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A guerra na Ucrânia está num beco sem saída?

Por: Adriano Miranda Lima

Não é por acaso que no título figura a expressão “guerra na Ucrânia” em vez de “guerra da Ucrânia”, como alguns usam, o que para mim faz diferença e representa uma inadvertência ou pouca atenção ao rigor semântico das palavras. Porque essa segunda expressão – guerra da Ucrânia – subentende uma relação biunívoca na responsabilidade substantiva entre os contendores que está longe de traduzir a verdade. E é por esse pressuposto que alguns comentadores tendem a admitir que o fim das hostilidades – leia-se agressão militar– está em parte igual ao alcance dos dois beligerantes, desde que o queiram e sopesem os ganhos e as perdas, mediante uma ponderação racional das conveniências de um cessar-fogo em que ambos possam sair de cabeça levantada. É como ilusoriamente pensam alguns pseudopacifistas. Mas o próprio Papa, no seu veemente apelo à paz, sabe que há uma distância entre a retórica ambígua e os complexos meandros da realidade.      

De facto, está hoje bem demonstrado que foi por cálculo bem gizado e amadurecido que a Rússia de Putin invadiu o estado soberano da Ucrânia, mandando às urtigas a lei internacional, para submeter o país aos seus desígnios de reconstituir o mítico “Russkiy Mir” (Mundo Russo) idealizado por Alexander Dugin. Teorização baseada no pensamento do filósofo fascista Ivan Ilyin, só podia ser recuperada e perfilhada por mentes engradeadas no tempo, deslocadas do curso da história. Porque a estirpe dos actuais inquilinos do Kremlin é tributária de um misto de czarismo e estalinismo, com tudo o que isso tem de perverso e regressão civilizacional.

Daí ser pouco provável que este conflito termine sem que a potência agressora entenda ter atingido os seus objectivos, que é esmagar e submeter os ucranianos. Só que desde o primeiro momento a Ucrânia demonstrou que não é uma falácia a sua proclamação de defender a pátria, rechaçar o invasor e lutar pela sua integração inequívoca na comunidade das democracias.

Frustrando a expectativa do invasor, o mundo livre foi unânime e interventivo na condenação do seu acto e não tem regateado o apoio político e em meios militares à Ucrânia, o que permitiu que mais de 6 meses depois o conflito chegue a uma situação que alguns consideram de impasse mas a todo o momento passível de evoluir para uma escalada.

E quando os pseudopacifistas falam em escalada, associando-a naturalmente ao uso de armamento nuclear, percebe-se que para eles a dissuasão nuclear só é entendível para o lado dos russos, nunca para o lado ocidental, e que perante a velada ameaça o mundo livre está inibida de apoiar o país invadido. Não lêem a história para aprender que foi assim que o nazismo de Hitler logrou os seus intentos e lançou o planeta numa guerra devastadora que haveria de abrir caminho para um novo capítulo da história. Parecem não querer reconhecer que apenas no estilo pessoal Putin difere de Hitler e que as linhas da sua estratégia são uma réplica da utilizada pelo líder nazi.

Depois, olha-se para a realidade social e política da Rússia e  vê-se que ela é o espelho de um paradoxo.

Que resulta da desmesurada extensão territorial do país e da sua incapacidade orgânica de promover uma correlação lógica entre a geografia humana e uma economia geradora de equilíbrio, harmonia e coesão do todo nacional. Ora, é pela consciência das suas limitações naturais que  a Rússia se armou  com um poderoso arsenal nuclear que lhe permite “ladrar” em jeito de ameaça porque de antemão sabe que não consegue “morder” em igualdade de circunstância com os que disputam o poder mundial. Isto é causa de um complexo de inferioridade para o qual não lobrigam outra cura senão uma injunção de irracionalidade. Esta predispõe à alienação ao invés de iluminar a consciência e estimular o sentido da realidade.

É iniludível que o confronto é entre dois modelos civilizacionais, conforme há poucos dias aflorou num diálogo na CNN entre a analista de assuntos internacionais Helena Ferro Gouveia e o major-general Agostinho Costa, e que este pareceu não valorizar ou não julgar momentaneamente enquadrável na sua argumentação. Este reparo não é despiciendo, pois que sabemos bem em que quadrante civilizacional queremos viver, ao passo que entre nós haverá quem parece não afinar pelo mesmo diapasão. Mas a disposição para a tolerância e para aceitação do contraditório é um dos mais valiosos pergaminhos do nosso espaço existencial. Tem mais força que qualquer dos mísseis “potentes e de grande precisão” lançados diariamente contra as cidades ucranianas e com que se regala o inefável general que é porta-voz do ministério da defesa russo.

Realmente, esta guerra não parece ter um fim nos próximos tempos. Putin só aceita negociações se Zelensky se render, o que é um absurdo na lógica do jogo diplomático, enquanto o último só o encara com o exército invasor fora do seu território, o que também parece neste momento fora das previsões mais razoáveis.

Entretanto, no palco da tragédia quem se submete ao sacrifício supremo em nome da sua e nossa liberdade são os ucranianos. Nós, os do mundo ocidental, apenas sofremos o ónus de uma estagflação e do aumento do preço da electricidade, do gás e de outros bens, em consequência das medidas da UE e dos EUA em apoio ao país invadido.

Quão díspar é a natureza do preço que uns e outros têm de pagar para a defesa do nosso modo de vida! Pense nisso, caro leitor, quando tiver de gastar mais uns euros pelos bens de consumo.

Tomar, 28 de Agosto de 2022

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 783, de 01 de Setembro de 2022

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