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Desporto

São Vicente: São Pedro Futebol Clube exemplo de luta e resiliência

A aldeia piscatória de São Pedro é a porta de entrada e saída de São Vicente, via aérea. A meio de dificuldades, a localidade possui uma equipa desportiva, o São Pedro Futebol Clube, que milita na segunda divisão e que, este ano, lutou até o fim para subir para o primeiro escalão, mas não conseguiu atingindo o terceiro posto, com menos dois que o campeão Farense e a um do segundo UNI Mindelo. O time é a imagem viva das gentes dessa localidade de São Vicente.

O São Pedro Futebol Clube (SPFC) vem dando ultimamente nas vistas, tendo atingido a final da Taça de São Vicente prevista para este sábado, 20 de Abril, num jogo onde terá de enfrentar o “gigante” Mindelense SC.

São Pedro, nem campo de treino digno desse nome tem, para uma equipa que disputa as provas oficiais nesta Região Desportiva. O quadro repete-se no desporto de salão, dado que o piso do polivalente já não reúne condições necessárias, podendo até provocar lesões graves a quem se atreve a utilizá-lo.

Os atletas de São Pedro, na sua maior parte jovens, dizem-se abandonados à sua sorte, desde que a Câmara Municipal lhes retirou há duas épocas o subsídio para o transporte à cidade para os jogos e um treino semanal no Estádio Municipal Adérito Sena.

Mindelense como adversário 

Mesmo assim, contra-vento e maré, o SPFC conseguiu apurar-se para a final da Taça de São Vicente, uma competição que engloba todos os clubes da primeira e da segunda divisões. Os moços de São Pedro vão ter, no sábado, 20, como adversário o Mindelense.

Tudo o que está a acontecer esta época ao SPFC é fruto de um “longo, árduo e abnegado trabalho”, conforme nos revelou o treinador Octávio Dias Alves, que, com outros colegas e pupilos, vai assumindo a gestão do clube, na ausência do presidente Silvino Almeida.

Desde 2011 que o SPFC se encontra na segunda divisão, com forte possibilidade este ano regressar ao primeiro escalão. Daí na cabeça dos moços de São Pedro só existe um objectivo: subir à primeira divisão e se possível vencer o Mindelense na Taça de São Vicente. De realçar que a nível do campeonato, a contabilidade lutou até à última jornada, mas com a combinação de resultados acabou por nem subir e sequer ir à “liguilha”. Deu apenas para ficar no terceiro lugar. Partiu para a última jornada, no último fim de semana, a dois pontos do líder, e como não dependia apenas de si acabou por morrer na praia”.

Normalmente, as dificuldades para equipas da segunda divisão são notórias, ainda mais para as chamadas de “equipas rurais”, como é o caso de São Pedro, uma aldeia piscatória. Algumas percorrem à volta de 12 km para jogar e treinar na cidade, sem dispor de transportes próprios. Nestas condições, além do SPFC, estão os “rapazes” do Calhau e da Salamansa.

 “No início começámos como os coitadinhos, nem transporte tínhamos para nos levar ao Estádio”, diz Octávio Alves. Hoje, não fosse o apoio de uma empresa ligada ao turismo e hotelaria, sediada em São Pedro, “não seria possível continuar a sonhar”.

Gasto mensal de 200 contos só em transportes 

Afinal, só em transportes, o SPFC contabiliza um gasto mensal de 200 contos, sendo que uma época desportiva gira à volta dos quatro meses e meio. Por isso, independentemente do embate contra o Mindelense, Octávio Alves conta que a equipa passou a sentir-se vencedora. Mas, como diz, ele e os seus pupilos querem continuar a elevar os valores do desporto em São Pedro e em São Vicente.

Para o nosso entrevistado, para chegar até aqui, a equipa teve de realizar um grande trabalho de resiliência, treinar diariamente num areal junto ao mar, com todos os problemas inerentes do vento, piso irregular, etc. O segredo, como diz, está na qualidade dos jovens, que fazem de tudo para ultrapassar as dificuldades. Uma outra preocupação é ter disponível o dinheiro destinado a uma refeição para os jogadores nos dias dos jogos.

As dificuldades, estas, no dizer do nosso entrevistado, aumentam ainda mais quando a maioria dos jogadores e ele próprio, treinador, são pescadores de profissão. E aqui cita o seu próprio caso: sai de casa por volta das 3 horas de madrugada para a faina marítima, regressa às 16:30 para ir a correr treinar a sua equipa, a partir das 17 horas, sem descansar.

“Há semanas em que praticamente fico sem trabalhar quando temos jogos pelo meio da semana”, elucida Octávio Alves para demonstrar os problemas próprios de um clube de segunda divisão de uma zona piscatória e rural.

Desafios

Diante dos resultados, ao fim de vinte anos de entrega ao futebol, Octávio Alves entende que se deve utilizar mais o desporto como meio de retirar ou desviar os jovens do álcool e das drogas. “O trabalho que estamos a fazer é porque queremos ver a nossa zona afastada das coisas que todos nós sabemos estar a afectar as famílias e a sociedade no geral”.

Para conseguir isto, Octávio Alves anunciou, em “primeira mão” ao A NAÇÃO, que São Pedro FC vai ter todos os escalões: sub-13, sub-15, sub-17 e sub-19. “Desta forma vamos tirar a juventude da má vida e colocá-la, toda, no futebol”, rematou.

Erickson Lima

Erickson Lima- Capitão

Calceteiro de profissão, 27 anos, joga em todas as posições da defesa. A maior de todas as dificuldades do São Pedro FC, como diz, é não treinar num campo adequado. “Somos a única equipa de São Vicente que treina no piso de terra para ir competir num relvado. Nos dias de muito vento é impossível treinar no nosso campo de terra, por isso apelamos a quem de direito para nos dotar de um campo relvado ou de um apoio financeiro para podermos deslocar à cidade e treinarmos”.

Marlon Santos

Marlon Santos – guarda-redes

Pescador de profissão, 18 anos, este guarda-redes do SPFC é tido como exemplo de resiliência e vontade de vencer. Foi graças à defesa da bola contra o Amarante no desempate por pontapés da marca da grande penalidade, no jogo das meias-finais, é que o São Pedro FC está nas meias-finais da Taça de São Vicente, colocando a equipa na final.

Treinar no campo à disposição impede Ericson de ter uma preparação adequada para guarda-redes, sentindo enormes dificuldades em relação às condições que os outros guarda-redes da cidade têm à disposição.

“Sentimos um pouco desconfortável por que às vezes pudemos ir a um lance e caímos em cima de alguma pedra e contraímos alguma lesão”, lamenta Marlon, que exorta os colegas do SPFC a continuarem unidos e com o espírito de entreajuda que os caracteriza a todos.

Desporto em São Pedro também é sinónimo de atletismo – Carlos Araújo 

Em São Pedro reside o campeão paralímpico Carlos Araújo. Humilde e simpático, não hesitou em falar com A NAÇÃO do seu projecto de formação em atletismo, que está a implementar nessa localidade da ilha de São Vicente, cujo lema é “Não à Droga, Não ao Álcool”.

Como referiu, sendo São Pedro uma aldeia piscatória, há forte tendência para as crianças e os jovens abandonarem a escola e foi assim que pensou criar este projecto e assim os afastar do perigo em que se encontravam. Em cerca de dois anos, adianta, “já há atletas campeões a nível regional da ilha e, igualmente, vice-campeão de Cabo Verde, em 400 e 800 metros”.

Evocando, uma vez mais, a falta de condições para a prática de atletismo na ilha, o nosso interlocutor disse que se tratam de atletas juniores e que o foco é continuar a incentivá-los na senda dessa modalidade.

“Tenho estado a apoiá-los naquilo que posso; neste momento estamos a participar no regional de São Vicente, no Adérito Sena, e ao mesmo tempo estamos a prepararmo-nos para o Nacional”, enfatizou o nosso interlocutor.

Araújo diz que entre os seus pupilos há alguns com talento, caso de Ester Neves, 14 anos, que neste momento é já melhor atleta júnior de S. Vicente. E entre os masculinos, destaca Waldir Lopes “Dicks”, vice-campeão nacional Juniores, 400 e 800 metros, mas igualmente tem idade para participar na categoria de juvenis.

A nível de paralímpicos, há ainda Jorge Pascoal, na categoria T-20, para os portadores de doença mental, género que, na sua categoria, é o melhor atleta de 1500 metros e o segundo melhor a nível de 100 metros.

Para além destes casos, Carlos Araújo trabalha ainda com um outro jovem, Arlindo dos Santos, em juniores masculinos. “Temos talentos e é isso que venho afirmando. Onde estão as autoridades para nos ajudar a fazer este trabalho social?”, questiona.

“No início fui ajudado e por isso sinto-me na obrigação de ajudar estes jovens”, frisa Araújo para quem o objectivo é criar uma escola de Atletismo em São Pedro para incentivar os jovens a abraçarem o Desporto e desviá-los dos maus caminhos.

Percurso

Carlos Araújo, 36 anos, antes de ser atleta paralímpico, foi jogador de futebol e pescador, aliás, como a maior parte dos desportistas de São Pedro. Enquanto atleta, é treinado por Jailson Oliveira Manuel, antigo melhor maratonista de Cabo Verde que bateu o recorde na modalidade no país, aquando do evento realizado na Boa Vista.

Conta que, aos 18 anos, trabalhava num barco de pesca quando teve um acidente que o deixou sem a mão esquerda e sem os dois dedos da mão direita. Após isso teve de passar por um processo de superação e, conforme vinca, “estou aqui firme e forte”.

Como notaram que tinha boa passada no futebol convidaram-lhe para treinar e como atleta paralímpico representou Cabo Verde nos Jogos da Lusofonia, onde teve boa prestação nos 400 metros na sua categoria T46, que é amputação mais para cima e T47, amputação mais curta, sendo que as duas categorias competem juntas.

“Na altura, em 2009, falei com um treinador português que eu gostava de futebol e de atletismo e ele respondeu-me que eu tinha de escolher. Tinha talento, mas as duas modalidades juntas não combinam. Assim optei pelo atletismo”, disse.

Carlos Araújo admite que essa escolha terá sido a decisão mais acertada, na medida em que se tornou campeão de Cabo Verde nas várias modalidades de 100, 200, 400, 800, 3 000, 5 000 metros e 10 km de estrada e até 15 km.

É também campeão nacional em salto em comprimento, mas teve de se retirar depois de uma competição em Marrocos, em 2022, durante a qual contraiu uma lesão.

A nível internacional, Araújo é um dos atletas com maior número de participações, tendo participado, somente em Angola, por 12 vezes, país onde arrecadou duas medalhas de bronze nos 10 km de estrada, medalhas em Jogos Africanos no Congo, na Itália, de onde trouxe duas medalhas de prata e uma de ouro, nas categorias de 100, 200 e 400 metros, respectivamente.

Como diz, a falta de patrocínios tem-lhe impedido de ir mais longe, mas também por falta de condições de treino, dado que São Vicente não possui uma pista de tartan para a prática de atletismo. “No nosso país não se ganha nada mas fazemos por amor à nossa bandeira”, diz.

Nestes termos exorta as autoridades para criarem, ao menos, condições mínimas para o treino dos atletas sanvicentinos. “Treinar e dar treino aos jovens, em terra batida, e por vezes no asfalto, não ajuda nas competições onde o que vão encontrar é total oposto”.

Natação

A natação também faz parte do mundo de Carlos Araújo. Compete a nível dos 100, 200 e 300 metros. Na água já participou e venceu, algumas vezes, o regional de paralímpicos realizado na Laginha, em 100 metros “Sprint”.

Carlos Araújo confessou-nos que o pior momento da sua vida foi quando teve o acidente que lhe tirou a mão esquerda e ficou com dois dedos e meio na mão direita. “Na altura eu tinha muitos planos de vida, sonhos por realizar, mas consegui superar graças à minha família”, enfatizou.

João A. Rosário

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