita do Ministro Elísio Freire a iniciar no mesmo dia 10, mas com essa informação disponibilizada pelo Presidente da Câmara só a 8 de Março, um dia depois da referida convocatória, sabendo-se que estas visitas são agendadas com muita antecedência; 

l) Referem os inspectores a uma reunião realizada a 19 de Abril na qual começaram por comparecer o Presidente e os vereadores do MPD, mas que saíram da sala da reunião “sem que antes se aprovasse a agenda de trabalhos”, num comportamento contrário aos seus deveres de participação.

(continua)

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 793, de 10 de Novembro de 2022

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