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Reflexões sobre a posição pública da OACV

Por: Maria João de Novais

A recente tomada de posição da Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV) reacendeu um debate necessário sobre o papel das instituições representativas num Estado de Direito e sobre o equilíbrio delicado entre a afirmação de princípios constitucionais e a defesa efectiva da classe que representam. 

    Embora o comunicado divulgado reafirme valores estruturantes como a legalidade, a independência das instituições judiciais e o respeito pela ordem constitucional, subsistem reservas legítimas quanto ao momento, ao enfoque e ao alcance da intervenção.

    O contexto em que o comunicado foi emitido é particularmente sensível. Estão em causa processos ainda sob segredo de justiça, acompanhados de intensa exposição mediática e de crescente polarização política. 

    Nestes termos, teria sido desejável que a Ordem promovesse um debate interno mais amplo, ouvindo a diversidade de posições existentes no seio da advocacia cabo-verdiana. Uma tomada de posição com este impacto público deveria resultar de reflexão colectiva, reforçando a legitimidade institucional da OACV e a coesão da classe que representa. A ausência desse exercício de escuta explica, em parte, o desconforto manifestado por vários advogados, que percepcionam o comunicado como precipitado e pouco representativo.

    Um dos aspectos mais sensíveis prende-se com a ausência de qualquer referência expressa a advogados visados nos processos em causa. 

   A Ordem dos Advogados tem como missão essencial a defesa da dignidade, dos direitos e da independência profissional dos seus membros. Em contextos de elevada exposição pública, esse dever torna-se ainda mais premente. 

    O silêncio institucional sobre esta dimensão fragiliza a confiança da classe na sua representação e pode ser interpretado como uma falha na protecção daqueles que a Ordem existe precisamente para defender.

     Apesar de o processo se encontrar, formalmente, sob segredo de justiça, conforme reiterado pelo Ministério Público, é inegável que, há muito, diversos elementos – incluindo nomes, factos e documentos – circulam amplamente no espaço público. 

    Independentemente da origem dessa exposição, trata-se de uma realidade preocupante, pelos efeitos que produz sobre as garantias processuais, a presunção de inocência e a serenidade que deve presidir à administração da justiça. 

   A existência de julgamentos mediáticos antecipados e a crescente especulação em torno do caso contribuem para a politização de um processo que deveria permanecer circunscrito ao plano judicial.

   A percepção de politização da justiça constitui um risco real para a credibilidade das instituições democráticas e para a confiança dos cidadãos. Ao intervir publicamente nos moldes em que o fez, a OACV corre o risco de ser associada a uma leitura política de um processo judicial ainda em curso, o que pode comprometer a imagem da justiça e da própria advocacia. A defesa do Estado de Direito exige equilíbrio, prudência e sentido institucional, bem como a capacidade de afirmar princípios sem perder de vista o papel específico da Ordem enquanto garante dos direitos e da dignidade profissional dos advogados.

   A Ordem dos Advogados não é apenas uma instância de afirmação abstrata de valores constitucionais. É, acima de tudo, uma instituição de proximidade com os seus membros, chamada a agir com ponderação, rigor e sensibilidade, sobretudo em momentos de crise. 

     A sua autoridade moral reside na capacidade de conciliar a defesa intransigente da legalidade com a protecção efectiva da classe que representa, mantendo uma postura de independência e responsabilidade institucional.

      Mais do que reafirmações genéricas, esperava-se da OACV um posicionamento mais inclusivo, atento às garantias processuais, ao respeito efectivo pelo segredo de justiça e à necessidade de evitar a instrumentalização política de processos judiciais em curso. É nesta defesa serena, firme e verdadeiramente institucional da advocacia que reside a força e a credibilidade da Ordem dos Advogados de Cabo Verde.

Mindelo, 18 de dezembro de 2025

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