Por: Julio C. de Carvalho*
Depois de muitos anos a trabalhar em diferentes escolas públicas no estado de Massachusetts, e também em universidades, senti que era tempo de dar um passo especial na minha jornada. Escolhi Brockton, uma cidade onde um terço da população é cabo-verdiana. Foi uma decisão de coração: em vez de criticar à distância, quis estar presente, envolver-me e ajudar a “guiar” os jovens cabo-verdianos no caminho do sucesso aqui nos Estados Unidos.
Logo nos primeiros dias na East Middle School, percebi algo diferente. O ambiente era acolhedor, e a diversidade refletia-se em rostos diversos, respeitados e valorizados. Cada cultura tinha espaço, cada voz encontrava eco. Para alguém como eu, que acredita no poder da educação como ponte entre mundos, essa experiência foi profundamente emocionante.
Mas houve um episódio marcante que guardarei para sempre. Quando soube que Cabo Verde iria jogar contra os Camarões numa partida histórica que poderia levar a nossa seleção, pela primeira vez, à Copa do Mundo, aproximei-me da direção da escola. Expliquei-lhes o significado desse jogo para nós, cabo-verdianos, e para a nossa diáspora. A resposta foi imediata e generosa: sem hesitar, decidiram projetar o jogo em grande ecrã, no auditório.
O que aconteceu a seguir foi indescritível. O auditório encheu-se de alunos, muitos deles cabo-verdianos, mas também de amigos de várias origens que aplaudiam sem parar as façanhas dos Tubarões Azuis. Todos juntos, vibravam, sentiam orgulho e celebravam Cabo Verde. Aquela união, aquele reconhecimento e respeito pela nossa cultura, foi algo que ficará gravado na minha memória.
Cabo Verde, que já conquistou o mundo através da voz imortal de Cesária Évora, pode agora escrever uma nova página ao alcançar a Copa do Mundo, justamente no marco dos 50 anos da independência. Seria histórico: depois da música, o futebol revelaria ao planeta a nossa cultura, a morabeza e a beleza do nosso povo. Mostraríamos a tabanca, o carnaval, as festas tradicionais, a cachupa e o cuscuz, a “djagacida”, pasteis de milho, modje de São Nicolau, as paisagens paradisíacas, e sobretudo a imagem de um país democrático e estável. Quando o futebol colocar Cabo Verde no olhar do mundo, o turismo será o grande vencedor, impulsionando a nossa economia. E, se esse turismo for bem organizado, o triunfo será de todo o país e de cada cabo-verdiano.
Foi precisamente essa visão de grandeza e de respeito pela diversidade cultural que a liderança da East Middle School evidenciou através de um gesto simples, mas profundamente simbólico: permitir que alunos de mais de vinte nacionalidades assistissem ao jogo, despertando, em seguida, a curiosidade sobre Cabo Verde. Ao criar esse espaço de celebração coletiva de um momento histórico para o nosso país, demonstraram que a inclusão vai muito além de um discurso inspirador, é ação concreta, atitude consciente e compromisso real com as comunidades que serve.
A liderança da East Middle School reforçou a minha convicção de que é possível construir um Estados Unidos mais justo e inclusivo, onde cada cultura encontra o seu espaço na grande narrativa deste país.
Quero, antes de tudo, felicitar os Tubarões Azuis pela grande vitória, bem como todos os cabo-verdianos e amigos que connosco partilharam este triunfo simbólico. Acima de tudo, deixo um sincero agradecimento à liderança da East Middle School, que soube reconhecer que pequenos gestos podem gerar grandes impactos. Brockton tem, de facto, uma escola que se destaca como exemplo de humanidade, respeito e visão global, e sinto-me profundamente honrado por fazer parte desta comunidade académica.
*O Professor Doutor Julio C. de Carvalho é um académico e docente cabo-verdiano nos Estados Unidos, dedicado à educação, à liderança comunitária e ao fortalecimento dos laços entre Cabo Verde e a sua diáspora.
